Voto de classe é a regra nas maiores cidades brasileiras


Em cidades maiores e mais desiguais, renda pesa mais no voto; Petismo tem pouca influência sobre o voto de classe
POR DANIEL FERREIRA E FRANCISCO RICCI • 15/11/2020

Nenhuma eleição municipal nos últimos 12 anos dividiu tanto os eleitores de alta e baixa renda quanto a de Vitória (ES) em 2016. Entre os 17 locais de votação mais ricos da cidade, o então prefeito Luciano Rezende (PPS) levou, em média, 75% dos votos válidos no segundo turno. Já nos 17 locais de menor renda, o apresentador de tevê Amaro Neto (SD) – uma espécie de Datena capixaba – conquistou, em média, 72% dos eleitores.

O caso de Vitória é emblemático de um fenômeno maior no Brasil: o voto de classe nas eleições municipais. Através de um levantamento inédito, o Pindograma descobriu que a renda tem influência sobre o voto na maioria das grandes cidades brasileiras — as com mais de 200.000 habitantes.

Para cada eleição municipal realizada nas 154 grandes cidades entre 2008 e 2016, dividimos a cidade em dois grupos: os locais 20% mais ricos e os 20% mais pobres, de acordo com a renda média per capita. Para cada um desses grupos, calculamos a média dos votos válidos no candidato vencedor da eleição. Então, calculamos a diferença entre como os dois grupos votaram.

A intensidade do voto de classe varia muito de cidade a cidade. Em São Paulo, essa diferença ficou entre 29 e 44 pontos percentuais nas últimas três eleições municipais. Já no Recife, ela não passou de 11 pontos percentuais em 2008, 2012 e 2016. Somente 16 das 154 cidades com mais de 200.000 habitantes mantiveram uma diferença abaixo de 5 pontos percentuais nas três eleições municipais desde 2008. Entre elas, São Luís (MA) era a única capital.

Ao contrário do que ocorre em outras eleições brasileiras, a presença do PT nos pleitos municipais raramente teve efeito sobre o voto de classe. Geralmente, são políticos mais personalistas – como Ratinho Jr. em Curitiba – que têm bases eleitorais coladas a grupos socioeconômicos particulares.

Além disso, as cidades com maior clivagem entre eleitores de alta e baixa renda geralmente são maiores e têm desigualdade econômica mais elevada. A despeito desses fatores, a associação entre renda e voto é menor no Nordeste.

O voto de classe nas capitais brasileiras

Os gráficos abaixo – onde cada ponto representa um local de votação – permitem visualizar a escala do voto de classe em algumas capitais. Quanto mais plana a curva, mais parecido é o comportamento eleitoral entre as faixas de renda, e quanto mais acentuada a curva, maior a clivagem entre as classes.

As áreas de menor renda de São Paulo deram, em média, mais que o dobro de votos ao PT que as áreas mais ricas – em parte pelo legado das gestões petistas de Luiza Erundina e Marta Suplicy; em parte pelo apelo de Lula junto ao eleitorado de menor renda. Mesmo assim, a renda não é o único fator relevante nas eleições paulistanas: como mostram os gráficos, cada faixa de renda tem uma diversidade interna enorme em seus padrões de voto.

Em Belém, o quadro é parecido. Em 2008, José Priante (PMDB) teve apoio de Lula no segundo turno e conseguiu um desempenho médio melhor entre eleitores de menor renda, embora muitos desses eleitores também tenham apoiado seu oponente, Duciomar Costa (PTB). Desde 2012, o quadro se repete na disputa entre Zenaldo Coutinho (PSDB) e o ex-prefeito pelo PT Edmilson Rodrigues, hoje no PSOL. Edmilson contou, nas últimas duas eleições, com o apoio de Lula, Dilma e dos que se viram beneficiados por sua gestão enquanto prefeito — em sua maior parte, eleitores de menor renda.

Já no Rio, o voto de classe foi determinado por outras dinâmicas. Tanto Eduardo Paes (então no PMDB) quanto o então pastor da Igreja Universal Marcelo Crivella (PRB) tinham prestígio popular na Zona Oeste da cidade — o primeiro por ter sido subprefeito na região e o segundo por conta do alto índice de evangélicos na área. Isso lhes garantiu, em média, um apoio maior entre eleitores de menor renda, embora o comportamento eleitoral deles também seja heterogêneo.

Mas se São Paulo, Rio e Belém ainda tinham uma diferença eleitoral significativa dentro de cada faixa de renda, esse não foi o caso em Vitória. Na capital capixaba, em 2008 e 2016, os bairros de maior renda deram votação expressiva a Luciano Rezende, e os de menor renda, a seu oponente — quase sem exceção.

Desigualdade de renda e população

É certo que dinâmicas locais influenciam a escala do voto de classe nessas cidades. Mas ao analisar as 154 cidades com 200.000 habitantes ou mais, alguns padrões emergem. Segundo o levantamento do Pindograma, cidades onde a associação entre renda e voto é maior tendem a ter mais habitantes e mais desigualdade de renda — independente do ano da eleição, do estado onde se passa a corrida, da renda média do município ou de se algum candidato busca a reeleição.

É simples entender por que a desigualdade de renda, medida pelo índice de Gini, poderia aumentar a discrepância entre o voto de diferentes classes. Quanto maior a distância entre ricos e pobres, maior tenderia a ser a diferença de prioridades políticas entre ambos os grupos, levando a padrões de voto mais divergentes.

Por outro lado, é mais difícil identificar por que cidades mais populosas geralmente têm um voto de classe mais intenso. Segundo Guilherme Russo, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, “cidades maiores tendem a ter mais candidatos”, o que poderia, talvez, aumentar a divisão política nesses municípios e, com isso, a clivagem entre o voto de ricos e pobres. No entanto, ainda é pouco claro o que leva à associação entre população e o voto de classe.

A força do personalismo

Algo que foge a esses padrões são as eleições disputadas por certas figuras personalistas – aquelas marcadas mais por suas personalidades do que por sua ideologia ou programa político.

Em 2008 e 2016, Curitiba foi uma cidade eleitoralmente bem homogênea: houve pouca diferença entre como votaram os locais de maior e menor renda. Mas em 2012, Ratinho Jr. (PSC) – filho do apresentador de tevê Ratinho – teve muito mais apelo que Gustavo Fruet (PDT) entre os eleitores de menor renda.

Campo Grande apresentou um caso parecido: em 2012, o radialista Alcides Bernal (PP) se elegeu prefeito em uma corrida na qual renda foi determinante para o voto. Bernal apresentava o ‘Refazenda’, programa que mistura música sertaneja com notícias locais, e o Balanço Geral, noticiário criminal da TV Record.

Segundo Tito Machado, professor de geografia na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, os programas de Bernal tinham pouca audiência nos “bairros de classe mais alta”, mas eram extremamente populares entre eleitores de menor renda. Arrastado por seu prestígio, Bernal venceu o prefeito Edson Giroto (PMDB) no segundo turno, com votação concentrada nos locais mais pobres da cidade.

Mas não são somente os comunicadores que têm esse tipo de apelo personalista. Iris Rezende (PMDB), ativo na política goiana desde 1949, é muito mais popular entre eleitores de menor renda que entre os mais ricos, embora goze de popularidade alta entre estes também.

Conhecido como “tocador de obras” e pelos “mutirões” organizados durante seus governos, Iris recebeu 82% dos votos válidos dos locais 20% mais pobres de Goiânia em 2008. Em 2012, seu aliado Paulo Garcia (PT) não teve tanto apoio entre os eleitores de menor renda, e obteve uma votação mais uniforme entre as faixas de renda. De volta ao pleito em 2016, Iris teve, novamente, desempenho alto entre a população com menos poder aquisitivo.

Entretanto, o apelo de figuras personalistas não está restrito aos eleitores de menor renda. Quando concorreram na cabeça de chapa à prefeitura de Florianópolis, Esperidião e Ângela Amin (PP) conseguiram apoio consideravelmente maior entre os mais ricos. Já na corrida de 2012, entre César Souza Júnior (PSD) e Gean Loureiro (PMDB), o voto de classe foi bem menos pronunciado.

Petismo e antipetismo

A associação entre o antipetismo e eleitores de renda mais alta levou muitos a esperar que a presença de candidatos do PT influenciassem o voto de classe nas eleições municipais. No entanto, não é o que indicam os casos estudados pelo Pindograma.

Em Vitória, a disputa entre João Coser (PT) e Luciano Rezende (PPS) em 2008 foi, de fato, bastante divisiva. Mas a corrida entre Rezende e Amaro Neto (SD) em 2016 teve uma clivagem de classe ainda maior, embora o PT não tenha apoiado nenhum dos dois candidatos.

Um padrão semelhante ocorreu em Manaus. A corrida de 2012, na qual Vanessa Grazziotin (PCdoB) teve apoio explícito da presidente Dilma na disputa contra Arthur Virgílio (PSDB), teve uma clivagem de classe semelhante à das corridas de 2008 e 2016, nas quais o PT ficou neutro.

Mesmo onde o PT teve destaque nas últimas três eleições para prefeito, as dinâmicas de classe variaram com o pleito. Em 2008, Raimundo Angelim (PT) foi eleito prefeito de Rio Branco no primeiro turno, contra Sérgio Petecão (PMN) e Tião Bocalom (PSDB). Angelim foi, à época, mais popular nos locais mais ricos que nas áreas de menor renda. Já em 2016, durante o auge da onda antipetista, Marcus Alexandre (PT) venceu Eliane Sinhasique (PMDB) na capital acreana, com apoio bem distribuído por todas as faixas de renda.

Para Luiz Domingos, pesquisador da Universidade Federal do Paraná, é fraca a hipótese de que “o sistema partidário estaria enraizado nos municípios conforme as classes”. Para ele, isso “depende da força do PT na região; na identidade que a população desenvolveu com relação ao partido historicamente”. Na maior parte das capitais brasileiras, essa identidade não parece ter se desenvolvido na política local.

A cidade sem voto de classe

Na maioria das grandes cidades brasileiras, o voto de classe teve uma influência importante sobre o comportamento eleitoral em pelo menos uma eleição. Mas há algumas exceções à regra, da qual São Luís (MA) é o maior exemplo.

A capital maranhense é uma cidade muito dividida eleitoralmente – em 2012, alguns locais de votação deram mais de 70% do voto ao vencedor Edivaldo Holanda Jr. (PTC), enquanto outros deram menos de 30%. Porém, a renda tem pouca influência sobre essa diferença.

Para Arinaldo Martins, professor de sociologia da Universidade Federal do Maranhão, “a elite [de São Luís] é diferente. A classe média alta é formada de trabalhadores liberais como advogados e psicólogos, além de muitos servidores públicos. Eu tenho a impressão que a nossa classe alta é diferente da de outras cidades com mais negócios e indústria e bem mais de esquerda [que a de outros lugares]”.

Segundo Arinaldo, isso leva a uma disputa na qual grupos políticos rivais disputam eleitores entre segmentos sociais diferentes. Nem a família Sarney, nem o PCdoB de Flávio Dino, nem o PDT maranhense – grupo que domina São Luís desde a redemocratização – têm uma base colada a um estrato socioeconômico específico.

É possível que uma dinâmica parecida diminua a incidência do voto de classe em outras cidades — particularmente no Nordeste, onde o voto de classe é menos comum.


ERRAMOS: A primeira versão do texto usou a palavra "polarização" para se referir à diferença entre o comportamento dos eleitores de maior e menor renda. Este termo, no entanto, é mais associado a diferenças entre os atores políticos do que a diferenças no comportamento dos eleitores. Para evitar ambiguidade, o termo foi removido do texto.

Dados usados na matéria: Resultados de Eleições (Tribunal Superior Eleitoral/Cepespdata); Locais de Votação (Pindograma); Renda Mediana por Município (Censo 2010/IBGE); Coeficiente Gini por Município (Censo 2010/IBGE/Datasus); Estimativa de População por Município (IBGE).

Contribuiu com a reportagem: Francisco Ricci.

Para reproduzir os números da matéria, o código pode ser encontrado aqui.

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Daniel Ferreira é editor do Pindograma.

Francisco Ricci é fundador e repórter do Pindograma.

Voto de classe é a regra nas maiores cidades brasileiras

Em cidades maiores e mais desiguais, renda pesa mais no voto; Petismo tem pouca influência sobre o voto de classe

POR DANIEL FERREIRA E FRANCISCO RICCI

15/11/2020

Nenhuma eleição municipal nos últimos 12 anos dividiu tanto os eleitores de alta e baixa renda quanto a de Vitória (ES) em 2016. Entre os 17 locais de votação mais ricos da cidade, o então prefeito Luciano Rezende (PPS) levou, em média, 75% dos votos válidos no segundo turno. Já nos 17 locais de menor renda, o apresentador de tevê Amaro Neto (SD) – uma espécie de Datena capixaba – conquistou, em média, 72% dos eleitores.

O caso de Vitória é emblemático de um fenômeno maior no Brasil: o voto de classe nas eleições municipais. Através de um levantamento inédito, o Pindograma descobriu que a renda tem influência sobre o voto na maioria das grandes cidades brasileiras — as com mais de 200.000 habitantes.

Para cada eleição municipal realizada nas 154 grandes cidades entre 2008 e 2016, dividimos a cidade em dois grupos: os locais 20% mais ricos e os 20% mais pobres, de acordo com a renda média per capita. Para cada um desses grupos, calculamos a média dos votos válidos no candidato vencedor da eleição. Então, calculamos a diferença entre como os dois grupos votaram.

A intensidade do voto de classe varia muito de cidade a cidade. Em São Paulo, essa diferença ficou entre 29 e 44 pontos percentuais nas últimas três eleições municipais. Já no Recife, ela não passou de 11 pontos percentuais em 2008, 2012 e 2016. Somente 16 das 154 cidades com mais de 200.000 habitantes mantiveram uma diferença abaixo de 5 pontos percentuais nas três eleições municipais desde 2008. Entre elas, São Luís (MA) era a única capital.

Ao contrário do que ocorre em outras eleições brasileiras, a presença do PT nos pleitos municipais raramente teve efeito sobre o voto de classe. Geralmente, são políticos mais personalistas – como Ratinho Jr. em Curitiba – que têm bases eleitorais coladas a grupos socioeconômicos particulares.

Além disso, as cidades com maior clivagem entre eleitores de alta e baixa renda geralmente são maiores e têm desigualdade econômica mais elevada. A despeito desses fatores, a associação entre renda e voto é menor no Nordeste.

O voto de classe nas capitais brasileiras

Os gráficos abaixo – onde cada ponto representa um local de votação – permitem visualizar a escala do voto de classe em algumas capitais. Quanto mais plana a curva, mais parecido é o comportamento eleitoral entre as faixas de renda, e quanto mais acentuada a curva, maior a clivagem entre as classes.

As áreas de menor renda de São Paulo deram, em média, mais que o dobro de votos ao PT que as áreas mais ricas – em parte pelo legado das gestões petistas de Luiza Erundina e Marta Suplicy; em parte pelo apelo de Lula junto ao eleitorado de menor renda. Mesmo assim, a renda não é o único fator relevante nas eleições paulistanas: como mostram os gráficos, cada faixa de renda tem uma diversidade interna enorme em seus padrões de voto.

Em Belém, o quadro é parecido. Em 2008, José Priante (PMDB) teve apoio de Lula no segundo turno e conseguiu um desempenho médio melhor entre eleitores de menor renda, embora muitos desses eleitores também tenham apoiado seu oponente, Duciomar Costa (PTB). Desde 2012, o quadro se repete na disputa entre Zenaldo Coutinho (PSDB) e o ex-prefeito pelo PT Edmilson Rodrigues, hoje no PSOL. Edmilson contou, nas últimas duas eleições, com o apoio de Lula, Dilma e dos que se viram beneficiados por sua gestão enquanto prefeito — em sua maior parte, eleitores de menor renda.

Já no Rio, o voto de classe foi determinado por outras dinâmicas. Tanto Eduardo Paes (então no PMDB) quanto o então pastor da Igreja Universal Marcelo Crivella (PRB) tinham prestígio popular na Zona Oeste da cidade — o primeiro por ter sido subprefeito na região e o segundo por conta do alto índice de evangélicos na área. Isso lhes garantiu, em média, um apoio maior entre eleitores de menor renda, embora o comportamento eleitoral deles também seja heterogêneo.

Mas se São Paulo, Rio e Belém ainda tinham uma diferença eleitoral significativa dentro de cada faixa de renda, esse não foi o caso em Vitória. Na capital capixaba, em 2008 e 2016, os bairros de maior renda deram votação expressiva a Luciano Rezende, e os de menor renda, a seu oponente — quase sem exceção.

Desigualdade de renda e população

É certo que dinâmicas locais influenciam a escala do voto de classe nessas cidades. Mas ao analisar as 154 cidades com 200.000 habitantes ou mais, alguns padrões emergem. Segundo o levantamento do Pindograma, cidades onde a associação entre renda e voto é maior tendem a ter mais habitantes e mais desigualdade de renda — independente do ano da eleição, do estado onde se passa a corrida, da renda média do município ou de se algum candidato busca a reeleição.

É simples entender por que a desigualdade de renda, medida pelo índice de Gini, poderia aumentar a discrepância entre o voto de diferentes classes. Quanto maior a distância entre ricos e pobres, maior tenderia a ser a diferença de prioridades políticas entre ambos os grupos, levando a padrões de voto mais divergentes.

Por outro lado, é mais difícil identificar por que cidades mais populosas geralmente têm um voto de classe mais intenso. Segundo Guilherme Russo, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, “cidades maiores tendem a ter mais candidatos”, o que poderia, talvez, aumentar a divisão política nesses municípios e, com isso, a clivagem entre o voto de ricos e pobres. No entanto, ainda é pouco claro o que leva à associação entre população e o voto de classe.

A força do personalismo

Algo que foge a esses padrões são as eleições disputadas por certas figuras personalistas – aquelas marcadas mais por suas personalidades do que por sua ideologia ou programa político.

Em 2008 e 2016, Curitiba foi uma cidade eleitoralmente bem homogênea: houve pouca diferença entre como votaram os locais de maior e menor renda. Mas em 2012, Ratinho Jr. (PSC) – filho do apresentador de tevê Ratinho – teve muito mais apelo que Gustavo Fruet (PDT) entre os eleitores de menor renda.

Campo Grande apresentou um caso parecido: em 2012, o radialista Alcides Bernal (PP) se elegeu prefeito em uma corrida na qual renda foi determinante para o voto. Bernal apresentava o ‘Refazenda’, programa que mistura música sertaneja com notícias locais, e o Balanço Geral, noticiário criminal da TV Record.

Segundo Tito Machado, professor de geografia na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, os programas de Bernal tinham pouca audiência nos “bairros de classe mais alta”, mas eram extremamente populares entre eleitores de menor renda. Arrastado por seu prestígio, Bernal venceu o prefeito Edson Giroto (PMDB) no segundo turno, com votação concentrada nos locais mais pobres da cidade.

Mas não são somente os comunicadores que têm esse tipo de apelo personalista. Iris Rezende (PMDB), ativo na política goiana desde 1949, é muito mais popular entre eleitores de menor renda que entre os mais ricos, embora goze de popularidade alta entre estes também.

Conhecido como “tocador de obras” e pelos “mutirões” organizados durante seus governos, Iris recebeu 82% dos votos válidos dos locais 20% mais pobres de Goiânia em 2008. Em 2012, seu aliado Paulo Garcia (PT) não teve tanto apoio entre os eleitores de menor renda, e obteve uma votação mais uniforme entre as faixas de renda. De volta ao pleito em 2016, Iris teve, novamente, desempenho alto entre a população com menos poder aquisitivo.

Entretanto, o apelo de figuras personalistas não está restrito aos eleitores de menor renda. Quando concorreram na cabeça de chapa à prefeitura de Florianópolis, Esperidião e Ângela Amin (PP) conseguiram apoio consideravelmente maior entre os mais ricos. Já na corrida de 2012, entre César Souza Júnior (PSD) e Gean Loureiro (PMDB), o voto de classe foi bem menos pronunciado.

Petismo e antipetismo

A associação entre o antipetismo e eleitores de renda mais alta levou muitos a esperar que a presença de candidatos do PT influenciassem o voto de classe nas eleições municipais. No entanto, não é o que indicam os casos estudados pelo Pindograma.

Em Vitória, a disputa entre João Coser (PT) e Luciano Rezende (PPS) em 2008 foi, de fato, bastante divisiva. Mas a corrida entre Rezende e Amaro Neto (SD) em 2016 teve uma clivagem de classe ainda maior, embora o PT não tenha apoiado nenhum dos dois candidatos.

Um padrão semelhante ocorreu em Manaus. A corrida de 2012, na qual Vanessa Grazziotin (PCdoB) teve apoio explícito da presidente Dilma na disputa contra Arthur Virgílio (PSDB), teve uma clivagem de classe semelhante à das corridas de 2008 e 2016, nas quais o PT ficou neutro.

Mesmo onde o PT teve destaque nas últimas três eleições para prefeito, as dinâmicas de classe variaram com o pleito. Em 2008, Raimundo Angelim (PT) foi eleito prefeito de Rio Branco no primeiro turno, contra Sérgio Petecão (PMN) e Tião Bocalom (PSDB). Angelim foi, à época, mais popular nos locais mais ricos que nas áreas de menor renda. Já em 2016, durante o auge da onda antipetista, Marcus Alexandre (PT) venceu Eliane Sinhasique (PMDB) na capital acreana, com apoio bem distribuído por todas as faixas de renda.

Para Luiz Domingos, pesquisador da Universidade Federal do Paraná, é fraca a hipótese de que “o sistema partidário estaria enraizado nos municípios conforme as classes”. Para ele, isso “depende da força do PT na região; na identidade que a população desenvolveu com relação ao partido historicamente”. Na maior parte das capitais brasileiras, essa identidade não parece ter se desenvolvido na política local.

A cidade sem voto de classe

Na maioria das grandes cidades brasileiras, o voto de classe teve uma influência importante sobre o comportamento eleitoral em pelo menos uma eleição. Mas há algumas exceções à regra, da qual São Luís (MA) é o maior exemplo.

A capital maranhense é uma cidade muito dividida eleitoralmente – em 2012, alguns locais de votação deram mais de 70% do voto ao vencedor Edivaldo Holanda Jr. (PTC), enquanto outros deram menos de 30%. Porém, a renda tem pouca influência sobre essa diferença.

Para Arinaldo Martins, professor de sociologia da Universidade Federal do Maranhão, “a elite [de São Luís] é diferente. A classe média alta é formada de trabalhadores liberais como advogados e psicólogos, além de muitos servidores públicos. Eu tenho a impressão que a nossa classe alta é diferente da de outras cidades com mais negócios e indústria e bem mais de esquerda [que a de outros lugares]”.

Segundo Arinaldo, isso leva a uma disputa na qual grupos políticos rivais disputam eleitores entre segmentos sociais diferentes. Nem a família Sarney, nem o PCdoB de Flávio Dino, nem o PDT maranhense – grupo que domina São Luís desde a redemocratização – têm uma base colada a um estrato socioeconômico específico.

É possível que uma dinâmica parecida diminua a incidência do voto de classe em outras cidades — particularmente no Nordeste, onde o voto de classe é menos comum.


ERRAMOS: A primeira versão do texto usou a palavra "polarização" para se referir à diferença entre o comportamento dos eleitores de maior e menor renda. Este termo, no entanto, é mais associado a diferenças entre os atores políticos do que a diferenças no comportamento dos eleitores. Para evitar ambiguidade, o termo foi removido do texto.

Dados usados na matéria: Resultados de Eleições (Tribunal Superior Eleitoral/Cepespdata); Locais de Votação (Pindograma); Renda Mediana por Município (Censo 2010/IBGE); Coeficiente Gini por Município (Censo 2010/IBGE/Datasus); Estimativa de População por Município (IBGE).

Contribuiu com a reportagem: Francisco Ricci.

Para reproduzir os números da matéria, o código pode ser encontrado aqui.

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Daniel Ferreira

é editor do Pindograma.

Francisco Ricci

é fundador e repórter do Pindograma.

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