Abstenção cresce em 2020, mas é mais baixa que o número oficial


Levando em conta distorções no cadastro eleitoral, abstenção é de aproximadamente 20%
POR PEDRO SIEMSEN • 17/11/2020

No primeiro turno das eleições de 2020, o número de eleitores que faltaram às urnas chamou a atenção da mídia e de comentaristas políticos. A abstenção noticiada foi de 23,1% — um aumento de 2,81 pontos percentuais em relação à última eleição.

O Pindograma investigou esses dados mais a fundo, e segundo nosso levantamento, a abstenção aumentou, de fato, em 2020. No entanto, a fração real de eleitores que faltaram às urnas provavelmente foi mais baixa que a anunciada pelo TSE: ela está mais próxima de 20%.

Os erros do cadastro eleitoral

Há vários fatores que podem ter determinado a abstenção em 2020, que vão do medo de infecção pelo coronavírus às falhas no aplicativo e-Título. Porém, há outra causa para o alto número de eleitores faltantes no Brasil: a desatualização do cadastro eleitoral do TSE. À medida que pessoas morrem, elas não deveriam mais contar como eleitores registrados. No entanto, o TSE tem dificuldade em retirar os mortos do cadastro, dado o atraso das notificações de falecimento expedidas por cartórios.

Por isso, sobram muitos eleitores falecidos nos cadastros do TSE, que inflam o número total de eleitores. Em 2010, por exemplo, o TSE contabilizava mais eleitores entre 18 e 69 anos que o Censo Demográfico. Dado que a abstenção é calculada com base no eleitorado registrado pelo TSE, isso leva a uma taxa de abstenção artificialmente alta.

Esse problema vem sendo corrigido com a introdução da biometria. Ao forçar todos os eleitores de 2.926 municípios brasileiros a se recadastrarem nos últimos anos, o TSE excluiu muitos eleitores mortos do cadastro, corrigindo a distorção na taxa de abstenção dessas localidades. Isso fica evidente quando comparamos as taxas de abstenção nas cidades com e sem biometria:

A abstenção real em 2020

Isso não quer dizer que os índices de abstenção no Brasil se devam somente a problemas cadastrais. Entre 2016 e 2020, a abstenção nas eleições brasileiras aumentou tanto nos municípios onde houve o recadastramento quanto nas cidades que não passaram pelo processo:

O aumento da abstenção é significativo: o número de eleitores que não votaram aumentou entre 2,2 e 3,8 pontos percentuais entre 2018 e 2020, independentemente de um cadastro eleitoral atualizado. Mesmo nos municípios com recadastramento muito recente — onde seria esperado que a abstenção diminuísse por causa da “limpa” de eleitores falecidos — a abstenção cresceu. Nas cidades vizinhas de Cuiabá e Várzea Grande (MT), os dois maiores municípios que passaram pelo recadastramento depois do pleito de 2018, a abstenção cresceu de 20% em 2018 para 22% em 2020.

A despeito desse aumento, a taxa de abstenção oficial de 23,4% pelo país parece exagerada. Nas cidades que passaram pelo recadastramento — onde o eleitorado registrado é mais próximo da população real — a abstenção é de 20%. É bem provável que a taxa real de abstenção pelo país esteja mais próxima desse número que das cifras amplamente divulgadas pela mídia e pelo TSE.

Em resumo, a abstenção teve um aumento significativo entre 2018 e 2020, mas a proporção de eleitores que faltaram às urnas não é tão alta quanto vem sendo noticiada. É possível que boa parte dos eleitores que são contabilizados como ausentes ainda sejam pessoas mortas que ainda constam nos cadastros eleitorais. Como sempre, é necessário cautela antes de aceitar os dados de órgãos públicos sem pensar duas vezes.


Dados utilizados na matéria: Estatísticas do Eleitorado (Tribunal Superior Eleitoral); Resultados de Eleições (Tribunal Superior Eleitoral/Cepespdata); Dados de Recadastramento Biométrico (Tribunal Superior Eleitoral).

Contribuiu com dados: Daniel Ferreira.

Créditos da imagem: Valter Campanato/Agência Brasil; Nelson Júnior/SCO/STF.

Para reproduzir os números citados, os dados e o código podem ser encontrados aqui.

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Pedro Siemsen é repórter do Pindograma.

Abstenção cresce em 2020, mas é mais baixa que o número oficial

Levando em conta distorções no cadastro eleitoral, abstenção é de aproximadamente 20%

POR PEDRO SIEMSEN

17/11/2020

No primeiro turno das eleições de 2020, o número de eleitores que faltaram às urnas chamou a atenção da mídia e de comentaristas políticos. A abstenção noticiada foi de 23,1% — um aumento de 2,81 pontos percentuais em relação à última eleição.

O Pindograma investigou esses dados mais a fundo, e segundo nosso levantamento, a abstenção aumentou, de fato, em 2020. No entanto, a fração real de eleitores que faltaram às urnas provavelmente foi mais baixa que a anunciada pelo TSE: ela está mais próxima de 20%.

Os erros do cadastro eleitoral

Há vários fatores que podem ter determinado a abstenção em 2020, que vão do medo de infecção pelo coronavírus às falhas no aplicativo e-Título. Porém, há outra causa para o alto número de eleitores faltantes no Brasil: a desatualização do cadastro eleitoral do TSE. À medida que pessoas morrem, elas não deveriam mais contar como eleitores registrados. No entanto, o TSE tem dificuldade em retirar os mortos do cadastro, dado o atraso das notificações de falecimento expedidas por cartórios.

Por isso, sobram muitos eleitores falecidos nos cadastros do TSE, que inflam o número total de eleitores. Em 2010, por exemplo, o TSE contabilizava mais eleitores entre 18 e 69 anos que o Censo Demográfico. Dado que a abstenção é calculada com base no eleitorado registrado pelo TSE, isso leva a uma taxa de abstenção artificialmente alta.

Esse problema vem sendo corrigido com a introdução da biometria. Ao forçar todos os eleitores de 2.926 municípios brasileiros a se recadastrarem nos últimos anos, o TSE excluiu muitos eleitores mortos do cadastro, corrigindo a distorção na taxa de abstenção dessas localidades. Isso fica evidente quando comparamos as taxas de abstenção nas cidades com e sem biometria:

A abstenção real em 2020

Isso não quer dizer que os índices de abstenção no Brasil se devam somente a problemas cadastrais. Entre 2016 e 2020, a abstenção nas eleições brasileiras aumentou tanto nos municípios onde houve o recadastramento quanto nas cidades que não passaram pelo processo:

O aumento da abstenção é significativo: o número de eleitores que não votaram aumentou entre 2,2 e 3,8 pontos percentuais entre 2018 e 2020, independentemente de um cadastro eleitoral atualizado. Mesmo nos municípios com recadastramento muito recente — onde seria esperado que a abstenção diminuísse por causa da “limpa” de eleitores falecidos — a abstenção cresceu. Nas cidades vizinhas de Cuiabá e Várzea Grande (MT), os dois maiores municípios que passaram pelo recadastramento depois do pleito de 2018, a abstenção cresceu de 20% em 2018 para 22% em 2020.

A despeito desse aumento, a taxa de abstenção oficial de 23,4% pelo país parece exagerada. Nas cidades que passaram pelo recadastramento — onde o eleitorado registrado é mais próximo da população real — a abstenção é de 20%. É bem provável que a taxa real de abstenção pelo país esteja mais próxima desse número que das cifras amplamente divulgadas pela mídia e pelo TSE.

Em resumo, a abstenção teve um aumento significativo entre 2018 e 2020, mas a proporção de eleitores que faltaram às urnas não é tão alta quanto vem sendo noticiada. É possível que boa parte dos eleitores que são contabilizados como ausentes ainda sejam pessoas mortas que ainda constam nos cadastros eleitorais. Como sempre, é necessário cautela antes de aceitar os dados de órgãos públicos sem pensar duas vezes.


Dados utilizados na matéria: Estatísticas do Eleitorado (Tribunal Superior Eleitoral); Resultados de Eleições (Tribunal Superior Eleitoral/Cepespdata); Dados de Recadastramento Biométrico (Tribunal Superior Eleitoral).

Contribuiu com dados: Daniel Ferreira.

Créditos da imagem: Valter Campanato/Agência Brasil; Nelson Júnior/SCO/STF.

Para reproduzir os números citados, os dados e o código podem ser encontrados aqui.

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Pedro Siemsen

é repórter do Pindograma.

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