Melo no Parcão e Manu na Redenção: a geografia do voto em Porto Alegre


O emedebista foi favorecido pela impugnação de Fortunati e conseguiu herdar os votos de Marchezan no segundo turno da disputa pela prefeitura
POR TIAGO BALDASSO • 21/12/2020

Sebastião Melo (MDB) venceu a eleição para prefeito em Porto Alegre em uma campanha acirrada, superando a candidata Manuela D’Ávila (PCdoB) no segundo turno. Melo, que liderou o primeiro turno com uma pequena margem, venceu a segunda etapa da disputa com 54,6% dos votos. O atual prefeito Nelson Marchezan Jr. (PSDB), que buscava a reeleição, não conseguiu acesso ao segundo turno e ficou em terceiro lugar.

Apesar de contar com 13 candidatos, a disputa principal se deu entre três blocos, encabeçados por figuras tradicionais da política na cidade. Ex-vice-prefeito da gestão de José Fortunati (PTB) entre 2013 e 2016, Sebastião Melo ficou à frente de uma coalizão de centro-direita centrada no MDB e no DEM. Sua adversária Manuela D’Ávila liderou a coligação de esquerda entre PCdoB e PT, enquanto o atual prefeito, Nelson Marchezan, concorreu à reeleição pelo PSDB enfraquecido pelos críticos de sua gestão e por atritos recentes com o legislativo municipal.

Três fatores parecem ter pesado na vitória de Melo: o imbróglio que levou à renúncia da candidatura do ex-prefeito José Fortunati, o peso dos votos herdados de Marchezan e de outros candidatos no segundo turno e a forte rejeição da esquerda na capital gaúcha.


O primeiro e o segundo turno de Sebastião Melo

O MDB de Melo tinha planos de formar uma aliança com partidos de centro e de direita para lançar um candidato forte à prefeitura, mas desencontros levaram à inscrição de três candidaturas paralelas: além de Melo, o ex-prefeito José Fortunati (PTB) e Gustavo Paim (PP) também concorreram. Fortunati, que vinha tendo bons resultados nas pesquisas, acabou renunciando à campanha devido a uma denúncia de irregularidades na inscrição de sua chapa e declarou, em seguida, apoio a Melo, removendo assim o principal obstáculo no caminho do emedebista ao segundo turno.

Melo se beneficiou dos votos de Fortunati, superando as pesquisas e liderando o primeiro turno com 31% dos votos válidos. Com resultados expressivos na cidade inteira, ele recebeu pelo menos 20% dos votos em todos os bairros da capital.

Melo obteve vitórias importantes no primeiro turno ao receber cerca de 40% dos votos nos bairros com a renda mais elevada da cidade, de população predominantemente branca, como Bela Vista e Moinhos de Vento. Além disso, ele foi bem em áreas periféricas e de menor renda, com auxílio de vereadores “puxadores” na Zona Sul e na Zona Norte, como nos bairros da Serraria e do Sarandi. Seus locais de menor votação não tiveram perfil muito definido, misturando regiões e níveis de renda diversos.

De certa forma, os votos de Marchezan e de outros dois candidatos menores de direita, que juntos somaram 27% no primeiro turno, ajudaram a consolidar a candidatura de Melo em zonas de variados perfis socioeconômicos onde o emedebista ainda precisava de um empurrão para virar a balança no segundo turno. Melo atraiu parte relevante do eleitorado do tucano Marchezan mesmo sem ter obtido apoio do candidato. Isso ampliou sua margem nos bairros de classe média e média-alta da Zona Norte, como Higienópolis e Jardim Lindóia.

Também pesou a forte rejeição da esquerda na capital, que com o resultado dessa eleição completará 20 anos afastada do comando da cidade. Durante a campanha, os adversários de Manuela exploraram essa brecha ao utilizar forte retórica anti-comunista e anti-petista contra a candidata, que não conseguiu se desvencilhar da imagem de “candidata da esquerda”, reforçada pela participação nas eleições presidenciais de 2018 como vice de Fernando Haddad (PT).


O primeiro e o segundo turno de Manuela D'Ávila

Líder nas pesquisas do primeiro turno, Manuela conseguiu unificar boa parte dos eleitores de esquerda, vencendo em tradicionais redutos do PT. Obteve votação expressiva na cidade inteira, conquistando 29% dos votos, ainda que com uma rejeição mais alta.

Manuela teve votações elevadas no Bom Fim, na Cidade Baixa e no Centro Histórico, bairros centrais de classe média com grande quantidade de jovens, universitários e funcionários públicos, dada a presença de universidades e órgãos públicos na região. Outro foco de bons resultados foram os bairros de Bom Jesus, Restinga e Mário Quintana, regiões periféricas que concentram as populações negras da cidade e que estão entre as menores rendas do município.

Ao contrário de Melo, Manuela teve um foco bastante definido de rejeição, localizado nas imediações dos bairros de alta renda da Zona Norte, como Moinhos de Vento e Bela Vista.

No segundo turno, Manuela recebeu o apoio de Juliana Brizola (PDT) e Fernanda Melchionna (PSOL), 4ª e 5ª colocadas que juntas somaram 11% dos votos no primeiro turno. Os votos do PSOL reforçaram a candidata em regiões em que Manuela já havia obtido bons resultados, como Cidade Baixa e Centro Histórico. Já os eleitores do PDT engrossaram os números da candidata em regiões periféricas e de menor renda, como Humaitá, Bom Jesus e Restinga. O fato das três candidatas serem mulheres, com bandeiras feministas e projetos mais à esquerda que o de Melo, parece ter exercido influência nessa dinâmica.


O mandato de Melo e os prospectos de Manuela

Contando com boa articulação e longa trajetória política, Melo provavelmente conseguirá formar maioria na câmara municipal. Seus maiores desafios serão equilibrar os interesses dos diversos partidos que contribuíram para sua eleição e enfrentar a oposição da bancada de esquerda, renovada e mais numerosa do que na legislação anterior, como mostra a geografia do voto para vereador em Porto Alegre (parceria do Pindograma com Afonte Jornalismo e Matinal Jornalismo). Já Manuela D’Ávila, apesar da derrota, conseguiu se consolidar nessa eleição como um nome forte da esquerda pós-PT, de maneira semelhante a Guilherme Boulos em São Paulo.


Dados utilizados na matéria: Locais de Votação (Pindograma); Votação por Seção Eleitoral (Tribunal Superior Eleitoral).

Contribuíram com dados: Daniel Ferreira e Antonio Piltcher.

Créditos da imagem: ALRS/Divulgação; Celso Chittolina/Divulgação; Manuela d'Áliva/Flickr; Ricardo André Frantz/Wikimedia

Para reproduzir os números citados, o código e os dados podem ser encontrados aqui.

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foto do autor

Tiago Baldasso é contribuidor do Pindograma.

Melo no Parcão e Manu na Redenção: a geografia do voto em Porto Alegre

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POR TIAGO BALDASSO

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Sebastião Melo (MDB) venceu a eleição para prefeito em Porto Alegre em uma campanha acirrada, superando a candidata Manuela D’Ávila (PCdoB) no segundo turno. Melo, que liderou o primeiro turno com uma pequena margem, venceu a segunda etapa da disputa com 54,6% dos votos. O atual prefeito Nelson Marchezan Jr. (PSDB), que buscava a reeleição, não conseguiu acesso ao segundo turno e ficou em terceiro lugar.

Apesar de contar com 13 candidatos, a disputa principal se deu entre três blocos, encabeçados por figuras tradicionais da política na cidade. Ex-vice-prefeito da gestão de José Fortunati (PTB) entre 2013 e 2016, Sebastião Melo ficou à frente de uma coalizão de centro-direita centrada no MDB e no DEM. Sua adversária Manuela D’Ávila liderou a coligação de esquerda entre PCdoB e PT, enquanto o atual prefeito, Nelson Marchezan, concorreu à reeleição pelo PSDB enfraquecido pelos críticos de sua gestão e por atritos recentes com o legislativo municipal.

Três fatores parecem ter pesado na vitória de Melo: o imbróglio que levou à renúncia da candidatura do ex-prefeito José Fortunati, o peso dos votos herdados de Marchezan e de outros candidatos no segundo turno e a forte rejeição da esquerda na capital gaúcha.


O primeiro e o segundo turno de Sebastião Melo

O MDB de Melo tinha planos de formar uma aliança com partidos de centro e de direita para lançar um candidato forte à prefeitura, mas desencontros levaram à inscrição de três candidaturas paralelas: além de Melo, o ex-prefeito José Fortunati (PTB) e Gustavo Paim (PP) também concorreram. Fortunati, que vinha tendo bons resultados nas pesquisas, acabou renunciando à campanha devido a uma denúncia de irregularidades na inscrição de sua chapa e declarou, em seguida, apoio a Melo, removendo assim o principal obstáculo no caminho do emedebista ao segundo turno.

Melo se beneficiou dos votos de Fortunati, superando as pesquisas e liderando o primeiro turno com 31% dos votos válidos. Com resultados expressivos na cidade inteira, ele recebeu pelo menos 20% dos votos em todos os bairros da capital.

Melo obteve vitórias importantes no primeiro turno ao receber cerca de 40% dos votos nos bairros com a renda mais elevada da cidade, de população predominantemente branca, como Bela Vista e Moinhos de Vento. Além disso, ele foi bem em áreas periféricas e de menor renda, com auxílio de vereadores “puxadores” na Zona Sul e na Zona Norte, como nos bairros da Serraria e do Sarandi. Seus locais de menor votação não tiveram perfil muito definido, misturando regiões e níveis de renda diversos.

De certa forma, os votos de Marchezan e de outros dois candidatos menores de direita, que juntos somaram 27% no primeiro turno, ajudaram a consolidar a candidatura de Melo em zonas de variados perfis socioeconômicos onde o emedebista ainda precisava de um empurrão para virar a balança no segundo turno. Melo atraiu parte relevante do eleitorado do tucano Marchezan mesmo sem ter obtido apoio do candidato. Isso ampliou sua margem nos bairros de classe média e média-alta da Zona Norte, como Higienópolis e Jardim Lindóia.

Também pesou a forte rejeição da esquerda na capital, que com o resultado dessa eleição completará 20 anos afastada do comando da cidade. Durante a campanha, os adversários de Manuela exploraram essa brecha ao utilizar forte retórica anti-comunista e anti-petista contra a candidata, que não conseguiu se desvencilhar da imagem de “candidata da esquerda”, reforçada pela participação nas eleições presidenciais de 2018 como vice de Fernando Haddad (PT).


O primeiro e o segundo turno de Manuela D'Ávila

Líder nas pesquisas do primeiro turno, Manuela conseguiu unificar boa parte dos eleitores de esquerda, vencendo em tradicionais redutos do PT. Obteve votação expressiva na cidade inteira, conquistando 29% dos votos, ainda que com uma rejeição mais alta.

Manuela teve votações elevadas no Bom Fim, na Cidade Baixa e no Centro Histórico, bairros centrais de classe média com grande quantidade de jovens, universitários e funcionários públicos, dada a presença de universidades e órgãos públicos na região. Outro foco de bons resultados foram os bairros de Bom Jesus, Restinga e Mário Quintana, regiões periféricas que concentram as populações negras da cidade e que estão entre as menores rendas do município.

Ao contrário de Melo, Manuela teve um foco bastante definido de rejeição, localizado nas imediações dos bairros de alta renda da Zona Norte, como Moinhos de Vento e Bela Vista.

No segundo turno, Manuela recebeu o apoio de Juliana Brizola (PDT) e Fernanda Melchionna (PSOL), 4ª e 5ª colocadas que juntas somaram 11% dos votos no primeiro turno. Os votos do PSOL reforçaram a candidata em regiões em que Manuela já havia obtido bons resultados, como Cidade Baixa e Centro Histórico. Já os eleitores do PDT engrossaram os números da candidata em regiões periféricas e de menor renda, como Humaitá, Bom Jesus e Restinga. O fato das três candidatas serem mulheres, com bandeiras feministas e projetos mais à esquerda que o de Melo, parece ter exercido influência nessa dinâmica.


O mandato de Melo e os prospectos de Manuela

Contando com boa articulação e longa trajetória política, Melo provavelmente conseguirá formar maioria na câmara municipal. Seus maiores desafios serão equilibrar os interesses dos diversos partidos que contribuíram para sua eleição e enfrentar a oposição da bancada de esquerda, renovada e mais numerosa do que na legislação anterior, como mostra a geografia do voto para vereador em Porto Alegre (parceria do Pindograma com Afonte Jornalismo e Matinal Jornalismo). Já Manuela D’Ávila, apesar da derrota, conseguiu se consolidar nessa eleição como um nome forte da esquerda pós-PT, de maneira semelhante a Guilherme Boulos em São Paulo.


Dados utilizados na matéria: Locais de Votação (Pindograma); Votação por Seção Eleitoral (Tribunal Superior Eleitoral).

Contribuíram com dados: Daniel Ferreira e Antonio Piltcher.

Créditos da imagem: ALRS/Divulgação; Celso Chittolina/Divulgação; Manuela d'Áliva/Flickr; Ricardo André Frantz/Wikimedia

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