O que o jeito de falar diz sobre os candidatos a presidente


Lula e Bolsonaro se mostram mais cautelosos que outros candidatos; Tebet se manteve consistente e assertiva
POR NICOLAS FIGUEIREDO • 02/09/2022

O debate na Band no último domingo iniciou o ciclo de debates para a eleição presidencial e ficou marcado por momentos como o ataque do presidente Jair Bolsonaro (PL) à jornalista Vera Magalhães, o bate-boca entre Lula (PT) e Ciro Gomes (PDT) e as discussões sobre feminismo. Entre os espectadores, ficou também uma impressão geral de que Simone Tebet (MDB) teve um bom desempenho.

O Pindograma vai além das análises de sentimentos em redes sociais e mostra como cada candidato se portou sob o aspecto da prosódia: seus ritmos de fala, pausas, entonações e como tudo isso varia de acordo com o tema abordado.

Revelamos que Lula usou vários recursos de sua fala para mostrar-se conciliador; que Bolsonaro preencheu melhor seu tempo de discurso que em 2018; e mostramos como a constância da fala de Simone Tebet contribuiu para a impressão que ela havia “ganho” o debate. Além disso, elencamos os temas que mais provocaram mudanças no comportamento de Lula e de Bolsonaro.

Quadro geral das falas

Começamos analisando o ritmo de fala de cada candidato, medido em sílabas por segundo.

Em primeiro lugar, o ex-presidente Lula foi quem teve a média de ritmo de fala mais devagar entre os candidatos. Isso reforça a percepção do público de que o ex-presidente assumiu uma postura pouco combativa ao longo do debate, se resguardando de possíveis confrontos excessivos.

Já Bolsonaro não destoou tanto dos outros candidatos, como havia feito há quatro anos, no debate da RedeTV. Em 2018, Bolsonaro foi disparado o candidato que menos usou seu tempo, passando 110 segundos em silêncio dos 400 que teve à sua disposição para respostas e tréplicas. Já neste ano, passou 223 de seus 1188 segundos de fala em silêncio (19%), uma porcentagem muito menor do que a do debate de 2018 (27%).

Isso pode indicar a diferença entre o cenário de 2018 e o que o candidato enfrenta hoje: atrás nas pesquisas, Bolsonaro se vê mais acuado e em necessidade de propagandear seus feitos de maneira mais evidente aos eleitores, em vez de continuar apenas apostando no seu tom “anti-político” que destoava mais dos outros candidatos em 2018.

Ainda com relação ao debate de 2018 da RedeTV, Bolsonaro distribuiu melhor suas falas ao longo do tempo que teve à sua disposição e se “atropelou” menos: seu ritmo de fala desconsiderando as pausas foi mais lento em 2022 que em 2018.

A despeito de suas diferenças políticas, houve uma certa semelhança entre o comportamento de Lula e Bolsonaro neste debate: ambos gastam consideravelmente mais tempo em pausas do que seus adversários. São os dois candidatos com mais a perder, e essas pausas podem indicar cautela por parte dos dois ao se dirigirem aos eleitores.

Durante o debate, Simone Tebet foi quem teve o ritmo de fala mais rápido, além de ter apresentado a menor variação de intensidade de voz e também menor variação de tom de voz ao longo das suas falas. (A intensidade diz respeito ao volume da voz, que diferencia um sussurro de um grito, e tom diz respeito à frequência fundamental da voz, que diferencia uma voz grave de uma aguda). Essa constância e firmeza na fala podem ter contribuído para a percepção pública de que ela “ganhou” o debate, se projetando de maneira confiante e sem hesitações.

Ciro Gomes, também apontado como um candidato que teve bom desempenho no debate, teve o segundo ritmo de fala mais rápido depois de Tebet, e a menor variação deste ritmo ao longo do debate. A fala que mais fugiu de seu padrão foi quando perguntado sobre o armamento da população, quando falou bem mais devagar que o normal. A atitude indica que esse foi um ponto de atenção para o candidato, que vem buscando o voto mais alinhado ao antipetismo.

Características por tema

Quando separados por tema, os ritmos de fala dos candidatos Lula e Bolsonaro apresentam um paralelo.

Da parte de Bolsonaro, seu comportamento é um tanto previsível: sua urgência em colocar o auxílio emergencial como pauta central de sua campanha faz com que o candidato fale mais assertivamente, com menos pausas. Já na pauta do feminismo, usada como ponto de ataque ao candidato, ele assume seu ritmo mais lento, talvez com o intuito de abrandar os ânimos desses ataques e navegar com cautela esse assunto no qual sua imagem já é tão negativa.

Já Lula usa o tema da economia e da melhora dos índices econômicos durante seu governo para atacar Bolsonaro e alavancar sua campanha, e é justamente este o tema — à exceção do bate-boca com Ciro e de uma fala pontual sobre a indicação de ministras para seu governo — no qual usa seu ritmo de fala mais rápido e assertivo. Já o tema da corrupção, de longe o mais usado para atacar a imagem de Lula, é onde o ex-presidente precisa demonstrar mais discernimento e cautela em suas respostas, e provavelmente por isso aparece entre os temas no qual usa seu ritmo de fala mais devagar.

Metodologia

Recortamos todas as falas (perguntas, respostas, réplicas e tréplicas) dos candidatos e analisamos as seguintes características acústicas para cada fala:

  • número de pausas;
  • tempo de fonação (tempo de resposta menos o tempo gasto em pausas);
  • número aproximado de sílabas;
  • ritmo de fala (número de sílabas por tempo de resposta);
  • características de intensidade e de frequência fundamental (tom ou “pitch” da voz).

Além disso, anotamos também o tema de cada fala.

Para a análise das falas de Bolsonaro em 2018, analisamos o debate na RedeTV (17.8.2018) — feita em umestudo prévio seguindo os mesmos moldes do levantamento feito para 2022.


Contribuiu com gráficos: Daniel Ferreira.

Créditos da imagem: Divulgação/TV Band.

Para reproduzir os números da matéria, o código e os dados podem ser acessados aqui.

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Nicolas Figueiredo é contribuidor do Pindograma.

O que o jeito de falar diz sobre os candidatos a presidente

Lula e Bolsonaro se mostram mais cautelosos que outros candidatos; Tebet se manteve consistente e assertiva

POR NICOLAS FIGUEIREDO

02/09/2022

O debate na Band no último domingo iniciou o ciclo de debates para a eleição presidencial e ficou marcado por momentos como o ataque do presidente Jair Bolsonaro (PL) à jornalista Vera Magalhães, o bate-boca entre Lula (PT) e Ciro Gomes (PDT) e as discussões sobre feminismo. Entre os espectadores, ficou também uma impressão geral de que Simone Tebet (MDB) teve um bom desempenho.

O Pindograma vai além das análises de sentimentos em redes sociais e mostra como cada candidato se portou sob o aspecto da prosódia: seus ritmos de fala, pausas, entonações e como tudo isso varia de acordo com o tema abordado.

Revelamos que Lula usou vários recursos de sua fala para mostrar-se conciliador; que Bolsonaro preencheu melhor seu tempo de discurso que em 2018; e mostramos como a constância da fala de Simone Tebet contribuiu para a impressão que ela havia “ganho” o debate. Além disso, elencamos os temas que mais provocaram mudanças no comportamento de Lula e de Bolsonaro.

Quadro geral das falas

Começamos analisando o ritmo de fala de cada candidato, medido em sílabas por segundo.

Em primeiro lugar, o ex-presidente Lula foi quem teve a média de ritmo de fala mais devagar entre os candidatos. Isso reforça a percepção do público de que o ex-presidente assumiu uma postura pouco combativa ao longo do debate, se resguardando de possíveis confrontos excessivos.

Já Bolsonaro não destoou tanto dos outros candidatos, como havia feito há quatro anos, no debate da RedeTV. Em 2018, Bolsonaro foi disparado o candidato que menos usou seu tempo, passando 110 segundos em silêncio dos 400 que teve à sua disposição para respostas e tréplicas. Já neste ano, passou 223 de seus 1188 segundos de fala em silêncio (19%), uma porcentagem muito menor do que a do debate de 2018 (27%).

Isso pode indicar a diferença entre o cenário de 2018 e o que o candidato enfrenta hoje: atrás nas pesquisas, Bolsonaro se vê mais acuado e em necessidade de propagandear seus feitos de maneira mais evidente aos eleitores, em vez de continuar apenas apostando no seu tom “anti-político” que destoava mais dos outros candidatos em 2018.

Ainda com relação ao debate de 2018 da RedeTV, Bolsonaro distribuiu melhor suas falas ao longo do tempo que teve à sua disposição e se “atropelou” menos: seu ritmo de fala desconsiderando as pausas foi mais lento em 2022 que em 2018.

A despeito de suas diferenças políticas, houve uma certa semelhança entre o comportamento de Lula e Bolsonaro neste debate: ambos gastam consideravelmente mais tempo em pausas do que seus adversários. São os dois candidatos com mais a perder, e essas pausas podem indicar cautela por parte dos dois ao se dirigirem aos eleitores.

Durante o debate, Simone Tebet foi quem teve o ritmo de fala mais rápido, além de ter apresentado a menor variação de intensidade de voz e também menor variação de tom de voz ao longo das suas falas. (A intensidade diz respeito ao volume da voz, que diferencia um sussurro de um grito, e tom diz respeito à frequência fundamental da voz, que diferencia uma voz grave de uma aguda). Essa constância e firmeza na fala podem ter contribuído para a percepção pública de que ela “ganhou” o debate, se projetando de maneira confiante e sem hesitações.

Ciro Gomes, também apontado como um candidato que teve bom desempenho no debate, teve o segundo ritmo de fala mais rápido depois de Tebet, e a menor variação deste ritmo ao longo do debate. A fala que mais fugiu de seu padrão foi quando perguntado sobre o armamento da população, quando falou bem mais devagar que o normal. A atitude indica que esse foi um ponto de atenção para o candidato, que vem buscando o voto mais alinhado ao antipetismo.

Características por tema

Quando separados por tema, os ritmos de fala dos candidatos Lula e Bolsonaro apresentam um paralelo.

Da parte de Bolsonaro, seu comportamento é um tanto previsível: sua urgência em colocar o auxílio emergencial como pauta central de sua campanha faz com que o candidato fale mais assertivamente, com menos pausas. Já na pauta do feminismo, usada como ponto de ataque ao candidato, ele assume seu ritmo mais lento, talvez com o intuito de abrandar os ânimos desses ataques e navegar com cautela esse assunto no qual sua imagem já é tão negativa.

Já Lula usa o tema da economia e da melhora dos índices econômicos durante seu governo para atacar Bolsonaro e alavancar sua campanha, e é justamente este o tema — à exceção do bate-boca com Ciro e de uma fala pontual sobre a indicação de ministras para seu governo — no qual usa seu ritmo de fala mais rápido e assertivo. Já o tema da corrupção, de longe o mais usado para atacar a imagem de Lula, é onde o ex-presidente precisa demonstrar mais discernimento e cautela em suas respostas, e provavelmente por isso aparece entre os temas no qual usa seu ritmo de fala mais devagar.

Metodologia

Recortamos todas as falas (perguntas, respostas, réplicas e tréplicas) dos candidatos e analisamos as seguintes características acústicas para cada fala:

  • número de pausas;
  • tempo de fonação (tempo de resposta menos o tempo gasto em pausas);
  • número aproximado de sílabas;
  • ritmo de fala (número de sílabas por tempo de resposta);
  • características de intensidade e de frequência fundamental (tom ou “pitch” da voz).

Além disso, anotamos também o tema de cada fala.

Para a análise das falas de Bolsonaro em 2018, analisamos o debate na RedeTV (17.8.2018) — feita em umestudo prévio seguindo os mesmos moldes do levantamento feito para 2022.


Contribuiu com gráficos: Daniel Ferreira.

Créditos da imagem: Divulgação/TV Band.

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