Insegurança alimentar em alta; políticas de combate à fome em baixa


Mais de 50% dos brasileiros enfrenta insegurança alimentar em 2020; governo corta orçamento de programas relevantes
POR FERNANDA NUNES • 19/06/2021

A fome e insegurança alimentar voltaram ao noticiário no contexto do avanço da pandemia de coronavírus no país. Nos últimos meses, a inflação aumentou, incidindo particularmente nos preços de alimentos da cesta básica, e o desemprego chegou ao maior patamar desde 2012. Apesar de todos esses fatores contribuírem para o aumento da precariedade alimentar nos lares brasileiros, especialistas já alertavam para a “volta” da fome desde 2016.

Os números

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, registrou dados sobre segurança alimentar em 2004, 2009 e 2013. Para 2017-8, os dados vieram da Pesquisa de Orçamentos Familiares.

Já os dados mais recentes sobre a insegurança alimentar no Brasil vêm de duas fontes. O Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19, produzido pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (PENSSAN), parte do projeto VigiSAN, é a primeira. A segunda fonte é um estudo realizado pela Universidade Livre de Berlim (FU-Berlin) em parceria com a UFMG e UnB. A pesquisa do VigiSAN foi presencial, enquanto a pesquisa das universidades foi telefônica.

Para determinar o nível de segurança alimentar, tanto o inquérito da PENSSAN quanto o estudo das universidades se baseiam em um questionário de 8 perguntas utilizadas na Escala Brasileira de Insegurança Alimentar, que avaliam a precariedade alimentar de um domicílio. As perguntas são respondidas com “sim” ou “não” e cada resposta positiva representa um ponto. A partir da soma de todas é determinada a segurança ou nível da insegurança alimentar.

A segurança alimentar (0 pontos) significa o acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente; a insegurança alimentar leve (1 a 3 pontos), ocorre quando há preocupação ou incerteza quanto acesso aos alimentos no futuro ou qualidade inadequada dos alimentos; a insegurança alimentar moderada (4 a 5 pontos), se há redução quantitativa de alimentos e/ou ruptura nos padrões de alimentação resultante da falta de alimentos entre os adultos. Por último, a insegurança alimentar grave (6 a 8 pontos) é a redução quantitativa de alimentos também entre as crianças. Neste cenário, a fome passa a ser uma experiência vivida no domicílio.

Uma análise agregando dados do inquérito VigiSAN e do estudo das universidades indica que, em 2020, menos da metade da população estava em situação de segurança alimentar. A média desses dois levantamentos indica que 57,3% dos domicílios brasileiros enfrentam algum nível de dificuldade para se alimentar. Esse número se compõe por 33,2% dos domicílios em estado de insegurança alimentar leve, 12,1% média, enquanto 12% conviviam com a fome.

Entre as 5 regiões do país, o Nordeste tem os piores índices, com 72,5% da população com algum nível de insegurança alimentar. A região é seguida pelo Norte, com 65,4% e Centro-Oeste, com 54%.

Enquanto isso, as regiões com mais segurança alimentar são o Sul e o Sudeste. Segundo a pesquisa das universidades, o Sudeste tem 53,4% da população com insegurança alimentar e o Sul vem em seguida, com o menor nível de insegurança alimentar: 51,7%. Em paralelo, o inquérito da VigiSAN aponta que 46,9% dos domicílios no Sul e no Sudeste sofreram com a falta de alimentos em quantidade suficiente ou passavam fome.

Além disso, há diferenças na prevalência da insegurança alimentar entre regiões urbanas e rurais. Agregando as pesquisas VigiSAN e das universidades, 44,9% dos domicílios em áreas urbanas viviam uma situação de segurança alimentar. Enquanto isso, 33% enfrentavam insegurança leve, outros 10,9% insegurança média e 10,8% passavam fome.

Já nas áreas rurais ou com características rurais, há uma divergência grande entre as duas pesquisas: a VigiSAN aponta que 40% dos brasileiros no campo não tinham qualquer insegurança alimentar. Por outro lado, a pesquisa da FU-Berlin aponta que apenas 27,5% estavam nessa situação confortável.

Além disso, raça e gênero estão fortemente associados com o problema da fome no Brasil. Na pesquisa das universidades, a insegurança alimentar era mais frequente que a média em lares onde a mulher é a única responsável pela renda (73,8%); e também em domicílios chefiados por pessoas de raça ou cor parda (67,8%) e preta (66,8%).

O desmonte de políticas públicas

A lista de fatores agravantes da fome é extensa e antiga. A cadeia de produção de alimentos enfrenta problemas há séculos. No Brasil colonial, por exemplo, o incentivo à monocultura de exportação já contribuía para o negligenciamento da produção de alimentos para comunidades locais. Esse é um problema que persiste: um dossiê de 2021, produzido pela Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE) mostra que o cultivo da soja, por exemplo, vem tomando áreas de plantio de arroz e feijão.

Somente nos anos 90, depois da redemocratização, que a pauta da fome ganha mais força, num cenário de desemprego alto e crise econômica. O Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) é criado em 1993. Apenas dois anos depois, ele é extinto por Fernando Henrique Cardoso (PSDB), mas é reavivado em 2003 durante o governo Lula (PT), mesmo ano de criação do Fome Zero, a vitrine do primeiro mandato do ex-presidente.

O Fome Zero englobava iniciativas de reforma agrária, o Bolsa Família e restaurantes populares, com o objetivo de combater a fome e suas causas estruturais. Juntos, o Fome Zero e o Consea viriam a ser as peças mais importantes no aparato federal do combate a fome. Mas em janeiro de 2019, o Consea é extinto novamente, desta vez pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido)

Em um relatório de 2014, a FAO destacou que o combate à fome foi acelerado quando “eliminar a fome foi colocado no centro da agenda política brasileira”. A agência enfatizou a importância de um arcabouço de programas e estruturas: Fome Zero, o Consea, Brasil sem Miséria, o Bolsa Família e uma série de outras iniciativas que fortalecem a alimentação escolar e a agricultura familiar.

Esse arcabouço passou por uma expansão durante a década de 2000, com mais fundos direcionados aos programas e iniciativas. Contudo, ao longo da década seguinte, esse ritmo diminuiu. “Alguns programas e políticas, ou foram esvaziados porque não há recurso, ou foram destruídos”, comenta a antropóloga Maria Emília Pacheco, assessora da ONG FASE e presidente do Consea entre 2012 e 2016.

Um dos exemplos mais emblemáticos da desidratação do arcabouço de luta contra a fome foi justamente a extinção do Consea no primeiro dia do mandato de Bolsonaro, através de uma medida provisória. Essa medida diminuiu a participação da sociedade civil nas políticas nacionais de combate à fome e, segundo especialistas, representou um retrocesso na articulação entre União, estados e municípios na política de segurança alimentar.

Além disso, o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), através do qual o governo compra alimentos de pequenos produtores e os distribui para brasileiros necessitados, também sofreu com um esvaziamento de verbas empregadas: houve redução de 88,9% entre 2016 e 2020. Um estudo de pesquisadores do Ipea demonstra que o programa tinha potencial para mitigar os efeitos da pandemia na cadeia produtiva — tanto por continuar apoiando a produção de alimentos por pequenos agricultores, quanto por escoar alimentos saudáveis para pessoas carentes. Ao que tudo indica, o PAA também aqueceria a economia de pequenos municípios, mitigando as dificuldades econômicas da pandemia. Porém, apenas R$ 28,3 milhões foram efetivamente pagos pelo programa em 2020, um valor ínfimo para o governo federal.


Para muito além da pandemia, a antropóloga lista uma série de fatores que explicam a volta da fome a patamares de décadas atrás: a concentração agrária, a falta de estoques de alimentos, a expansão do agronegócio de exportação e os conflitos socioambientais. “O Brasil não enfrentou questões estruturais da desigualdade”, complementa, “não podemos dissociar a fome de questões raciais, de gênero e da população indígena”.

Para Pacheco, a pandemia de COVID-19 apenas agudizou uma situação que poderia ter sido mitigada. “Não precisávamos, não deveríamos ter chegado a esse quadro, se tivesse havido um compromisso ético com a proteção da população”, disse a especialista.

A antropóloga lembra que o direito ao alimento é garantia da Constituição, e diz que os programas de prevenção à fome são essenciais para a garantia da dignidade humana. Pacheco também diz que é necessário um duplo compromisso, da população e do Estado, para que a pauta siga em debate. “É uma pactuação necessária e permanente… falar de alimentação é falar do direito a vida”, comenta.


O questionário da insegurança alimentar

Para cada resposta afirmativa, é computado um “ponto”. O número de “pontos” de cada respondente indica o grau de insegurança alimentar.

  1. Os(as) moradores(as) deste domicílio tiveram a preocupação de que os alimentos acabassem antes de poderem comprar ou receber mais comida?
  2. Os alimentos acabaram antes que tivessem dinheiro para comprar mais comida?
  3. Os(as) moradores(as) deste domicílio ficaram sem dinheiro para ter uma alimentação saudável e variada?
  4. Os(as) moradores(as) deste domicílio comeram apenas alguns poucos tipos de alimentos que ainda tinham, porque o dinheiro acabou?
  5. Algum(a) morador(a) de 18 anos ou mais de idade deixou de fazer alguma refeição, porque não havia dinheiro para comprar comida?
  6. Algum(a) morador(a) de 18 anos ou mais de idade, alguma vez, comeu menos do que achou que devia, porque não havia dinheiro para comprar comida?
  7. Algum(a) morador(a) de 18 anos ou mais de idade, alguma vez, sentiu fome, mas não comeu, porque não havia dinheiro para comprar comida?
  8. Algum morador de 18 anos ou mais de idade, alguma vez, fez apenas uma refeição ao dia ou ficou um dia inteiro sem comer porque não havia dinheiro para comprar comida?

Dados utilizados na matéria: “VIGISAN: Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil” (Rede PENSSAN/Vox Populi); “Efeitos da pandemia na alimentação e na situação da segurança alimentar no Brasil” (Eryka Galindo, Marco Antonio Teixeira, Melissa de Araújo, Renata Motta, Milene Pessoa, Larissa Mendes e Lúcio Rennó/IBPAD); Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios Contínua (IBGE); Pesquisa de Orçamentos Familiares (IBGE).

Contribuiu com dados Daniel Ferreira.

Para reproduzir os números e os gráficos desta reportagem, o código pode ser encontrado aqui.

Créditos da imagem: Altemar Alcântara/Prefeitura de Manaus.

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foto do autor

Fernanda Nunes é repórter e editora do Pindograma.

Insegurança alimentar em alta; políticas de combate à fome em baixa

Mais de 50% dos brasileiros enfrenta insegurança alimentar em 2020; governo corta orçamento de programas relevantes

POR FERNANDA NUNES

19/06/2021

A fome e insegurança alimentar voltaram ao noticiário no contexto do avanço da pandemia de coronavírus no país. Nos últimos meses, a inflação aumentou, incidindo particularmente nos preços de alimentos da cesta básica, e o desemprego chegou ao maior patamar desde 2012. Apesar de todos esses fatores contribuírem para o aumento da precariedade alimentar nos lares brasileiros, especialistas já alertavam para a “volta” da fome desde 2016.

Os números

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, registrou dados sobre segurança alimentar em 2004, 2009 e 2013. Para 2017-8, os dados vieram da Pesquisa de Orçamentos Familiares.

Já os dados mais recentes sobre a insegurança alimentar no Brasil vêm de duas fontes. O Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19, produzido pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (PENSSAN), parte do projeto VigiSAN, é a primeira. A segunda fonte é um estudo realizado pela Universidade Livre de Berlim (FU-Berlin) em parceria com a UFMG e UnB. A pesquisa do VigiSAN foi presencial, enquanto a pesquisa das universidades foi telefônica.

Para determinar o nível de segurança alimentar, tanto o inquérito da PENSSAN quanto o estudo das universidades se baseiam em um questionário de 8 perguntas utilizadas na Escala Brasileira de Insegurança Alimentar, que avaliam a precariedade alimentar de um domicílio. As perguntas são respondidas com “sim” ou “não” e cada resposta positiva representa um ponto. A partir da soma de todas é determinada a segurança ou nível da insegurança alimentar.

A segurança alimentar (0 pontos) significa o acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente; a insegurança alimentar leve (1 a 3 pontos), ocorre quando há preocupação ou incerteza quanto acesso aos alimentos no futuro ou qualidade inadequada dos alimentos; a insegurança alimentar moderada (4 a 5 pontos), se há redução quantitativa de alimentos e/ou ruptura nos padrões de alimentação resultante da falta de alimentos entre os adultos. Por último, a insegurança alimentar grave (6 a 8 pontos) é a redução quantitativa de alimentos também entre as crianças. Neste cenário, a fome passa a ser uma experiência vivida no domicílio.

Uma análise agregando dados do inquérito VigiSAN e do estudo das universidades indica que, em 2020, menos da metade da população estava em situação de segurança alimentar. A média desses dois levantamentos indica que 57,3% dos domicílios brasileiros enfrentam algum nível de dificuldade para se alimentar. Esse número se compõe por 33,2% dos domicílios em estado de insegurança alimentar leve, 12,1% média, enquanto 12% conviviam com a fome.

Entre as 5 regiões do país, o Nordeste tem os piores índices, com 72,5% da população com algum nível de insegurança alimentar. A região é seguida pelo Norte, com 65,4% e Centro-Oeste, com 54%.

Enquanto isso, as regiões com mais segurança alimentar são o Sul e o Sudeste. Segundo a pesquisa das universidades, o Sudeste tem 53,4% da população com insegurança alimentar e o Sul vem em seguida, com o menor nível de insegurança alimentar: 51,7%. Em paralelo, o inquérito da VigiSAN aponta que 46,9% dos domicílios no Sul e no Sudeste sofreram com a falta de alimentos em quantidade suficiente ou passavam fome.

Além disso, há diferenças na prevalência da insegurança alimentar entre regiões urbanas e rurais. Agregando as pesquisas VigiSAN e das universidades, 44,9% dos domicílios em áreas urbanas viviam uma situação de segurança alimentar. Enquanto isso, 33% enfrentavam insegurança leve, outros 10,9% insegurança média e 10,8% passavam fome.

Já nas áreas rurais ou com características rurais, há uma divergência grande entre as duas pesquisas: a VigiSAN aponta que 40% dos brasileiros no campo não tinham qualquer insegurança alimentar. Por outro lado, a pesquisa da FU-Berlin aponta que apenas 27,5% estavam nessa situação confortável.

Além disso, raça e gênero estão fortemente associados com o problema da fome no Brasil. Na pesquisa das universidades, a insegurança alimentar era mais frequente que a média em lares onde a mulher é a única responsável pela renda (73,8%); e também em domicílios chefiados por pessoas de raça ou cor parda (67,8%) e preta (66,8%).

O desmonte de políticas públicas

A lista de fatores agravantes da fome é extensa e antiga. A cadeia de produção de alimentos enfrenta problemas há séculos. No Brasil colonial, por exemplo, o incentivo à monocultura de exportação já contribuía para o negligenciamento da produção de alimentos para comunidades locais. Esse é um problema que persiste: um dossiê de 2021, produzido pela Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE) mostra que o cultivo da soja, por exemplo, vem tomando áreas de plantio de arroz e feijão.

Somente nos anos 90, depois da redemocratização, que a pauta da fome ganha mais força, num cenário de desemprego alto e crise econômica. O Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) é criado em 1993. Apenas dois anos depois, ele é extinto por Fernando Henrique Cardoso (PSDB), mas é reavivado em 2003 durante o governo Lula (PT), mesmo ano de criação do Fome Zero, a vitrine do primeiro mandato do ex-presidente.

O Fome Zero englobava iniciativas de reforma agrária, o Bolsa Família e restaurantes populares, com o objetivo de combater a fome e suas causas estruturais. Juntos, o Fome Zero e o Consea viriam a ser as peças mais importantes no aparato federal do combate a fome. Mas em janeiro de 2019, o Consea é extinto novamente, desta vez pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido)

Em um relatório de 2014, a FAO destacou que o combate à fome foi acelerado quando “eliminar a fome foi colocado no centro da agenda política brasileira”. A agência enfatizou a importância de um arcabouço de programas e estruturas: Fome Zero, o Consea, Brasil sem Miséria, o Bolsa Família e uma série de outras iniciativas que fortalecem a alimentação escolar e a agricultura familiar.

Esse arcabouço passou por uma expansão durante a década de 2000, com mais fundos direcionados aos programas e iniciativas. Contudo, ao longo da década seguinte, esse ritmo diminuiu. “Alguns programas e políticas, ou foram esvaziados porque não há recurso, ou foram destruídos”, comenta a antropóloga Maria Emília Pacheco, assessora da ONG FASE e presidente do Consea entre 2012 e 2016.

Um dos exemplos mais emblemáticos da desidratação do arcabouço de luta contra a fome foi justamente a extinção do Consea no primeiro dia do mandato de Bolsonaro, através de uma medida provisória. Essa medida diminuiu a participação da sociedade civil nas políticas nacionais de combate à fome e, segundo especialistas, representou um retrocesso na articulação entre União, estados e municípios na política de segurança alimentar.

Além disso, o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), através do qual o governo compra alimentos de pequenos produtores e os distribui para brasileiros necessitados, também sofreu com um esvaziamento de verbas empregadas: houve redução de 88,9% entre 2016 e 2020. Um estudo de pesquisadores do Ipea demonstra que o programa tinha potencial para mitigar os efeitos da pandemia na cadeia produtiva — tanto por continuar apoiando a produção de alimentos por pequenos agricultores, quanto por escoar alimentos saudáveis para pessoas carentes. Ao que tudo indica, o PAA também aqueceria a economia de pequenos municípios, mitigando as dificuldades econômicas da pandemia. Porém, apenas R$ 28,3 milhões foram efetivamente pagos pelo programa em 2020, um valor ínfimo para o governo federal.


Para muito além da pandemia, a antropóloga lista uma série de fatores que explicam a volta da fome a patamares de décadas atrás: a concentração agrária, a falta de estoques de alimentos, a expansão do agronegócio de exportação e os conflitos socioambientais. “O Brasil não enfrentou questões estruturais da desigualdade”, complementa, “não podemos dissociar a fome de questões raciais, de gênero e da população indígena”.

Para Pacheco, a pandemia de COVID-19 apenas agudizou uma situação que poderia ter sido mitigada. “Não precisávamos, não deveríamos ter chegado a esse quadro, se tivesse havido um compromisso ético com a proteção da população”, disse a especialista.

A antropóloga lembra que o direito ao alimento é garantia da Constituição, e diz que os programas de prevenção à fome são essenciais para a garantia da dignidade humana. Pacheco também diz que é necessário um duplo compromisso, da população e do Estado, para que a pauta siga em debate. “É uma pactuação necessária e permanente… falar de alimentação é falar do direito a vida”, comenta.


O questionário da insegurança alimentar

Para cada resposta afirmativa, é computado um “ponto”. O número de “pontos” de cada respondente indica o grau de insegurança alimentar.

  1. Os(as) moradores(as) deste domicílio tiveram a preocupação de que os alimentos acabassem antes de poderem comprar ou receber mais comida?
  2. Os alimentos acabaram antes que tivessem dinheiro para comprar mais comida?
  3. Os(as) moradores(as) deste domicílio ficaram sem dinheiro para ter uma alimentação saudável e variada?
  4. Os(as) moradores(as) deste domicílio comeram apenas alguns poucos tipos de alimentos que ainda tinham, porque o dinheiro acabou?
  5. Algum(a) morador(a) de 18 anos ou mais de idade deixou de fazer alguma refeição, porque não havia dinheiro para comprar comida?
  6. Algum(a) morador(a) de 18 anos ou mais de idade, alguma vez, comeu menos do que achou que devia, porque não havia dinheiro para comprar comida?
  7. Algum(a) morador(a) de 18 anos ou mais de idade, alguma vez, sentiu fome, mas não comeu, porque não havia dinheiro para comprar comida?
  8. Algum morador de 18 anos ou mais de idade, alguma vez, fez apenas uma refeição ao dia ou ficou um dia inteiro sem comer porque não havia dinheiro para comprar comida?

Dados utilizados na matéria: “VIGISAN: Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil” (Rede PENSSAN/Vox Populi); “Efeitos da pandemia na alimentação e na situação da segurança alimentar no Brasil” (Eryka Galindo, Marco Antonio Teixeira, Melissa de Araújo, Renata Motta, Milene Pessoa, Larissa Mendes e Lúcio Rennó/IBPAD); Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios Contínua (IBGE); Pesquisa de Orçamentos Familiares (IBGE).

Contribuiu com dados Daniel Ferreira.

Para reproduzir os números e os gráficos desta reportagem, o código pode ser encontrado aqui.

Créditos da imagem: Altemar Alcântara/Prefeitura de Manaus.

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