O Fim do Fim da História: uma entrevista com Alex Hochuli


Escritor discute uma nova fase na política mundial e como o Ocidente vem imitando os piores traços do Brasil
POR PEDRO SIEMSEN • 05/09/2022

Alex Hochuli é analista político, escritor e co-apresentador do podcast de política global Bungacast. Estudou Relações Internacionais pela London School of Economics e fez mestrado na mesma disciplina pela King’s College London. Também é mestre em Sociologia pela University of Kent.

Ano passado, Alex publicou o livro The End of the End of History (O Fim do Fim da História, em português). A ideia central do livro é que a política mundial está entrando em um período no qual contestações políticas estão ressurgindo, algo que não ocorria desde o fim da União Soviética. Após anos de consenso político, argumenta Alex, diferentes projetos políticos estão novamente entrando em conflito, nos trazendo de volta à História com H maiúsculo.

O Pindograma conversou com Alex sobre as ideias do seu livro e como elas se encaixam no contexto brasileiro. Também discutimos o seu ensaio “A Brasilianização do Mundo”, onde ele argumenta que o mundo, à medida que se torna mais desigual e adquire problemas estruturais, está se tornando cada vez mais parecido com o Brasil. Passamos também por uma discussão sobre o papel do jornalismo de dados nesse novo contexto.


Pindograma: Você pode explicar o conceito por trás do seu podcast, o Bungacast e do livro que você e os outros dois apresentadores, George Hoare e Philip Cunliffe, publicaram recentemente, The End of the End of History? Como explicar o “Fim do Fim da História”, para um público brasileiro?

Alex: O jeito mais fácil e inteligível de explicar isso é por um viés biográfico. Eu conheço os outros dois apresentadores [do podcast] há muito tempo, há quinze anos. E a gente sempre reclamava de que não havia nada acontecendo politicamente. A gente estudava política, a gente praticava política, quando possível, mas na Inglaterra na década de 2000 não tinha porra nenhuma acontecendo.

A gente se frustrava com isso. Tentávamos visualizar como seria o futuro, mas não tinha nenhum aspecto na conjuntura daquele momento que apontava para algum propósito, [para algo] que pudesse fazer chacoalhar a sociedade para criar novas tendências, novas dinâmicas.

Mesmo a crise financeira de 2008 não deu a luz a nenhum novo movimento político. Teve a greve dos estudantes na Inglaterra em 2010-2011, mas isso também não levou a nada substancial. Apenas com a Primavera Árabe que começamos a pensar: “Quem sabe? Talvez alguma coisa comece a acontecer”. Mesmo assim, era um fenômeno na periferia, ou semiperiferia mundial. A política não chegado no centro do poder mundial.

Foi realmente a eleição do Trump e o Brexit que fizeram com que a gente se desse conta que uma profunda mudança estava acontecendo, que todas essas erupções ditas populistas que tinham acontecido na Europa e nos Estados Unidos ao longo da década de 2010, haviam se cristalizado em um momento de importância histórica.

Foi um momento populista de verdade, com profundas consequências. No caso do Brexit, foi um passo relevante para o início da desglobalização, e mais do que isso, porque foi mais do que uma mudança de política econômica, foi uma mudança sociopolítica, foi uma forma da rejeição da pós-política [que era feita] em nome da democracia.

O que eu quero dizer por pós-política é o seguinte: uma forma, uma estratégia de prevenir que a política aconteça. A pós-política não é apenas algo como uma democracia parlamentar, que é uma forma de limitar as extremidades políticas e canalizar os desejos políticos de uma forma mais restrita. Ela é um conceito diferente. Depois da derrota histórica da classe trabalhadora, que aconteceu ao longo da década de 1980, a pós-política entra em jogo como uma forma de prevenir que política acontecesse, [para] que não houvesse nenhuma contestação séria às estruturas da época. O que resta são formas subculturais e subpolíticas, ou uma administração puramente técnica como maneira de administrar o status quo.


Pindograma: Então é aqui onde entra toda aquela questão de que vocês sempre falam, do Francis Fukuyama. Ele descreve o “fim da História”, quando a sociedade deixa de ter um universo utópico para atingir e, com isso, a contestação política acaba se tornando algo banal, insignificante. As discussões viram algo do tipo: “Essa é a solução que faz mais sentido de acordo com os nossos técnicos, nossos tecnocratas. Então você, classe trabalhadora, vai ter que aceitar isso”.

Alex: Sim, é até engraçado você falar classe trabalhadora, pois nesse período não se fazia mais referência à classe trabalhadora, a nenhuma classe. Era você-indivíduo, como consumidor, talvez família ou chefe de família. Os interesses materiais eram as coisas mais imediatas, como consumidor e não como cidadão muito menos como proletariado, ou classes sociais com interesses contrários uns ao aos outros.

A gente fala muitas vezes no podcast que o período do fim da história é um período em que interesses não se manifestam. O único jeito de debater política se baseia na ideia de consenso, que todo mundo está de acordo com os fins da política, os fins da sociedade, afinal todos nós queremos as mesmas coisas. Então as questões são levadas aos debates técnicos, de como chegar a esse fim, sobre o qual todos nós concordamos.

Eu comecei falando de um lado biográfico e aí parti para o conceito de pós-política, mas voltando à biografia agora. Em 2017, quando nós nos deparamos com esses eventos históricos, a gente começou o podcast com [a consciência] explícita, já naquele momento, de que esses eventos representavam de alguma forma o Fim do Fim da História. Ou também o começo do fim do neoliberalismo, e de todas as formas políticas de manter e administrar essa sociedade que já existia há trinta anos.

E o que significa o Fim do Fim da História? Eu acho que podemos descrever essa transformação seguindo alguns aspectos determinados dessa conjuntura. O primeiro é a pós-política que a gente já discutiu e, a essa altura, já foi derrotada como forma de administrar a sociedade. Nossas sociedades estão muito mais conturbadas do que há dez, vinte anos atrás. A política do consenso não tem mais fundamento.

O segundo: podemos dizer que o neoliberalismo já perdeu toda a sua autoridade intelectual, apesar de ele continuar politicamente [dominante]. Ele continua porque é difícil para os Estados mudarem seus ethos, mas principalmente porque é complicado estruturar a política de forma diferente, sem que haja um movimento social significativo que desafie e derrote a ordem política vigente. Então ela continua, vira um neoliberalismo zumbi, apenas por falta de alternativas, porque intelectualmente as ideias principais do neoliberalismo - como a meritocracia, ou a dinâmica automatizada do mercado que resolveria tudo, não [convencem] mais. Agora, as referências são populistas, apelando à proteção do povo, à proteção contra os excessos da globalização.

Isso nos leva ao terceiro aspecto que é o enfraquecimento da globalização, dada a formação de novos blocos geopolíticos, com um centrado na China e outro nos Estados Unidos. Esse novo contexto leva a certos recuos da globalização. Talvez não sejam recuos tão importantes quanto alguns acham, mas a ideia de uma expansão interminável da globalização, com aumento imparável de comércio internacional, chegou ao fim.

O quarto aspecto é [a retração do que chamo de] realismo capitalista: o termo usado pelo Mark Fisher para descrever não apenas a ideia de que não há alternativa [ao capitalismo], mas uma sociedade em que nem se possa mais pensar em uma alternativa. Ou, nas palavras do Frederic Jameson, onde “é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo”.

No lugar desse realismo capitalista, temos o que eu chamaria de presentismo utópico. Ou seja, temos em pauta várias ideias, várias reivindicações grandiloquentes mas que, ao mesmo tempo, não se consegue imaginar uma ruptura com instituições políticas do presente. Não estamos nem falando de coisas como a derrota do capitalismo, a transição do socialismo, nada disso. Então é uma figura paradoxal, contraditória, que tem reivindicações utópicas, mas que ao mesmo tempo é presentista, no sentido de estar preso nas conjunturas atuais sem conseguir imaginar uma ruptura significativa.


Pindograma: Eu queria que você desse um panorama do livro que vocês escreveram. O podcast está com cinco anos agora e o livro foi publicado em 2021, já levando em conta a pandemia e todo o seu contexto político. Qual é o panorama geral do que você fala no livro? Como ele se relaciona ao Bungacast?

Alex: O livro foi uma tentativa de resumir todas as conversas que tivemos no podcast nesse período. Primeiro, [quisemos] voltar ao Fukuyama de uma forma séria e ter um engajamento mais aprofundado com a ideia que ele propôs [o “fim da história”], justamente pelo motivo de que muitas pessoas leram mal o Fukuyama. Ele foi mal compreendido, ele não estava dizendo que nunca mais haveria nenhum evento ou conturbação, que a democracia liberal seria a forma final de governo das da sociedades humanas. Muitas pessoas assumem isso, o que é errado.

Em segundo lugar, nós quisemos desenvolver a ideia principal da relação entre a pós-política e a antipolítica. Nós colocamos no livro que a antipolítica é uma forma de contestar a pós-política, por ser uma rejeição total do establishment, porém sem ter uma outra bandeira nova atrás da qual um movimento pode se mobilizar.

No livro usamos o exemplo do Brasil, que é um exemplo perfeito dessa contestação entre a pós-política e anti-política. Podemos pegar uma figura agora já meio irrelevante, o João Doria, que representou a pós-política quando se candidatou para prefeito de São Paulo [se apresentando como] um gestor e não-político. Depois teve a transição para o Bolsodoria em 2018, que era [também] puramente antipolítica. Outro exemplo são as manifestações 2015-2016 contra o PT, que, apesar de serem de direita, também foram antipolíticas.

Portanto, houve um momento muito importante de antipolítica no país, que agora pode-se dizer que já foi ultrapassado, pois muitas pautas políticas agora não são mais antipolíticas: muito pelo contrário, agora há uma vontade por gestão adequada, pelo menos, da crise e não se fala mais de “corrupto”, da corrupção por exemplo.

A gente termina o livro tentando traçar as tendências descritas no livro e projetá-las no futuro. Identificamos, por exemplo, como a esquerda populista associada com o ex-líder do Partido Trabalhista no Reino Unido, Jeremy Corbyn, e o Bernie Sanders nos Estados Unidos “involuiu” no final de 2019. Essa involução levou a uma esquerda puramente moralista e parasítica ao neoliberalismo. A esquerda contemporânea como bloco político acaba sendo a última defensora do neoliberalismo, enquanto partidos de direita já adotaram uma certa forma de populismo, incorporando uma ideia de dirigismo de Estado, entre outras, enquanto a esquerda acaba sendo a casa dos últimos neoliberais, se atendo às mesmas ideias de sempre.

Segundo alguns pensadores, a esquerda estava por trás do neoliberalismo no início também, quando certas vontades e formas políticas individualistas, fruto dos movimentos de 1968 pra frente, foram recuperados e digeridos pelo sistema para criar o neoliberalismo. Então, é uma certa ironia que a esquerda se encontra bem lá no momento de nascimento do neoliberalismo e escolhe se agarrar aos seus restos, sobrevivendo no final do neoliberalismo também.


Pindograma: Eu queria entrar um pouco na questão do Brasil e aproveitar aquele seu texto “A brasilianização do mundo”. É um texto fascinante que acaba não sendo tão discutido no Brasil. Ele chega meio que por osmose, algumas pessoas às vezes falam disso no Twitter, mas você não vê muita atenção. Você pode dar um panorama desse texto e como o Brasil se encaixa no Fim do Fim da História?

Alex: O Brasil se encaixa de uma forma que pode parecer um pouco desorientante no Fim do Fim da História, porque a linha de tempo que ele segue não está totalmente sincronizada com a linha de tempo que a gente descreve no caso do Reino Unido e dos Estados Unidos. O momento claramente chave no [caso desses países] é a crise de 2008, uma crise econômica. [Diferente da] experiência do “ocidente político”, onde as consequências políticas da crise econômica de 2008 demoraram muito para se manifestar, no Brasil elas [aconteceram antes], em junho de 2013, antecedendo a crise econômica [brasileira], que começou em 2014.

Eu acho que o importante é que esse movimento do fim da história para o Fim do Fim da História é uma tendência universal mundial com manifestações particulares em cada país. Isso é um ótimo gancho para falar do texto da Brasilianização do Mundo, porque há um caráter particular da elite brasileira: ela é a pior elite do mundo. Eu vou defender essa ideia, outros podem falar que talvez a elite indiana é pior, mas enfim, a elite daqui está no top três, pelo menos.

Agora, o que tem mudado com o Fim do Fim da História no Brasil? A ausência de movimentos contestatórios e o fim de um movimento modernizante, mesmo que seja burguês, como o liderado por Vargas. [No século XX] a sociedade brasileira dizia: “Ah, o presente é uma merda, o passado não nos importa, vamos destruir o passado e construir um prédio novo em cima, construir uma nova capital no interior e deixar o Rio de Janeiro apodrecer”. Tinha uma dinâmica que alimentava a sociedade; era uma sociedade que acreditava no seu próprio futuro, muitas vezes frustrado, mas possuía uma crença. Agora, com a ausência de um movimento modernizante, o que acontece quando não se tem mais futuro? Temos uma sociedade parada no presente, que não se importa com o passado e também não tem visão do futuro.

Podemos trazer como contraponto um país como a Itália, que é uma sociedade que virou museu. Não tem futuro, a população está envelhecendo, pessoas jovens emigram para outros países, Alemanha, Inglaterra, etc. Enfrentam o futuro apenas com medo. Então isso se vê nas atitudes xenofóbicas contra imigrantes, porque para uma sociedade sem futuro, ver mais pessoas chegando representa uma ameaça ao presente. Mas tem um passado, um passado glorioso de 1000 e tantos anos, um passado bonito para preservar. O Brasil não tem isso, nunca teve isso — o que é visível no espaço público, por exemplo, que é completamente abandonado. É uma sociedade parada no presente. Nesse ponto temos um encontro entre o Brasil e o resto do mundo.

A ideia de brasilianização é mais profunda e não sou eu quem a inventou. Existem várias referências em textos, começando na década de 1990, como cientista político norte-americano Michael Lind, o sociólogo alemão Ulrich Beck também tratou dessa ideia também, de uma forma mais positiva, identificando no Brasil uma certa atitude de flexibilidade e abertura, mudança — que no ápice do pós-modernismo, quando ele escrevia — parecia uma atitude positiva. Ele viu isso como uma forma de subjetividade adequada a ao mundo pós-moderno, em que nada era estável.

Mas quem realmente desenvolveu essa ideia foi o Paulo Arantes, filósofo da USP. E meu texto foi uma tentativa de atualizar as ideias do Paulo Arantes. Não sei quanto eu acrescentei, mas eu pelo menos trouxe essa ideia para um público anglófono. E, para dar um resuminho, é a ideia de que o Brasil sempre foi uma sociedade de pura exploração, desde o colonialismo, pois foi uma sociedade criada do zero a partir daquele momento.

Essa sociedade de pura exploração, sem nexo social é uma coisa que é a realidade agora no mundo inteiro e com certeza nos países do centro político ocidental, porque se tornaram sociedades totalmente pós-tradicionais. (No Brasil ainda temos restos tradicionais, dá pra se falar de patriarcado com alguma base no Brasil, enquanto no Reino Unido não tem nem um patriarcado. Existe sexismo, mas não é uma sociedade patriarcal.)

Então, nessas sociedades totalmente pós-tradicionais, pós-modernas, ou parte do que alguns descrevem como “segundo modernismo”, não há oposição ao capitalismo e o capitalismo domina e engole todas as áreas da sociedade que existiam fora do mercado antigamente. Um exemplo dessa “subsunção”, que é o termo marxista para descrever essas evoluções, é que até relações íntimas se “comodificam” [se tornam mercadoria] nesse contexto.


Pindograma: Você fala que quando você teve o “fim da história” nos anos 90, a crença dominante era que, por meio das novas políticas do consenso, todos os países iriam elevar-se para ficar no padrão do centro ocidental, ou seja, tornando-se desenvolvidos, entrando na OCDE… Só que o texto sugere que na verdade é o contrário, que é o centro se rebaixando, se “subdesenvolvendo” e ficando igual ao Brasil de certa maneira. Todo mundo se precariza, aumenta a desigualdade, o trabalho vira uma coisa completamente informal e assim por diante.

Alex: Sim, o Brasil já era pós-moderno de certa forma, avant-la-lettre. Então o meu texto e as ideias do Arantes são uma forma de problematizar essa ideia da teoria da modernização ainda continua, que consiste da ideia de que todas as sociedades seguem uma trajetória linear até o futuro para encontrar as sociedades mais modernizadas do centro.

O que a ideia da Brasilianização provoca, na verdade, é primeiro, que esses caminhos não são retos, e segundo, que a gente vai ao avesso e encontra o futuro ao avesso. Eu acho que o texto teve um certo sucesso no mundo anglófono justamente porque as pessoas identificam essa involução política, social, econômica, essa regressão que está tão visível agora no período de neoliberalismo decadente.

Como venho dizendo, é um período em que divisões sociais acrescentam mais desigualdades, precarização e com uma elite que também se isenta de realmente tentar transformar a sociedade, que no máximo se contenta com uma gestão do presente e no pior dos casos tenta fugir. Então a fuga de brasileiros ricos para Miami agora virou uma realidade dos ultra-ricos nos Estados Unidos também. Qualquer espírito republicano que existia, já não existe mais.

Eu acho isso interessante, porque a elite brasileira nunca se identificou realmente com o Brasil como uma sociedade, porque não queria ter nada a ver com o povão, enquanto o processo no Norte Global pelo qual a pressão de baixo, da classe trabalhadora organizada e de partidos e movimentos socialistas, acabou disciplinando as elites. Essa pressão de baixo nunca aconteceu realmente aqui, muito por falta de revolução e de conflitos profundamente transformadores, como as duas guerras mundiais — que foram conflitos muito importantes na derrota da elite tradicional na Europa principalmente. Chegando em 1945, posturas super elitistas já não eram mais viáveis politicamente. Mas no Brasil, as elites carecem de disciplina, para dizer o mínimo.


Pindograma: O Pindograma fez uma entrevista com o André Singer e uma coisa que discutimos foi como o eleitorado brasileiro sempre se segmenta em três grupos, mais ou menos. Você tem a esquerda, você tem um centro patrimonialista e uma direita autoritária. Historicamente, esse bloco da esquerda tende a estar em minoria politicamente e nunca tem os números suficientes para ser eleito. Então ele sempre tem que se aliar ao centro ou até mesmo à direita para chegar ao poder. Além disso, as pesquisas de opinião mostram que a sociedade brasileira é em geral mais conservadora, na medida em que quase todo mundo é contra aborto, contra relações homossexuais em público. Como você diria que a esquerda brasileira conseguiria construir um projeto político em cima desse quadro?

Alex: Primeiro, em relação a atitudes sociais, eu não acho que isso deveria representar um impedimento. O processo político, o processo de politização, de mobilização é um também um processo emancipatório, em que as atitudes mudam. Eu acho que a gente ainda é muito apegado a esse tipo de pesquisa de opinião. Alguém chega na sua casa e pergunta “O que você acha do aborto?” e você reflete de volta as atitudes predominantes da sociedade. Se fossem perguntas como, por exemplo, “Você praticaria o aborto?” ou “Você acredita na liberdade de cada um de fazer o que é necessário para [preservar] a sua saúde?”, a maioria das pessoas diria que sim.

Eu acho que, mais fundamentalmente, é necessário voltar às questões materiais imediatas e a esquerda brasileira não tem solução, não tem visão de desenvolvimento. Sempre cai na armadilha de ter a ressalva de que “não, precisa ser [desenvolvimento] sustentável” e aí vira uma questão ambientalista ou questão de preservação em vez de imaginar uma sociedade muito mais rica, com mais prosperidade.

A esquerda está presa nos ciclos eleitorais, principalmente no caso do PT, porque [o partido] virou uma corporação do Estado. O Singer fala melhor do que eu, mas ao se inserir no Estado, o partido vira parte do Estado, e passa a ir ao povo para buscar votos uma vez a cada quatro anos ou dois anos, em vez de tentar representá-lo. Não tem nenhum processo de responsabilização dos políticos, e não dá nem para pensar em uma transmissão ao contrário, de interesses e valores de baixo pra cima, em vez de cima para baixo, que é o normal.

Nesse contexto, a questão do aborto, por exemplo, vira uma questão polêmica porque você como político lá em cima do Estado está sempre tentando encontrar uma maioria pública, mas essa maioria vai sempre ser o status quo. Então a ideia de transformação nunca entra em pauta.

Os governos lulistas destruíram a base do próprio lulismo. A classe trabalhadora industrial, que foi de onde surgiu Lula, foi a base do PT. Ela foi destruída pelo próprio PT, porque o Brasil entrou em um processo de desindustrialização sob os governos petistas, que já tinha começado com o Plano Real, mas que foi acelerado durante os governos Lula e Dilma, que não fizeram nada para interromper esse processo. Isso fez com que o Brasil perdesse os meios de desenvolvimento, perdesse indústrias importantes que seriam alavancas importantes para se jogar no futuro — puramente capitalista, sem nem pensar em horizontes socialistas aqui — e para fundamentalmente se inserir em uma divisão de trabalho internacional com um patamar mais alto.

O que ocorreu foi o contrário: o Brasil regrediu, virou exportador de produtos primários, puramente. Essa é a autocrítica que eu gostaria de ver no PT. A questão da corrupção é pouco interessante, porque é puramente fruto da inserção do PT no Estado, se tornando um partido eleitoreiro em vez de um partido orgânico, enraizado na classe trabalhadora.


Pindograma: Você fala que, esse processo de se inserir no mercado global e se desindustrializar, cria uma classe média temporária, mas que de fato não tem nenhuma segurança tangível. Tanto é que, nos anos Lula, muita gente enriqueceu, muita gente teve uma melhora nas condições de vida, mas aí a gente vê hoje que não foi algo sustentável. É isso que você quer dizer?

Alex: Foi uma visão que dependia de uma conjuntura mundial do superboom das commodities, que não ia continuar para sempre. A inserção de uma faixa maior da população em uma sociedade consumidora já não é uma boa base para criação de um movimento popular socialista, porque é uma sociedade individualizada, cujo acesso ao espaço público é pelo consumo e não como cidadão. Então isso já é problemático.

Além disso, a contestação social e política não acontece mais dentro do trabalho porque, se seu trabalho é informal e precarizado, você perde seu poder de barganha. Então toda essa base pode evaporar muito facilmente. Por exemplo, mesmo políticas de transferência de renda, como o Bolsa Família, são coisas muito fáceis de tirar. Então, essa forma de desenvolvimento acaba sendo uma coisa que não tem substância, que evapora muito rapidamente uma vez que as condições mudam. Vão sempre ser os pobres que perdem, porque eles não têm nenhum poder, porque não foram de fato inseridos de uma maneira política.


Pindograma: No livro, você apresenta a ideia da Síndrome de Quebra da Ordem Neoliberal (NOBS, em inglês), que é uma incapacidade de compreender os fenômenos de mudança que estão ocorrendo no Fim do Fim da História, uma incapacidade de responder a eles e uma tentativa de recuperar as visões do Fim da História, quando isso claramente é impossível. Um exemplo engraçado que vocês mencionam no livro é que comentaristas de política ficarem usando Harry Potter para descrever as mudanças políticas, de maneira ridícula, sem de fato explicá-las. Outros exemplos incluem as tentativas de entender o mundo como se estivéssemos em 2008, quando isso claramente não é possível.

Dada a ascensão e popularização do jornalismo de dados nos últimos anos, você acha que esse tipo de jornalismo focado no quantitativo — jornalismo como o que o Pindograma faz, com agregador de pesquisas, analisando pesquisas de opinião — é uma forma de NOBS? Estamos falhando ao compreender os fenômenos políticos que vão acontecendo?

Alex: Não necessariamente. Eu pessoalmente sou fã desse jornalismo. Eu acho que um dos poucos avanços que houveram no jornalismo foi justamente a evolução na forma de apresentar dados de uma forma digerida. Pessoas foram alfabetizadas em dados por causa disso. Porém, sim, tem uma dependência do quantitativo que impede o pensamento crítico muitas vezes. Porque a gente entra com ferramentas pouco críticas, porque não há exame das categorias através das quais analisamos a sociedade.

Por exemplo, você vai e analisa quantos eleitores de categoria X, por exemplo, mulheres evangélicas, que tem na sociedade, mas isso presume muito do que é um eleitor evangélico. É de classe média alta ou é classe trabalhadora, pobre ou rica? Há muitas outras categorias, e tem toda uma presunção de como essa pessoa age, qual comportamento dessa categoria, ignorando que essas categorias podem se transformar. Então acaba sendo um recorte de uma sociedade muito estática e pode reificar as mesmas categorias.

Aí eu acho que entra o problema, de achar que simplesmente temos os fatos, mostrar os fatos já é o suficiente, sem que haja uma análise dos fatos e, mais importante ainda, uma visão mais crítica em relação a como esses fatos foram produzidos.

O NOBS também entra quando você escolhe se esconder atrás do “fato”. Porque, quando leitores não concordam com os fatos, não acreditam ou rejeitam os fatos apesar de serem “os fatos”, a reação dos jornalistas, dos defensores da ordem contemporânea, acaba sendo histérica. “Mas como você ignora os fatos, você é idiota?”, sem fazer perguntas mais críticas como: “O que levaria esse leitor a rejeitar esses fatos? Qual é a visão dela?”. Não se trata necessariamente de uma irracionalidade da pessoa que rejeita o fato que você traz, mas uma reação a fatos que não fazem sentido para aquela pessoa. Seus valores são diferentes.


Pindograma: Você pode dar um exemplo disso?

Alex: Podemos pegar um milhão de casos da pandemia. Por exemplo, a ideia de que máscaras são obrigatórias, necessárias. Houveram tantas mudanças em termos da comunicação em relação às máscaras que é normal que as pessoas duvidassem da importância de usá-las. A OMS falava que no começo que não precisava de máscara e mudaram para que precisasse e aí “tem que ser essa máscara aí nesse contexto”.

O caos ocorreu por causa dos rápidos avanços de estudos científicos sobre o assunto. Seja como for, muitos meios de comunicação mudaram suas opiniões de um momento para outro, de acordo com os estudos, porém sem fazer referências a essa mudança. Virou: “antes era A, agora é B e a gente esquece que a gente falou que era A dois meses atrás”.

Como os meios de comunicação exigiram muito de seus leitores e as mudanças de opinião não foram demarcadas, as pessoas duvidaram se esses fatos eram fatos e começaram a achar que essa ciência supostamente independente, imparcial, objetiva não foi nada disso, que era puramente política, politizada. E isso piora, porque a mídia, tendo poucos recursos e tendo que atrair muitos cliques, acaba se atrelando à narrativa que vem do Estado ou das autoridades. Foi exatamente isso que ocorreu durante a pandemia — com Brasil é um caso um pouquinho diferente, estou pensando mais no caso dos Estados Unidos.

Então no final das contas eu acho que falta uma posição crítica em relação ao Estado, mesmo quando se trata de questões de saúde. Há questões aí que nunca foram perguntadas: A saúde de quem? Eu não posso ir pro hospital para tratar meu câncer por causa dos casos de Covid? Qual é o mais importante? É uma questão política, que não se resolve nos dados. Essa discussão não foi proporcionada pela mídia. Muito pelo contrário: muitas vezes a mídia tentou evitar tratar das questões. Isso fez com que as pessoas acreditassem menos na narrativa.


Pindograma: Então a sua visão para um jornalismo, seja ele de dados ou não, nesse Fim do Fim da História é de fato assumir a politização?

Alex: É. Sem perder a objetividade como um objetivo. Uma mídia que assume a sua orientação política e bate no peito, mas que sempre busca a objetividade, sem fugir dela. Já começamos a ver agora que a teoria pós-moderna teve efeito. Vemos as consequências, a ideia de “Ah não há verdade objetiva, então beleza gente, foda-se, vamos fazer o que quisermos”. Acho que devemos tratar as coisas de forma mais histórica, entendendo que a sociedade muda. Não se deve apavorar com mudanças, mas [se deve] sempre perguntar: “Por quê? Qual importância [essa mudança] tem? Que significado essas coisas têm para o público?”. Sem se agarrar a uma suposta objetividade que pode ser apenas a sua perspectiva de classe e posição na sociedade.


Pindograma: As eleições de 2022 no Brasil parecem, em muitos aspectos, com a eleição de 2020 nos Estados Unidos. Você tem uma força de oposição ao populista autoriário de direita, que se coloca como um plebiscito contra o autoritarismo ora de Trump, ora de Bolsonaro. Só que vendo agora a incapacidade dos Democratas de entregarem as promessas que eles fizeram, a dificuldade de conciliar um partido que está dividido, que desde 2019 não achou um novo caminho… Dada a conjuntura americana e os problemas que os democratas estão sofrendo agora nos anos depois da eleição, você acha que um governo do PT, se eleito, passaria por coisas parecidas?

Alex: Eu escrevi várias matérias em 2018 tentando desmentir essa ideia de que o Brasil se parecia com os Estados Unidos. O Bolsonaro não é um Trump dos Trópicos porque eu achava, acho ainda, que ele representa um perigo muito mais importante. O Bolsonaro e o bolsonarismo têm uma conexão muito mais importante com um passado autoritário relativamente recente, que não era o caso com o Trump. O Trump é um puro produto do fim da história e agente da introdução do Fim do Fim da História, justamente por causa da anti-política. Por isso, ele é uma figura muito comparável ao Berlusconi na Itália.

Enquanto isso, o Bolsonaro era outro bicho. O que aconteceu ao longo do mandato do Bolsonaro é que ele veio se aproximando — e não só ele, mas a conjuntura brasileira — cada vez mais daquela dos Estados Unidos. Isso me surpreendeu.

Apesar do quadro se assemelhar muito aos Estados Unidos, no Brasil é muito mais importante votar no Lula e votar no primeiro turno, algo que eu farei, porque a democracia realmente está em risco. O plebiscito sobre a democracia é real no Brasil, enquanto nos Estados Unidos não era. O Trump, tanto quanto o Bolsonaro, é um agente de destruição antipolítica. Mas nos Estados Unidos até que é bom fazer isso um pouco, porque as instituições que existem são podres e muitas vezes são instituições contra-majoritárias (aliás, os republicanos só conseguem eleger um presidente por causa do Colégio Eleitoral, que é uma instituição contra-majoritária). Enquanto no Brasil, isso só leva a uma guinada mais autoritária ainda, e isso tem isso vale para a semiperiferia ou periferia mundial inteira. Então o caminho que o Brasil seguirá se o Bolsonaro for eleito de novo vai ser um caminho do Erdogan na Turquia ou do Orban na Hungria, com a cumplicidade total do Centrão, dos militares.

Mas a pergunta era o que iria acontecer se o Lula for eleito. E aqui eu acho que sim, vai enfrentar os mesmos problemas [do Partido Democrata nos EUA]. Não tem programa de governo, há promessas vagas de investimento, de defender a ciência, porque os cortes que o governo Bolsonaro fez são absurdos… coisas basiquíssimas para uma potência que nem o Brasil. Também vai enfrentar esses problemas de fragmentação, de rabo preso com vários interesses diferentes, porque o Lula está prometendo tudo, até inclusive para os militares que ele não vai enfrentar — enquanto na Colômbia a primeira coisa que o Petro faz foi tentar [conseguir] justiça frente aos abusos dos militares e paramilitares.

No final das contas a escolha agora é entre declínio terminal e desastre. E o declínio terminal é o caminho do Lula. Agora os leitores podem me acusar de curto-prazismo, [algo] que eu acabei de criticar. Mas eu estou falando apenas com relação a essa eleição. Também vamos enfrentar um problema de um judiciário ainda bem forte e poderoso. Alexandre de Moraes e Arthur Lira são quem mandam no país atualmente.

Eu não acho realista que o Bolsonaro lidere um golpe bem-sucedido, não vai ter sucesso nisso. O que pode acontecer é um golpe de certa forma institucional, um golpe contra Bolsonaro. Bolsonaro perde, tem uma bagunça, e aí os militares e o Supremo entram e falam: “Olha, vamos postergar as eleições, vamos refazer daqui um ano” e vira uma ditadura do STF ou algo assim. Isso eu acho muito mais provável e o PT, mesmo se eleito, não mudará nada em relação a essas tendências da institucionalização de um poder antidemocrático dentro do Estado. O PT nunca nem tentou fazer isso enquanto estava no poder, com condições muito mais propícias. Agora com certeza não vai enfrentar nenhum desses poderes institucionalizados. É uma situação triste, mas realmente a democracia é o que está em jogo, então não tem escolha.


Pindograma: No final do livro, vocês falam que a política dos anos 2020-2030 vai se dividir em três blocos. Você vai ter um direitismo institucional, você vai ter uma tecnocracia progressista — de uma esquerda defendendo o neoliberalismo até a morte — e um autoritarismo xenofóbico, exterminista. Como você coloca isso na conjuntura brasileira?

Alex: Certos elementos dessa categorização se adequam muito bem ao Brasil. A tecnocracia progressista é o PT, elementos do PSB, com o Freixo sendo um exemplo perfeito, e o PSOL, que agora perdeu todo elemento socialista que tinha. As características a se ressaltar aqui são um moralismo, uma tecnocracia de encontrar soluções que não envolvem o conflito de classe, de contestação. Afinal de contas, essa categoria representa uma base ou pelo menos uma parte da base importante que estava do PT desde o começo, as bases artísticas, intelectuais e certas partes da classe média. Eu acho que na Itália eles usam uma palavra fascinante para descrever esse segmento: a classe reflexiva. A tecnocracia progressista conquista voto do povão mais pelo assistencialismo, de algo de cima pra baixo do que uma organização autônoma orgânica da classe trabalhadora e os seus interesses transmitidos pelos sindicatos.

Outro elemento é a extrema direita autoritária. Ela se encaixa com o Bolsonaro, xenofóbico talvez não, pois isso não é questão política no Brasil, mas se agarra a outros elementos similares e dialoga muito bem com a tradição brasileira da direita e dos militares, de tratar a sociedade brasileira como o inimigo interno. Também até o ponto de ser exterminista, seja por omissão ou por extermínio ativo.

O elemento que [menos se encaixa no Brasil] é o novo centro, o novo centro mais dirigista, intervencionista em termos do Estado, porque até agora o Brasil, e isso não é nenhuma surpresa, está atrasado em relação a essas tendências mundiais. Uma razão é digamos intelectual, de que o Brasil não se adaptou às novas ideias. Mas também há o aspecto material, de que a inserção particular do Brasil na divisão internacional de trabalho e no comércio internacional faz com que o neoliberalismo possa continuar de uma forma que não é uma opção para um país do centro.

O Brasil está acostumado com crise permanente e isso não propulsiona as elites a tomarem medidas contrárias [ao que está aí]. E tudo bem o Brasil continuar com uma financeirização da economia absurda, junto de uma dependência na exportação primária, porque esses [a elite] continua ganhando. Eles lucram, pouco importa a conjuntura. E enquanto esses setores forem dominantes economicamente e na política, pouco importa o papel do Estado, seja ele totalmente neoliberal, ou mais intervencionista na economia. Por causa disso, o que descrevemos como um “novo centro” que é mais estatista do que o centro liberal anterior faz com que isso não se desenvolva no Brasil por enquanto.


Pindograma: O Bismarck tem aquela frase famosa que “tudo precisa mudar para que tudo permaneça igual”. O que você tá falando é que, no Brasil, tudo já está igual?

Alex: Sim, o problema do neoliberalismo zumbi é mais marcante no Brasil, é mais fundamentado aqui do que nos Estados Unidos. Porque o neoliberalismo, com a ausência de uma contestação, pode continuar e a forma de combater isso, por exemplo, que a esquerda traz, não é nada mais do que um assistencialismo, geralmente, que é uma medida neoliberal. A renda básica, por exemplo, é uma ideia puramente neoliberal.

O que é a renda básica? A renda básica é uma forma de adequar o cidadão a participar do mercado e nada mais do que isso. Apesar de ser uma renda básica do cidadão, no final das contas é um jeito de jogar um dinheiro aí, que na perspectiva do Estado e a do orçamento do Estado é um dinheirinho. É um dinheirinho que você joga pro pro cidadão brincar com esse dinheiro no mercado e eu digo brincar de meio ironizando, porque a realidade é que a maioria das pessoas usam isso pra comida ou no máximo pagar dívidas. Então não tem investimento em serviço público, não tem criação de emprego.

Isso talvez leve, de forma keynesiana, a uma aceleração econômica, mas pode também facilmente evaporar com inflação. Por exemplo, você ganha 1000 reais de auxílio em um futuro projeto assistencialista, mas aí os preços podem aumentar também, sem que haja um programa de emprego, um programa estrutural de desenvolvimento industrial e de infraestrutura e investimento em serviço público. Todas essas políticas seriam uma continuação de um neoliberalismo, mas pelo menos um neoliberalismo que se importa com a gente, com o povo. Mas, no final das contas, não estamos mudando de fato.


Pindograma: Para terminar, qual é a sua estatística favorita?

Alex: A proporção total de operários — definidos como trabalhadores assalariados manuais empregados em mineração, manufatura, construção, transporte e agricultura, pessoas aposentadas de tais ocupações, e membros adultos inativos de suas famílias — só chegou a ser uma maioria absoluta na história em um país, em um momento: na Bélgica, em 1920.

Gosto dessa estatística porque ela vai na contramão de muitas discussões que rolaram desde a década de 90 a respeito do “desaparecimento da classe trabalhadora”. A classe operária não desapareceu como fato social. Ela apenas mudou de forma, como sempre vem mudando desde o início da industrialização. O que aconteceu é o desaparecimento da classe operária como fato político, como força política.


Créditos da imagem: Valter Campanato/Agência Brasil; Bungacast; Arquivo Pessoal.

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Pedro Siemsen é repórter do Pindograma.

O Fim do Fim da História: uma entrevista com Alex Hochuli

Escritor discute uma nova fase na política mundial e como o Ocidente vem imitando os piores traços do Brasil

POR PEDRO SIEMSEN

05/09/2022

Alex Hochuli é analista político, escritor e co-apresentador do podcast de política global Bungacast. Estudou Relações Internacionais pela London School of Economics e fez mestrado na mesma disciplina pela King’s College London. Também é mestre em Sociologia pela University of Kent.

Ano passado, Alex publicou o livro The End of the End of History (O Fim do Fim da História, em português). A ideia central do livro é que a política mundial está entrando em um período no qual contestações políticas estão ressurgindo, algo que não ocorria desde o fim da União Soviética. Após anos de consenso político, argumenta Alex, diferentes projetos políticos estão novamente entrando em conflito, nos trazendo de volta à História com H maiúsculo.

O Pindograma conversou com Alex sobre as ideias do seu livro e como elas se encaixam no contexto brasileiro. Também discutimos o seu ensaio “A Brasilianização do Mundo”, onde ele argumenta que o mundo, à medida que se torna mais desigual e adquire problemas estruturais, está se tornando cada vez mais parecido com o Brasil. Passamos também por uma discussão sobre o papel do jornalismo de dados nesse novo contexto.


Pindograma: Você pode explicar o conceito por trás do seu podcast, o Bungacast e do livro que você e os outros dois apresentadores, George Hoare e Philip Cunliffe, publicaram recentemente, The End of the End of History? Como explicar o “Fim do Fim da História”, para um público brasileiro?

Alex: O jeito mais fácil e inteligível de explicar isso é por um viés biográfico. Eu conheço os outros dois apresentadores [do podcast] há muito tempo, há quinze anos. E a gente sempre reclamava de que não havia nada acontecendo politicamente. A gente estudava política, a gente praticava política, quando possível, mas na Inglaterra na década de 2000 não tinha porra nenhuma acontecendo.

A gente se frustrava com isso. Tentávamos visualizar como seria o futuro, mas não tinha nenhum aspecto na conjuntura daquele momento que apontava para algum propósito, [para algo] que pudesse fazer chacoalhar a sociedade para criar novas tendências, novas dinâmicas.

Mesmo a crise financeira de 2008 não deu a luz a nenhum novo movimento político. Teve a greve dos estudantes na Inglaterra em 2010-2011, mas isso também não levou a nada substancial. Apenas com a Primavera Árabe que começamos a pensar: “Quem sabe? Talvez alguma coisa comece a acontecer”. Mesmo assim, era um fenômeno na periferia, ou semiperiferia mundial. A política não chegado no centro do poder mundial.

Foi realmente a eleição do Trump e o Brexit que fizeram com que a gente se desse conta que uma profunda mudança estava acontecendo, que todas essas erupções ditas populistas que tinham acontecido na Europa e nos Estados Unidos ao longo da década de 2010, haviam se cristalizado em um momento de importância histórica.

Foi um momento populista de verdade, com profundas consequências. No caso do Brexit, foi um passo relevante para o início da desglobalização, e mais do que isso, porque foi mais do que uma mudança de política econômica, foi uma mudança sociopolítica, foi uma forma da rejeição da pós-política [que era feita] em nome da democracia.

O que eu quero dizer por pós-política é o seguinte: uma forma, uma estratégia de prevenir que a política aconteça. A pós-política não é apenas algo como uma democracia parlamentar, que é uma forma de limitar as extremidades políticas e canalizar os desejos políticos de uma forma mais restrita. Ela é um conceito diferente. Depois da derrota histórica da classe trabalhadora, que aconteceu ao longo da década de 1980, a pós-política entra em jogo como uma forma de prevenir que política acontecesse, [para] que não houvesse nenhuma contestação séria às estruturas da época. O que resta são formas subculturais e subpolíticas, ou uma administração puramente técnica como maneira de administrar o status quo.


Pindograma: Então é aqui onde entra toda aquela questão de que vocês sempre falam, do Francis Fukuyama. Ele descreve o “fim da História”, quando a sociedade deixa de ter um universo utópico para atingir e, com isso, a contestação política acaba se tornando algo banal, insignificante. As discussões viram algo do tipo: “Essa é a solução que faz mais sentido de acordo com os nossos técnicos, nossos tecnocratas. Então você, classe trabalhadora, vai ter que aceitar isso”.

Alex: Sim, é até engraçado você falar classe trabalhadora, pois nesse período não se fazia mais referência à classe trabalhadora, a nenhuma classe. Era você-indivíduo, como consumidor, talvez família ou chefe de família. Os interesses materiais eram as coisas mais imediatas, como consumidor e não como cidadão muito menos como proletariado, ou classes sociais com interesses contrários uns ao aos outros.

A gente fala muitas vezes no podcast que o período do fim da história é um período em que interesses não se manifestam. O único jeito de debater política se baseia na ideia de consenso, que todo mundo está de acordo com os fins da política, os fins da sociedade, afinal todos nós queremos as mesmas coisas. Então as questões são levadas aos debates técnicos, de como chegar a esse fim, sobre o qual todos nós concordamos.

Eu comecei falando de um lado biográfico e aí parti para o conceito de pós-política, mas voltando à biografia agora. Em 2017, quando nós nos deparamos com esses eventos históricos, a gente começou o podcast com [a consciência] explícita, já naquele momento, de que esses eventos representavam de alguma forma o Fim do Fim da História. Ou também o começo do fim do neoliberalismo, e de todas as formas políticas de manter e administrar essa sociedade que já existia há trinta anos.

E o que significa o Fim do Fim da História? Eu acho que podemos descrever essa transformação seguindo alguns aspectos determinados dessa conjuntura. O primeiro é a pós-política que a gente já discutiu e, a essa altura, já foi derrotada como forma de administrar a sociedade. Nossas sociedades estão muito mais conturbadas do que há dez, vinte anos atrás. A política do consenso não tem mais fundamento.

O segundo: podemos dizer que o neoliberalismo já perdeu toda a sua autoridade intelectual, apesar de ele continuar politicamente [dominante]. Ele continua porque é difícil para os Estados mudarem seus ethos, mas principalmente porque é complicado estruturar a política de forma diferente, sem que haja um movimento social significativo que desafie e derrote a ordem política vigente. Então ela continua, vira um neoliberalismo zumbi, apenas por falta de alternativas, porque intelectualmente as ideias principais do neoliberalismo - como a meritocracia, ou a dinâmica automatizada do mercado que resolveria tudo, não [convencem] mais. Agora, as referências são populistas, apelando à proteção do povo, à proteção contra os excessos da globalização.

Isso nos leva ao terceiro aspecto que é o enfraquecimento da globalização, dada a formação de novos blocos geopolíticos, com um centrado na China e outro nos Estados Unidos. Esse novo contexto leva a certos recuos da globalização. Talvez não sejam recuos tão importantes quanto alguns acham, mas a ideia de uma expansão interminável da globalização, com aumento imparável de comércio internacional, chegou ao fim.

O quarto aspecto é [a retração do que chamo de] realismo capitalista: o termo usado pelo Mark Fisher para descrever não apenas a ideia de que não há alternativa [ao capitalismo], mas uma sociedade em que nem se possa mais pensar em uma alternativa. Ou, nas palavras do Frederic Jameson, onde “é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo”.

No lugar desse realismo capitalista, temos o que eu chamaria de presentismo utópico. Ou seja, temos em pauta várias ideias, várias reivindicações grandiloquentes mas que, ao mesmo tempo, não se consegue imaginar uma ruptura com instituições políticas do presente. Não estamos nem falando de coisas como a derrota do capitalismo, a transição do socialismo, nada disso. Então é uma figura paradoxal, contraditória, que tem reivindicações utópicas, mas que ao mesmo tempo é presentista, no sentido de estar preso nas conjunturas atuais sem conseguir imaginar uma ruptura significativa.


Pindograma: Eu queria que você desse um panorama do livro que vocês escreveram. O podcast está com cinco anos agora e o livro foi publicado em 2021, já levando em conta a pandemia e todo o seu contexto político. Qual é o panorama geral do que você fala no livro? Como ele se relaciona ao Bungacast?

Alex: O livro foi uma tentativa de resumir todas as conversas que tivemos no podcast nesse período. Primeiro, [quisemos] voltar ao Fukuyama de uma forma séria e ter um engajamento mais aprofundado com a ideia que ele propôs [o “fim da história”], justamente pelo motivo de que muitas pessoas leram mal o Fukuyama. Ele foi mal compreendido, ele não estava dizendo que nunca mais haveria nenhum evento ou conturbação, que a democracia liberal seria a forma final de governo das da sociedades humanas. Muitas pessoas assumem isso, o que é errado.

Em segundo lugar, nós quisemos desenvolver a ideia principal da relação entre a pós-política e a antipolítica. Nós colocamos no livro que a antipolítica é uma forma de contestar a pós-política, por ser uma rejeição total do establishment, porém sem ter uma outra bandeira nova atrás da qual um movimento pode se mobilizar.

No livro usamos o exemplo do Brasil, que é um exemplo perfeito dessa contestação entre a pós-política e anti-política. Podemos pegar uma figura agora já meio irrelevante, o João Doria, que representou a pós-política quando se candidatou para prefeito de São Paulo [se apresentando como] um gestor e não-político. Depois teve a transição para o Bolsodoria em 2018, que era [também] puramente antipolítica. Outro exemplo são as manifestações 2015-2016 contra o PT, que, apesar de serem de direita, também foram antipolíticas.

Portanto, houve um momento muito importante de antipolítica no país, que agora pode-se dizer que já foi ultrapassado, pois muitas pautas políticas agora não são mais antipolíticas: muito pelo contrário, agora há uma vontade por gestão adequada, pelo menos, da crise e não se fala mais de “corrupto”, da corrupção por exemplo.

A gente termina o livro tentando traçar as tendências descritas no livro e projetá-las no futuro. Identificamos, por exemplo, como a esquerda populista associada com o ex-líder do Partido Trabalhista no Reino Unido, Jeremy Corbyn, e o Bernie Sanders nos Estados Unidos “involuiu” no final de 2019. Essa involução levou a uma esquerda puramente moralista e parasítica ao neoliberalismo. A esquerda contemporânea como bloco político acaba sendo a última defensora do neoliberalismo, enquanto partidos de direita já adotaram uma certa forma de populismo, incorporando uma ideia de dirigismo de Estado, entre outras, enquanto a esquerda acaba sendo a casa dos últimos neoliberais, se atendo às mesmas ideias de sempre.

Segundo alguns pensadores, a esquerda estava por trás do neoliberalismo no início também, quando certas vontades e formas políticas individualistas, fruto dos movimentos de 1968 pra frente, foram recuperados e digeridos pelo sistema para criar o neoliberalismo. Então, é uma certa ironia que a esquerda se encontra bem lá no momento de nascimento do neoliberalismo e escolhe se agarrar aos seus restos, sobrevivendo no final do neoliberalismo também.


Pindograma: Eu queria entrar um pouco na questão do Brasil e aproveitar aquele seu texto “A brasilianização do mundo”. É um texto fascinante que acaba não sendo tão discutido no Brasil. Ele chega meio que por osmose, algumas pessoas às vezes falam disso no Twitter, mas você não vê muita atenção. Você pode dar um panorama desse texto e como o Brasil se encaixa no Fim do Fim da História?

Alex: O Brasil se encaixa de uma forma que pode parecer um pouco desorientante no Fim do Fim da História, porque a linha de tempo que ele segue não está totalmente sincronizada com a linha de tempo que a gente descreve no caso do Reino Unido e dos Estados Unidos. O momento claramente chave no [caso desses países] é a crise de 2008, uma crise econômica. [Diferente da] experiência do “ocidente político”, onde as consequências políticas da crise econômica de 2008 demoraram muito para se manifestar, no Brasil elas [aconteceram antes], em junho de 2013, antecedendo a crise econômica [brasileira], que começou em 2014.

Eu acho que o importante é que esse movimento do fim da história para o Fim do Fim da História é uma tendência universal mundial com manifestações particulares em cada país. Isso é um ótimo gancho para falar do texto da Brasilianização do Mundo, porque há um caráter particular da elite brasileira: ela é a pior elite do mundo. Eu vou defender essa ideia, outros podem falar que talvez a elite indiana é pior, mas enfim, a elite daqui está no top três, pelo menos.

Agora, o que tem mudado com o Fim do Fim da História no Brasil? A ausência de movimentos contestatórios e o fim de um movimento modernizante, mesmo que seja burguês, como o liderado por Vargas. [No século XX] a sociedade brasileira dizia: “Ah, o presente é uma merda, o passado não nos importa, vamos destruir o passado e construir um prédio novo em cima, construir uma nova capital no interior e deixar o Rio de Janeiro apodrecer”. Tinha uma dinâmica que alimentava a sociedade; era uma sociedade que acreditava no seu próprio futuro, muitas vezes frustrado, mas possuía uma crença. Agora, com a ausência de um movimento modernizante, o que acontece quando não se tem mais futuro? Temos uma sociedade parada no presente, que não se importa com o passado e também não tem visão do futuro.

Podemos trazer como contraponto um país como a Itália, que é uma sociedade que virou museu. Não tem futuro, a população está envelhecendo, pessoas jovens emigram para outros países, Alemanha, Inglaterra, etc. Enfrentam o futuro apenas com medo. Então isso se vê nas atitudes xenofóbicas contra imigrantes, porque para uma sociedade sem futuro, ver mais pessoas chegando representa uma ameaça ao presente. Mas tem um passado, um passado glorioso de 1000 e tantos anos, um passado bonito para preservar. O Brasil não tem isso, nunca teve isso — o que é visível no espaço público, por exemplo, que é completamente abandonado. É uma sociedade parada no presente. Nesse ponto temos um encontro entre o Brasil e o resto do mundo.

A ideia de brasilianização é mais profunda e não sou eu quem a inventou. Existem várias referências em textos, começando na década de 1990, como cientista político norte-americano Michael Lind, o sociólogo alemão Ulrich Beck também tratou dessa ideia também, de uma forma mais positiva, identificando no Brasil uma certa atitude de flexibilidade e abertura, mudança — que no ápice do pós-modernismo, quando ele escrevia — parecia uma atitude positiva. Ele viu isso como uma forma de subjetividade adequada a ao mundo pós-moderno, em que nada era estável.

Mas quem realmente desenvolveu essa ideia foi o Paulo Arantes, filósofo da USP. E meu texto foi uma tentativa de atualizar as ideias do Paulo Arantes. Não sei quanto eu acrescentei, mas eu pelo menos trouxe essa ideia para um público anglófono. E, para dar um resuminho, é a ideia de que o Brasil sempre foi uma sociedade de pura exploração, desde o colonialismo, pois foi uma sociedade criada do zero a partir daquele momento.

Essa sociedade de pura exploração, sem nexo social é uma coisa que é a realidade agora no mundo inteiro e com certeza nos países do centro político ocidental, porque se tornaram sociedades totalmente pós-tradicionais. (No Brasil ainda temos restos tradicionais, dá pra se falar de patriarcado com alguma base no Brasil, enquanto no Reino Unido não tem nem um patriarcado. Existe sexismo, mas não é uma sociedade patriarcal.)

Então, nessas sociedades totalmente pós-tradicionais, pós-modernas, ou parte do que alguns descrevem como “segundo modernismo”, não há oposição ao capitalismo e o capitalismo domina e engole todas as áreas da sociedade que existiam fora do mercado antigamente. Um exemplo dessa “subsunção”, que é o termo marxista para descrever essas evoluções, é que até relações íntimas se “comodificam” [se tornam mercadoria] nesse contexto.


Pindograma: Você fala que quando você teve o “fim da história” nos anos 90, a crença dominante era que, por meio das novas políticas do consenso, todos os países iriam elevar-se para ficar no padrão do centro ocidental, ou seja, tornando-se desenvolvidos, entrando na OCDE… Só que o texto sugere que na verdade é o contrário, que é o centro se rebaixando, se “subdesenvolvendo” e ficando igual ao Brasil de certa maneira. Todo mundo se precariza, aumenta a desigualdade, o trabalho vira uma coisa completamente informal e assim por diante.

Alex: Sim, o Brasil já era pós-moderno de certa forma, avant-la-lettre. Então o meu texto e as ideias do Arantes são uma forma de problematizar essa ideia da teoria da modernização ainda continua, que consiste da ideia de que todas as sociedades seguem uma trajetória linear até o futuro para encontrar as sociedades mais modernizadas do centro.

O que a ideia da Brasilianização provoca, na verdade, é primeiro, que esses caminhos não são retos, e segundo, que a gente vai ao avesso e encontra o futuro ao avesso. Eu acho que o texto teve um certo sucesso no mundo anglófono justamente porque as pessoas identificam essa involução política, social, econômica, essa regressão que está tão visível agora no período de neoliberalismo decadente.

Como venho dizendo, é um período em que divisões sociais acrescentam mais desigualdades, precarização e com uma elite que também se isenta de realmente tentar transformar a sociedade, que no máximo se contenta com uma gestão do presente e no pior dos casos tenta fugir. Então a fuga de brasileiros ricos para Miami agora virou uma realidade dos ultra-ricos nos Estados Unidos também. Qualquer espírito republicano que existia, já não existe mais.

Eu acho isso interessante, porque a elite brasileira nunca se identificou realmente com o Brasil como uma sociedade, porque não queria ter nada a ver com o povão, enquanto o processo no Norte Global pelo qual a pressão de baixo, da classe trabalhadora organizada e de partidos e movimentos socialistas, acabou disciplinando as elites. Essa pressão de baixo nunca aconteceu realmente aqui, muito por falta de revolução e de conflitos profundamente transformadores, como as duas guerras mundiais — que foram conflitos muito importantes na derrota da elite tradicional na Europa principalmente. Chegando em 1945, posturas super elitistas já não eram mais viáveis politicamente. Mas no Brasil, as elites carecem de disciplina, para dizer o mínimo.


Pindograma: O Pindograma fez uma entrevista com o André Singer e uma coisa que discutimos foi como o eleitorado brasileiro sempre se segmenta em três grupos, mais ou menos. Você tem a esquerda, você tem um centro patrimonialista e uma direita autoritária. Historicamente, esse bloco da esquerda tende a estar em minoria politicamente e nunca tem os números suficientes para ser eleito. Então ele sempre tem que se aliar ao centro ou até mesmo à direita para chegar ao poder. Além disso, as pesquisas de opinião mostram que a sociedade brasileira é em geral mais conservadora, na medida em que quase todo mundo é contra aborto, contra relações homossexuais em público. Como você diria que a esquerda brasileira conseguiria construir um projeto político em cima desse quadro?

Alex: Primeiro, em relação a atitudes sociais, eu não acho que isso deveria representar um impedimento. O processo político, o processo de politização, de mobilização é um também um processo emancipatório, em que as atitudes mudam. Eu acho que a gente ainda é muito apegado a esse tipo de pesquisa de opinião. Alguém chega na sua casa e pergunta “O que você acha do aborto?” e você reflete de volta as atitudes predominantes da sociedade. Se fossem perguntas como, por exemplo, “Você praticaria o aborto?” ou “Você acredita na liberdade de cada um de fazer o que é necessário para [preservar] a sua saúde?”, a maioria das pessoas diria que sim.

Eu acho que, mais fundamentalmente, é necessário voltar às questões materiais imediatas e a esquerda brasileira não tem solução, não tem visão de desenvolvimento. Sempre cai na armadilha de ter a ressalva de que “não, precisa ser [desenvolvimento] sustentável” e aí vira uma questão ambientalista ou questão de preservação em vez de imaginar uma sociedade muito mais rica, com mais prosperidade.

A esquerda está presa nos ciclos eleitorais, principalmente no caso do PT, porque [o partido] virou uma corporação do Estado. O Singer fala melhor do que eu, mas ao se inserir no Estado, o partido vira parte do Estado, e passa a ir ao povo para buscar votos uma vez a cada quatro anos ou dois anos, em vez de tentar representá-lo. Não tem nenhum processo de responsabilização dos políticos, e não dá nem para pensar em uma transmissão ao contrário, de interesses e valores de baixo pra cima, em vez de cima para baixo, que é o normal.

Nesse contexto, a questão do aborto, por exemplo, vira uma questão polêmica porque você como político lá em cima do Estado está sempre tentando encontrar uma maioria pública, mas essa maioria vai sempre ser o status quo. Então a ideia de transformação nunca entra em pauta.

Os governos lulistas destruíram a base do próprio lulismo. A classe trabalhadora industrial, que foi de onde surgiu Lula, foi a base do PT. Ela foi destruída pelo próprio PT, porque o Brasil entrou em um processo de desindustrialização sob os governos petistas, que já tinha começado com o Plano Real, mas que foi acelerado durante os governos Lula e Dilma, que não fizeram nada para interromper esse processo. Isso fez com que o Brasil perdesse os meios de desenvolvimento, perdesse indústrias importantes que seriam alavancas importantes para se jogar no futuro — puramente capitalista, sem nem pensar em horizontes socialistas aqui — e para fundamentalmente se inserir em uma divisão de trabalho internacional com um patamar mais alto.

O que ocorreu foi o contrário: o Brasil regrediu, virou exportador de produtos primários, puramente. Essa é a autocrítica que eu gostaria de ver no PT. A questão da corrupção é pouco interessante, porque é puramente fruto da inserção do PT no Estado, se tornando um partido eleitoreiro em vez de um partido orgânico, enraizado na classe trabalhadora.


Pindograma: Você fala que, esse processo de se inserir no mercado global e se desindustrializar, cria uma classe média temporária, mas que de fato não tem nenhuma segurança tangível. Tanto é que, nos anos Lula, muita gente enriqueceu, muita gente teve uma melhora nas condições de vida, mas aí a gente vê hoje que não foi algo sustentável. É isso que você quer dizer?

Alex: Foi uma visão que dependia de uma conjuntura mundial do superboom das commodities, que não ia continuar para sempre. A inserção de uma faixa maior da população em uma sociedade consumidora já não é uma boa base para criação de um movimento popular socialista, porque é uma sociedade individualizada, cujo acesso ao espaço público é pelo consumo e não como cidadão. Então isso já é problemático.

Além disso, a contestação social e política não acontece mais dentro do trabalho porque, se seu trabalho é informal e precarizado, você perde seu poder de barganha. Então toda essa base pode evaporar muito facilmente. Por exemplo, mesmo políticas de transferência de renda, como o Bolsa Família, são coisas muito fáceis de tirar. Então, essa forma de desenvolvimento acaba sendo uma coisa que não tem substância, que evapora muito rapidamente uma vez que as condições mudam. Vão sempre ser os pobres que perdem, porque eles não têm nenhum poder, porque não foram de fato inseridos de uma maneira política.


Pindograma: No livro, você apresenta a ideia da Síndrome de Quebra da Ordem Neoliberal (NOBS, em inglês), que é uma incapacidade de compreender os fenômenos de mudança que estão ocorrendo no Fim do Fim da História, uma incapacidade de responder a eles e uma tentativa de recuperar as visões do Fim da História, quando isso claramente é impossível. Um exemplo engraçado que vocês mencionam no livro é que comentaristas de política ficarem usando Harry Potter para descrever as mudanças políticas, de maneira ridícula, sem de fato explicá-las. Outros exemplos incluem as tentativas de entender o mundo como se estivéssemos em 2008, quando isso claramente não é possível.

Dada a ascensão e popularização do jornalismo de dados nos últimos anos, você acha que esse tipo de jornalismo focado no quantitativo — jornalismo como o que o Pindograma faz, com agregador de pesquisas, analisando pesquisas de opinião — é uma forma de NOBS? Estamos falhando ao compreender os fenômenos políticos que vão acontecendo?

Alex: Não necessariamente. Eu pessoalmente sou fã desse jornalismo. Eu acho que um dos poucos avanços que houveram no jornalismo foi justamente a evolução na forma de apresentar dados de uma forma digerida. Pessoas foram alfabetizadas em dados por causa disso. Porém, sim, tem uma dependência do quantitativo que impede o pensamento crítico muitas vezes. Porque a gente entra com ferramentas pouco críticas, porque não há exame das categorias através das quais analisamos a sociedade.

Por exemplo, você vai e analisa quantos eleitores de categoria X, por exemplo, mulheres evangélicas, que tem na sociedade, mas isso presume muito do que é um eleitor evangélico. É de classe média alta ou é classe trabalhadora, pobre ou rica? Há muitas outras categorias, e tem toda uma presunção de como essa pessoa age, qual comportamento dessa categoria, ignorando que essas categorias podem se transformar. Então acaba sendo um recorte de uma sociedade muito estática e pode reificar as mesmas categorias.

Aí eu acho que entra o problema, de achar que simplesmente temos os fatos, mostrar os fatos já é o suficiente, sem que haja uma análise dos fatos e, mais importante ainda, uma visão mais crítica em relação a como esses fatos foram produzidos.

O NOBS também entra quando você escolhe se esconder atrás do “fato”. Porque, quando leitores não concordam com os fatos, não acreditam ou rejeitam os fatos apesar de serem “os fatos”, a reação dos jornalistas, dos defensores da ordem contemporânea, acaba sendo histérica. “Mas como você ignora os fatos, você é idiota?”, sem fazer perguntas mais críticas como: “O que levaria esse leitor a rejeitar esses fatos? Qual é a visão dela?”. Não se trata necessariamente de uma irracionalidade da pessoa que rejeita o fato que você traz, mas uma reação a fatos que não fazem sentido para aquela pessoa. Seus valores são diferentes.


Pindograma: Você pode dar um exemplo disso?

Alex: Podemos pegar um milhão de casos da pandemia. Por exemplo, a ideia de que máscaras são obrigatórias, necessárias. Houveram tantas mudanças em termos da comunicação em relação às máscaras que é normal que as pessoas duvidassem da importância de usá-las. A OMS falava que no começo que não precisava de máscara e mudaram para que precisasse e aí “tem que ser essa máscara aí nesse contexto”.

O caos ocorreu por causa dos rápidos avanços de estudos científicos sobre o assunto. Seja como for, muitos meios de comunicação mudaram suas opiniões de um momento para outro, de acordo com os estudos, porém sem fazer referências a essa mudança. Virou: “antes era A, agora é B e a gente esquece que a gente falou que era A dois meses atrás”.

Como os meios de comunicação exigiram muito de seus leitores e as mudanças de opinião não foram demarcadas, as pessoas duvidaram se esses fatos eram fatos e começaram a achar que essa ciência supostamente independente, imparcial, objetiva não foi nada disso, que era puramente política, politizada. E isso piora, porque a mídia, tendo poucos recursos e tendo que atrair muitos cliques, acaba se atrelando à narrativa que vem do Estado ou das autoridades. Foi exatamente isso que ocorreu durante a pandemia — com Brasil é um caso um pouquinho diferente, estou pensando mais no caso dos Estados Unidos.

Então no final das contas eu acho que falta uma posição crítica em relação ao Estado, mesmo quando se trata de questões de saúde. Há questões aí que nunca foram perguntadas: A saúde de quem? Eu não posso ir pro hospital para tratar meu câncer por causa dos casos de Covid? Qual é o mais importante? É uma questão política, que não se resolve nos dados. Essa discussão não foi proporcionada pela mídia. Muito pelo contrário: muitas vezes a mídia tentou evitar tratar das questões. Isso fez com que as pessoas acreditassem menos na narrativa.


Pindograma: Então a sua visão para um jornalismo, seja ele de dados ou não, nesse Fim do Fim da História é de fato assumir a politização?

Alex: É. Sem perder a objetividade como um objetivo. Uma mídia que assume a sua orientação política e bate no peito, mas que sempre busca a objetividade, sem fugir dela. Já começamos a ver agora que a teoria pós-moderna teve efeito. Vemos as consequências, a ideia de “Ah não há verdade objetiva, então beleza gente, foda-se, vamos fazer o que quisermos”. Acho que devemos tratar as coisas de forma mais histórica, entendendo que a sociedade muda. Não se deve apavorar com mudanças, mas [se deve] sempre perguntar: “Por quê? Qual importância [essa mudança] tem? Que significado essas coisas têm para o público?”. Sem se agarrar a uma suposta objetividade que pode ser apenas a sua perspectiva de classe e posição na sociedade.


Pindograma: As eleições de 2022 no Brasil parecem, em muitos aspectos, com a eleição de 2020 nos Estados Unidos. Você tem uma força de oposição ao populista autoriário de direita, que se coloca como um plebiscito contra o autoritarismo ora de Trump, ora de Bolsonaro. Só que vendo agora a incapacidade dos Democratas de entregarem as promessas que eles fizeram, a dificuldade de conciliar um partido que está dividido, que desde 2019 não achou um novo caminho… Dada a conjuntura americana e os problemas que os democratas estão sofrendo agora nos anos depois da eleição, você acha que um governo do PT, se eleito, passaria por coisas parecidas?

Alex: Eu escrevi várias matérias em 2018 tentando desmentir essa ideia de que o Brasil se parecia com os Estados Unidos. O Bolsonaro não é um Trump dos Trópicos porque eu achava, acho ainda, que ele representa um perigo muito mais importante. O Bolsonaro e o bolsonarismo têm uma conexão muito mais importante com um passado autoritário relativamente recente, que não era o caso com o Trump. O Trump é um puro produto do fim da história e agente da introdução do Fim do Fim da História, justamente por causa da anti-política. Por isso, ele é uma figura muito comparável ao Berlusconi na Itália.

Enquanto isso, o Bolsonaro era outro bicho. O que aconteceu ao longo do mandato do Bolsonaro é que ele veio se aproximando — e não só ele, mas a conjuntura brasileira — cada vez mais daquela dos Estados Unidos. Isso me surpreendeu.

Apesar do quadro se assemelhar muito aos Estados Unidos, no Brasil é muito mais importante votar no Lula e votar no primeiro turno, algo que eu farei, porque a democracia realmente está em risco. O plebiscito sobre a democracia é real no Brasil, enquanto nos Estados Unidos não era. O Trump, tanto quanto o Bolsonaro, é um agente de destruição antipolítica. Mas nos Estados Unidos até que é bom fazer isso um pouco, porque as instituições que existem são podres e muitas vezes são instituições contra-majoritárias (aliás, os republicanos só conseguem eleger um presidente por causa do Colégio Eleitoral, que é uma instituição contra-majoritária). Enquanto no Brasil, isso só leva a uma guinada mais autoritária ainda, e isso tem isso vale para a semiperiferia ou periferia mundial inteira. Então o caminho que o Brasil seguirá se o Bolsonaro for eleito de novo vai ser um caminho do Erdogan na Turquia ou do Orban na Hungria, com a cumplicidade total do Centrão, dos militares.

Mas a pergunta era o que iria acontecer se o Lula for eleito. E aqui eu acho que sim, vai enfrentar os mesmos problemas [do Partido Democrata nos EUA]. Não tem programa de governo, há promessas vagas de investimento, de defender a ciência, porque os cortes que o governo Bolsonaro fez são absurdos… coisas basiquíssimas para uma potência que nem o Brasil. Também vai enfrentar esses problemas de fragmentação, de rabo preso com vários interesses diferentes, porque o Lula está prometendo tudo, até inclusive para os militares que ele não vai enfrentar — enquanto na Colômbia a primeira coisa que o Petro faz foi tentar [conseguir] justiça frente aos abusos dos militares e paramilitares.

No final das contas a escolha agora é entre declínio terminal e desastre. E o declínio terminal é o caminho do Lula. Agora os leitores podem me acusar de curto-prazismo, [algo] que eu acabei de criticar. Mas eu estou falando apenas com relação a essa eleição. Também vamos enfrentar um problema de um judiciário ainda bem forte e poderoso. Alexandre de Moraes e Arthur Lira são quem mandam no país atualmente.

Eu não acho realista que o Bolsonaro lidere um golpe bem-sucedido, não vai ter sucesso nisso. O que pode acontecer é um golpe de certa forma institucional, um golpe contra Bolsonaro. Bolsonaro perde, tem uma bagunça, e aí os militares e o Supremo entram e falam: “Olha, vamos postergar as eleições, vamos refazer daqui um ano” e vira uma ditadura do STF ou algo assim. Isso eu acho muito mais provável e o PT, mesmo se eleito, não mudará nada em relação a essas tendências da institucionalização de um poder antidemocrático dentro do Estado. O PT nunca nem tentou fazer isso enquanto estava no poder, com condições muito mais propícias. Agora com certeza não vai enfrentar nenhum desses poderes institucionalizados. É uma situação triste, mas realmente a democracia é o que está em jogo, então não tem escolha.


Pindograma: No final do livro, vocês falam que a política dos anos 2020-2030 vai se dividir em três blocos. Você vai ter um direitismo institucional, você vai ter uma tecnocracia progressista — de uma esquerda defendendo o neoliberalismo até a morte — e um autoritarismo xenofóbico, exterminista. Como você coloca isso na conjuntura brasileira?

Alex: Certos elementos dessa categorização se adequam muito bem ao Brasil. A tecnocracia progressista é o PT, elementos do PSB, com o Freixo sendo um exemplo perfeito, e o PSOL, que agora perdeu todo elemento socialista que tinha. As características a se ressaltar aqui são um moralismo, uma tecnocracia de encontrar soluções que não envolvem o conflito de classe, de contestação. Afinal de contas, essa categoria representa uma base ou pelo menos uma parte da base importante que estava do PT desde o começo, as bases artísticas, intelectuais e certas partes da classe média. Eu acho que na Itália eles usam uma palavra fascinante para descrever esse segmento: a classe reflexiva. A tecnocracia progressista conquista voto do povão mais pelo assistencialismo, de algo de cima pra baixo do que uma organização autônoma orgânica da classe trabalhadora e os seus interesses transmitidos pelos sindicatos.

Outro elemento é a extrema direita autoritária. Ela se encaixa com o Bolsonaro, xenofóbico talvez não, pois isso não é questão política no Brasil, mas se agarra a outros elementos similares e dialoga muito bem com a tradição brasileira da direita e dos militares, de tratar a sociedade brasileira como o inimigo interno. Também até o ponto de ser exterminista, seja por omissão ou por extermínio ativo.

O elemento que [menos se encaixa no Brasil] é o novo centro, o novo centro mais dirigista, intervencionista em termos do Estado, porque até agora o Brasil, e isso não é nenhuma surpresa, está atrasado em relação a essas tendências mundiais. Uma razão é digamos intelectual, de que o Brasil não se adaptou às novas ideias. Mas também há o aspecto material, de que a inserção particular do Brasil na divisão internacional de trabalho e no comércio internacional faz com que o neoliberalismo possa continuar de uma forma que não é uma opção para um país do centro.

O Brasil está acostumado com crise permanente e isso não propulsiona as elites a tomarem medidas contrárias [ao que está aí]. E tudo bem o Brasil continuar com uma financeirização da economia absurda, junto de uma dependência na exportação primária, porque esses [a elite] continua ganhando. Eles lucram, pouco importa a conjuntura. E enquanto esses setores forem dominantes economicamente e na política, pouco importa o papel do Estado, seja ele totalmente neoliberal, ou mais intervencionista na economia. Por causa disso, o que descrevemos como um “novo centro” que é mais estatista do que o centro liberal anterior faz com que isso não se desenvolva no Brasil por enquanto.


Pindograma: O Bismarck tem aquela frase famosa que “tudo precisa mudar para que tudo permaneça igual”. O que você tá falando é que, no Brasil, tudo já está igual?

Alex: Sim, o problema do neoliberalismo zumbi é mais marcante no Brasil, é mais fundamentado aqui do que nos Estados Unidos. Porque o neoliberalismo, com a ausência de uma contestação, pode continuar e a forma de combater isso, por exemplo, que a esquerda traz, não é nada mais do que um assistencialismo, geralmente, que é uma medida neoliberal. A renda básica, por exemplo, é uma ideia puramente neoliberal.

O que é a renda básica? A renda básica é uma forma de adequar o cidadão a participar do mercado e nada mais do que isso. Apesar de ser uma renda básica do cidadão, no final das contas é um jeito de jogar um dinheiro aí, que na perspectiva do Estado e a do orçamento do Estado é um dinheirinho. É um dinheirinho que você joga pro pro cidadão brincar com esse dinheiro no mercado e eu digo brincar de meio ironizando, porque a realidade é que a maioria das pessoas usam isso pra comida ou no máximo pagar dívidas. Então não tem investimento em serviço público, não tem criação de emprego.

Isso talvez leve, de forma keynesiana, a uma aceleração econômica, mas pode também facilmente evaporar com inflação. Por exemplo, você ganha 1000 reais de auxílio em um futuro projeto assistencialista, mas aí os preços podem aumentar também, sem que haja um programa de emprego, um programa estrutural de desenvolvimento industrial e de infraestrutura e investimento em serviço público. Todas essas políticas seriam uma continuação de um neoliberalismo, mas pelo menos um neoliberalismo que se importa com a gente, com o povo. Mas, no final das contas, não estamos mudando de fato.


Pindograma: Para terminar, qual é a sua estatística favorita?

Alex: A proporção total de operários — definidos como trabalhadores assalariados manuais empregados em mineração, manufatura, construção, transporte e agricultura, pessoas aposentadas de tais ocupações, e membros adultos inativos de suas famílias — só chegou a ser uma maioria absoluta na história em um país, em um momento: na Bélgica, em 1920.

Gosto dessa estatística porque ela vai na contramão de muitas discussões que rolaram desde a década de 90 a respeito do “desaparecimento da classe trabalhadora”. A classe operária não desapareceu como fato social. Ela apenas mudou de forma, como sempre vem mudando desde o início da industrialização. O que aconteceu é o desaparecimento da classe operária como fato político, como força política.


Créditos da imagem: Valter Campanato/Agência Brasil; Bungacast; Arquivo Pessoal.

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foto do autor

Pedro Siemsen

é repórter do Pindograma.

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