O Plano Diretor de São Paulo e sua revisão, explicados


Um balanço da implementação do Plano Diretor desde 2014, e os debates que vêm pela frente
POR PEDRO SIEMSEN • 16/06/2021

O objetivo de um plano diretor é direcionar o crescimento de uma cidade, servindo de guia para a gestão municipal. Numa cidade como São Paulo, o plano diretor afeta diversos aspectos do dia a dia de milhões de pessoas, tanto no município como em sua região metropolitana. Também exerce forte influência sobre a economia da maior cidade do país.

Neste ano, está prevista uma revisão intermediária do Plano Diretor Estratégico (PDE) de São Paulo, estabelecido em 2014. Para contextualizar o que pode mudar, o Pindograma explica as políticas e objetivos principais do PDE atual. Em seguida, mostramos como o plano vem sendo implementado nas gestões do PT e PSDB desde 2014. Por fim, apresentamos as discussões sobre a revisão do plano diretor, prevista para esse ano.


A criação do plano em 2014

Na cidade de São Paulo, precursora das tendências de planejamento urbano no Brasil, o primeiro plano diretor foi criado ainda durante a ditadura militar, em 1971. Os próximos dois planos foram desenvolvendo as práticas de urbanismo da cidade, em 1988 e 2002. O plano de 2002 estabeleceu as bases que pautaram as discussões da criação do plano de 2014: a ideia de tornar a cidade mais inclusiva, de trazer mais pessoas para os bairros centrais, além de introduzir novos instrumentos como o IPTU progressivo.

A renovação do plano em 2014 foi tomada como uma oportunidade de estabelecer muito debate e diálogo com diferentes agentes da sociedade civil para definir as prioridades da cidade. São Paulo aprovou um plano que foi premiado internacionalmente e vem pautando a discussão sobre o urbanismo da cidade até hoje.

Segundo o texto da lei, seus principais objetivos são:

  • Compactação da cidade: Uma cidade compacta é uma cidade onde trabalhadores moram perto de seus empregos, gozando de boa qualidade de vida e tendo fácil acesso a serviços como educação, saúde, parques, cultura e comércio em seus bairros. Esse modo de vida resulta em menos tempo no transporte, situação que é melhor para o meio-ambiente e favorece a população de renda mais baixa.
  • Promover o crescimento econômico para todos: O PDE de 2014 se propôs a diminuir as desigualdades de São Paulo, e busca corrigir a falta de acesso à habitação, emprego e serviços para a maior parte da população.
  • Participação popular: Foram mais de 100 audiências públicas (em 2002 haviam sido apenas 23) ao longo de 2013 e 2014, nas quais entidades da sociedade civil e cidadãos comuns foram escutados para definir uma agenda que refletia as vontades dos paulistanos. O plano prevê que essa participação continue por meio de conselhos consultivos e outros mecanismos que incluam a sociedade na implementação dos objetivos.

O Plano e sua implementação

Para atingir esses objetivos, o PDE prevê a criação de uma série de instrumentos administrativos e jurídicos que devem guiar o crescimento urbano. Aqui estão os mais relevantes e como está sendo a sua implementação:

I

Uma das principais medidas do Plano Diretor foi estabelecer novos limites para o tamanho dos imóveis.

O coeficiente de aproveitamento (CA) é um número que reflete o quanto de um terreno está sendo aproveitado pelo edifício que o ocupa. Por exemplo, se você compra um terreno de 500 m² e constrói 250 m² de área utilizável, o CA é de 0,5. Se houver 500 m² de área construída, o CA é de 1,0. Se houver 1.000 m² de área construída, o CA é de 2,0, e assim por diante.

Desde antes do Plano Diretor de 2014, já havia três limites para o CA de cada imóvel: o coeficiente de aproveitamento mínimo, o coeficiente de aproveitamento básico e o coeficiente de aproveitamento máximo.

Em São Paulo, nenhum imóvel pode ser construído com um CA menor que o mínimo, ou maior que o máximo. Imóveis com CA entre o mínimo e o básico podem ser construídos sem contrapartidas ao Estado. Já os imóveis com o CA entre o básico e o máximo só podem ser construídos se pagarem a Outorga Onerosa do Direito de Construir.

O Plano prevê que todos os recursos arrecadados por pagamentos de outorga onerosa sejam direcionados ao Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb), que existe desde 2002. O Fundurb é orientado por lei a investir seus recursos em melhorias urbanas, como habitações de interesse social e melhorias de transporte público. Ele também se propõe a ter um caráter redistributivo, pois a maioria dos edifícios que pagam a outorga onerosa são concentrados nas áreas mais infraestruturadas da cidade, enquanto os investimentos deveriam ser majoritariamente direcionados a áreas periféricas e com menos infraestrutura.

O Plano Diretor de 2014 definiu um CA básico de 1,0 e um CA máximo de 2,0 como o padrão da cidade de São Paulo. Ou seja, em grande parte da cidade, o limite de construção é de apenas 2 vezes a área do terreno. O objetivo da medida é uniformizar a ocupação do solo em diferentes áreas da cidade e limitar o crescimento vertical na maioria das áreas do município.

No entanto, a Lei de Zoneamento de 2016 especificou um território de transformação na cidade. Ele engloba praticamente toda a região das margens do Tietê e do Pinheiros. Também inclui as regiões no entorno das linhas de trem e metrô, indo da Vila Madalena, bairro de renda alta, até Guaianases, bairro periférico paulistano. O plano busca concentrar a expansão urbana e a verticalização no território de transformação. Por isso, definiu o CA máximo dele como 4,0, permitindo edifícios maiores.

Território de transformação (Prefeitura de São Paulo)

Segundo dados da Secretaria de Urbanismo e Licenciamento, o plano e a nova lei de zoneamento tiveram um impacto real na distribuição de novos edifícios na cidade. Em 2014, apenas 10% dos novos empreendimentos se encontravam no território de transformação. Em 2018, essa cifra subiu para 33%.

No entanto, ainda há certa desigualdade na distribuição desses empreendimentos: os bairros mais ricos e centrais do território de transformação têm recebido mais edifícios novos que os bairros periféricos. Por exemplo, há muito mais lançamentos no território na Vila Mariana, bairro de renda alta perto do Centro, do que em Itaquera, no coração da Zona Leste.

Quanto à outorga onerosa — pelo menos em termos de trazer dinheiro para a Prefeitura, o instrumento parece estar dando frutos. Quando foi instituído, em 2004, o Fundurb arrecadou apenas alguns milhões. Nos anos seguintes, a quantia arrecadada aumentou muito e chegou perto de R$ 200 milhões por ano entre 2014 e 2017. A partir de 2018, a outorga onerosa trouxe uma arrecadação ainda maior à Prefeitura, de cerca de R$ 330 milhões.

II

Para lutar contra o déficit habitacional, o PDE prevê três instrumentos principais. O Fundurb é o primeiro deles: por lei, o fundo reserva 30% dos seus recursos para investimentos em habitação.

O segundo instrumento são as cinco Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) definidas pela cidade. Elas são áreas prioritárias para a produção de Habitações de Interesse Social. Por exemplo, o distrito de Brasilândia, marcado por favelas e loteamentos irregulares, teve grande parte de seu território incluído na ZEIS 1.

A cota de solidariedade é o terceiro instrumento. Ela se aplica a empreendimentos imobiliários a partir de 20 mil metros quadrados. A legislação estabelecida no PDE exige que esses empreendimentos construam habitações de interesse social que representem pelo menos 10% de suas áreas, ou que repassem recursos equivalentes para o Fundurb. Nas ZEIS essa cota é maior, subindo para 60% da área total do empreendimento, com o objetivo de priorizar a construção de habitação acessível a pessoas de baixa renda.

Além disso, o Plano prevê a criação de Projetos de Intervenção Urbana (PIU) com foco no território de transformação, buscando promover desenvolvimento econômico e construção de mais moradia nessas áreas. Um exemplo é o PIU do Arco do Tamanduateí.

Segundo o relatório sobre a implementação do Plano Diretor, publicado pela prefeitura em 2020, R$ 620 milhões oriundos do Fundurb foram investidos na construção de habitações de interesse social nos últimos anos. Também foram construídas nas ZEIS cerca de 180 mil unidades de habitação de interesse social ou de mercado popular nesse período, financiadas em parte pelos recursos do Fundurb.

Por outro lado, os últimos anos têm demonstrado dificuldades na implementação dos Projetos de Intervenção Urbana (PIUs). Desde 2014, apenas 4 PIUs foram aprovados e 17 propostos, de acordo com a prefeitura. Porém, é difícil acompanhar a implementação deles. Na página de gestão urbanística da prefeitura, só é possível ver informações de 2018. Enquanto isso, há 3 PIUs tramitando na Câmara Municipal. O PIU do Arco do Tietê, que foi arquivado pelo então prefeito João Dória, está sendo revisado faz quase 4 anos.

O déficit habitacional da cidade continua crescendo e atingiu o número de 474 mil moradias em 2019.

Um dos maiores obstáculos para a implementação completa do PDE é que o Plano Municipal de Habitação (PMH) ainda não foi aprovado pela Câmara Municipal, onde tramita desde 2016.

O PMH tem como objetivo regularizar imóveis de interesse social, guiar a urbanização de áreas precárias, implementar medidas de transparência e criar instrumentos para mediar conflitos de interesse entre poder público, proprietários privados e os sem-teto. Além disso, o PMH deveria definir a destinação dos recursos do Fundurb, a aplicação da Cota de Solidariedade em contextos específicos, a participação dos conselhos deliberativos das ZEIS e como essas mudanças deveriam ser articuladas em cada área do PDE.

Na falta de um plano unificado para viabilizar a implementação de uma estratégia detalhada para toda São Paulo, a Secretaria Municipal de Habitação tem, por ora, a responsabilidade de “gerir e executar”, discricionariamente, a política de habitação social na cidade.

III

O Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios (PEUC) e o IPTU Progressivo são outras ferramentas do Plano para aumentar a oferta de moradia na cidade. Eles foram planejados para combater a ociosidade de imóveis e a especulação imobiliária.

Resumidamente, imóveis não podem ficar parados: eles precisam cumprir uma “função social”. Para isso, o plano exige que um edifício ou terreno subutilizado apresente um projeto de como pretende aumentar o aproveitamento de seu espaço. Caso contrário, pode ser aplicado o IPTU progressivo, com impostos aumentando a cada ano até que o proprietário apresente um plano de utilização. Se ele não apresentar um plano, o imóvel pode ser desapropriado.

Imóvel abandonado em São Paulo (Douglas Nascimento)

Em um relatório da prefeitura publicado em 2020, é mencionado que o PEUC está sendo “aplicado” na cidade. Segundo os números, 1.425 imóveis foram notificados por ociosidade desde 2014. No entanto, apenas 8% dessas notificações ocorreram desde 2017, quando João Doria (PSDB) assumiu a prefeitura. O relatório também mostra que apenas 3 imóveis estão com processos de desapropriação tramitando. A coordenadora de urbanismo do instituto Pólis, Margareth Uemura, afirmou em entrevista ao Pindograma que a falta de celeridade nesses processos não é suficiente e a prefeitura indica “falta de vontade política”.

Também não foi implementado o Consórcio Imobiliário. O consórcio seria um acordo entre o dono do imóvel e a prefeitura, no qual o cidadão cede a propriedade ociosa para a prefeitura rapidamente para que a sociedade possa usufruir do imóvel. Em contrapartida, o dono receberia lotes ou apartamentos no imóvel renovado. Essa ideia não saiu do papel.

IV

A questão ambiental, notoriamente maltratada em São Paulo, também entrou no Plano. Parte do município foi demarcada como zona rural com áreas para a proteção ambiental específicas, o que não ocorria antes. Nesses locais há muito mais limitações de construção, na intenção de proteger a mata nativa e os mananciais da cidade. Eles estão principalmente no extremo sul e extremo norte do município, áreas onde a Mata Atlântica ainda remanesce e que são parte do Cinturão Verde da Região Metropolitana.

Cinturão verde de São Paulo (Instituto Auá)

Buscando promover a preservação ambiental, também foi criado o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), através do qual proprietários de imóveis que preservem ou restaurem áreas de importância ambiental podem receber uma compensação financeira por isso. Por fim, planejou-se a criação de quase 200 parques e a criação de um Fundo Municipal de Parques, para financiar a sua construção.

No entanto, diferente do que foi previsto no PDE, não houve a criação do Fundo Municipal de Parques, nem foi planejado como ocorreria o Pagamento por Serviços Ambientais.

Ainda assim, alguns projetos de parques lineares e outros parques, como o Parque da Augusta, vêm avançando. Além disso, foi aprovado o Plano Municipal da Mata Atlântica, que incentiva a recuperação de áreas desmatadas no município, acompanhado por um aumento da área de zonas ambientais.

V

O Plano busca também salvaguardar as regiões denominadas como “miolos” de bairros, para “qualificar a vida urbana”. Nesses locais há mais limitações para construção do que em outras áreas da cidade, embora haja incentivos para a extensão de serviços públicos e atividades culturais. A prioridade do Plano é o uso misto desses espaços, ou seja, ter empreendimentos que sejam residenciais e comerciais ao mesmo tempo, para que as áreas sejam núcleos de vida econômica e social.

Os miolos tiveram números de construção menores após a aprovação do plano em 2014. As restrições de construção nos miolos foi um dos pontos mais questionados durante a votação do plano e também nos últimos anos.

VI

Além disso, o Plano coloca a participação e engajamento popular como essenciais para o desenvolvimento da cidade.

Nesse sentido, foi previsto o fortalecimento dos planos de bairro, que são como planos diretores para cada bairro da cidade, criados pelos próprios moradores. Aumentar a autonomia dos bairros era vista como uma maneira de aumentar a participação popular e trazer os moradores do bairro para as discussões de políticas públicas da cidade.

A participação popular também ocorre em outras instâncias, como o Conselho Deliberativo do Fundurb e o Conselho Municipal de Política Urbana (CMPU).

Por fim, o PDE também coloca o Sistema de Monitoramento do plano à disposição dos cidadãos, como ferramenta importante de transparência para a sociedade.

Na prática, o CMPU foi formado de acordo com o planejado, servindo como uma maneira de cobrar as ações da prefeitura. A eleição para o biênio 2019-2021 foi realizada em setembro de 2019 e definiu os membros do conselho atual.

Já em relação ao monitoramento da implementação do plano, a condição dos dados de acompanhamento do PDE disponíveis não facilita o balanço das mudanças dos últimos 7 anos. Por mais que a cidade de São Paulo se destaque positivamente por ter ótimas plataformas de acesso a dados, como o Geosampa e o Observa Sampa, não há plataformas simples para o acompanhamento da implementação do PDE. A Secretaria de Urbanismo e Licenciamento disponibiliza uma página de monitoramento, porém ela é complexa e não parece ser feita com acessibilidade a pessoas leigas em mente.

Até 2019, apenas um plano de bairro havia sido aprovado, cumprindo todas as exigências do PDE. Moradores do Jardim Lapenna, na Zona Leste, foram responsáveis pela criação de um plano que incluiria 32 ações urbanísticas para melhorar a condição de um bairro de 12 mil habitantes. A falta de outros planos é outra evidência de que o aumento da participação popular não está se consolidando como o que era previsto. Assim, a política na cidade continua sendo mais centralizada do que localizada.

VII

Para tornar a cidade menos centrada no automóvel, o PDE determina a priorização do transporte coletivo e a priorização do pedestre. Aí estão incluídas propostas de aumentar corredores de ônibus e a rede ferroviária da cidade. Outros sistemas, como o hidroviário e o de logística e cargas, também são incluídos na estratégia, para aumentar a sua eficiência e diminuir seu impacto ambiental.

O plano também determina que 30% do Fundurb deve ser direcionado para investimentos relacionados à mobilidade, garantindo uma fonte de financiamento para essas melhorias.

Priorizando meios de transporte ativo, como caminhadas e bicicletas, o Plano de Mobilidade Urbana (PMU) aprovado em 2015 estipulou objetivos ambiciosos para a expansão de ciclovias e calçadas. Um dos objetivos era implantar 400 km de ciclovias até 2016, o que foi cumprido. Iniciada durante a gestão Haddad e continuada depois, houve uma expansão considerável da malha de ciclovias na cidade e, segundo a prefeitura, houve uma diminuição de 13% no tempo médio de deslocamento da casa ao trabalho.

Ciclovia em São Paulo (Fernando Pereira/Secom/PMSP)

Algumas partes do PMU, no entanto, ainda não foram implementadas. Por exemplo, o plano previa a implementação de 300 km de corredores de ônibus até 2020, mas apenas 50 km foram construídos. Essa falha na aplicação do PMU se soma aos diversos atrasos nas construções de novas linhas de trem e metrô na região metropolitana de São Paulo, que estão a cargo do governo estadual.

Já o Fundurb destinou R$ 430 milhões em investimentos ao sistema coletivo de transporte público da cidade. Os investimentos parecem ter rendido frutos, com um aumento na taxa de pessoas que usam transporte público, segundo a pesquisa Origem e Destino de 2017. Ainda não é possível, porém, visualizar os efeitos dos últimos 4 anos em detalhe, especialmente considerando o impacto do distanciamento social no número de pessoas que usa transporte público diariamente.

Em 2019, ocorreu uma mudança polêmica ao texto da lei do Fundurb, incluindo a permissão para gastos com melhorias das vias estruturais. Em um seminário sobre o assunto, a professora do Insper Bianca Tavolari, pesquisadora de cidades e Direito, criticou a mudança. Ela acredita que a medida se distancia dos princípios do Plano Diretor, que incluem tornar a cidade menos dependente do carro e induzir um investimento maior no transporte público.

Outra medida que se mostrou eficaz nos últimos anos foram as limitações no número de garagens. O PDE institui o objetivo de criar uma cidade menos dependente do automóvel e para isso estabelece a necessidade de outorga onerosa para construir vagas de garagem, caso um empreendimento tenha mais do que uma vaga de garagem por 70 m². Isso teve um efeito claro na construção de novos empreendimentos. De acordo com um levantamento da Embraesp divulgado pela prefeitura, a maioria dos novos empreendimentos vêm sendo construídos sem vagas de estacionamento.

A revisão do plano diretor em 2021

Um dos pontos do Plano aprovado em 2014 era a previsão de uma revisão em 2021. Diferente de planos anteriores, a premissa era de garantir a continuidade do plano como um projeto da cidade e não de uma gestão específica.

Porém, o PDE não tinha como prever a pandemia causada pelo coronavírus e as dificuldades que ela traz para o processo de participação popular. Hoje, há uma série de questionamentos sobre manter sua revisão para este ano. O secretário de Urbanismo e Licenciamento da cidade César Azevedo tem sido ativo em diversos seminários promovidos sobre o assunto. Ele tem comunicado que a revisão será feita de maneira híbrida, contando tanto com consultas físicas como debates virtuais.

A Secretaria reforça que a revisão “busca ser pontual” e tem apenas o objetivo de “aperfeiçoar os instrumentos do plano”. Quando questionado sobre quais pontos concretamente devem ser mudados, o órgão afirmou ao Pindograma em nota oficial que um “diagnóstico elaborado por uma equipe técnica multidisciplinar composta por professores da USP” complementará as “providências técnicas que já vem sendo adotadas” para fazer “uma calibragem dos pontos que precisam ser ajustados”. Ou seja, ainda não parece haver transparência acerca das propostas de revisão do plano.

Essa falta de posicionamento tem sido criticada por instituições da sociedade civil, como o Instituto Pólis, que se posiciona de maneira contrária à revisão em 2021. A urbanista do Pólis Margareth Uemura explicou ao Pindograma que “quando dizemos ‘adia a revisão’, é porque não temos nem conteúdo e nem condições sanitárias para ela. A gente tem muitos motivos para que o processo não precise ser esse afogadilho que está sendo promovido pela prefeitura de São Paulo”.

Uemura questiona por que “há uma pressa, por parte da prefeitura pra aprovar o plano diretor, mas não há pressa pra aprovar o Plano Municipal de Habitação (PMH)”, que está tramitando na Câmara Municipal desde 2016 e era uma das previsões do PDE.

Agentes da sociedade civil como o Pólis temem que a janela da pandemia vai favorecer o lobby de empresas imobiliárias em detrimento dos interesses da população mais vulnerável. Será praticamente impossível atingir o mesmo grau de participação popular atingido em 2014, quando houve mais de 100 audiências públicas e intenso debate com a sociedade sobre o plano, em um ano de pandemia.

Contudo, a revisão parece seguir a todo vapor, e um ponto de contestação importante durante as discussões deste ano devem ser as diretrizes relacionadas à proteção dos miolos de bairro. No PDE, há uma série de limitações para construções nessas regiões, entre as quais um CA máximo de 2,0 e um limite de 8 andares para todos os novos empreendimentos nos miolos, que torna a construção de prédios grandes impossível.

Exemplo de prédio de uso misto (Imagem Perspectiva/Mar Incorporações)

Ainda em 2019, a prefeitura apresentou uma minuta que buscava aumentar os limites de construção nas áreas de uso misto nos miolos de bairro. As discussões sobre a medida foram premonitórias para a revisão em 2021, porque o assunto segue como um dos mais relevantes nas discussões sobre a revisão do plano.

As limitações de construções em miolos de bairros continuam polêmicas 7 anos depois. Em nota oficial, Basilio Jafet, presidente do SECOVI-SP, afirmou que “em quase toda a cidade há limites de altura dos prédios (apenas oito andares), encarecendo o preço final das habitações. As caras outorgas onerosas e tantas outras exigências conduzem o setor a empreender nos arrabaldes”.

Segundo Jafet, o PDE tem intenções louváveis mas acaba por dificultar as atividades e produção de habitações. Ele pede que a revisão desse ano seja feita “sem viés ideológico” e afirma que o verdadeiro inimigo da cidade não é a “voracidade do mercado” mas o déficit habitacional, “verdadeiro vampiro da qualidade de vida”.

Se a revisão seguir, o que parece ser o caso, resta ver como serão implementadas as consultas públicas e quais serão os esforços para incentivar a participação dos paulistanos. Finalizadas as consultas e discussões, a revisão seguirá para a Câmara Municipal para o crivo dos vereadores da cidade. Nessa etapa, é possível que a proposta seja rejeitada e o texto original do plano seja mantido.


Créditos da imagem: Rodrigo Soldon/Flickr.

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Pedro Siemsen é repórter do Pindograma.

O Plano Diretor de São Paulo e sua revisão, explicados

Um balanço da implementação do Plano Diretor desde 2014, e os debates que vêm pela frente

POR PEDRO SIEMSEN

16/06/2021

O objetivo de um plano diretor é direcionar o crescimento de uma cidade, servindo de guia para a gestão municipal. Numa cidade como São Paulo, o plano diretor afeta diversos aspectos do dia a dia de milhões de pessoas, tanto no município como em sua região metropolitana. Também exerce forte influência sobre a economia da maior cidade do país.

Neste ano, está prevista uma revisão intermediária do Plano Diretor Estratégico (PDE) de São Paulo, estabelecido em 2014. Para contextualizar o que pode mudar, o Pindograma explica as políticas e objetivos principais do PDE atual. Em seguida, mostramos como o plano vem sendo implementado nas gestões do PT e PSDB desde 2014. Por fim, apresentamos as discussões sobre a revisão do plano diretor, prevista para esse ano.


A criação do plano em 2014

Na cidade de São Paulo, precursora das tendências de planejamento urbano no Brasil, o primeiro plano diretor foi criado ainda durante a ditadura militar, em 1971. Os próximos dois planos foram desenvolvendo as práticas de urbanismo da cidade, em 1988 e 2002. O plano de 2002 estabeleceu as bases que pautaram as discussões da criação do plano de 2014: a ideia de tornar a cidade mais inclusiva, de trazer mais pessoas para os bairros centrais, além de introduzir novos instrumentos como o IPTU progressivo.

A renovação do plano em 2014 foi tomada como uma oportunidade de estabelecer muito debate e diálogo com diferentes agentes da sociedade civil para definir as prioridades da cidade. São Paulo aprovou um plano que foi premiado internacionalmente e vem pautando a discussão sobre o urbanismo da cidade até hoje.

Segundo o texto da lei, seus principais objetivos são:

  • Compactação da cidade: Uma cidade compacta é uma cidade onde trabalhadores moram perto de seus empregos, gozando de boa qualidade de vida e tendo fácil acesso a serviços como educação, saúde, parques, cultura e comércio em seus bairros. Esse modo de vida resulta em menos tempo no transporte, situação que é melhor para o meio-ambiente e favorece a população de renda mais baixa.
  • Promover o crescimento econômico para todos: O PDE de 2014 se propôs a diminuir as desigualdades de São Paulo, e busca corrigir a falta de acesso à habitação, emprego e serviços para a maior parte da população.
  • Participação popular: Foram mais de 100 audiências públicas (em 2002 haviam sido apenas 23) ao longo de 2013 e 2014, nas quais entidades da sociedade civil e cidadãos comuns foram escutados para definir uma agenda que refletia as vontades dos paulistanos. O plano prevê que essa participação continue por meio de conselhos consultivos e outros mecanismos que incluam a sociedade na implementação dos objetivos.

O Plano e sua implementação

Para atingir esses objetivos, o PDE prevê a criação de uma série de instrumentos administrativos e jurídicos que devem guiar o crescimento urbano. Aqui estão os mais relevantes e como está sendo a sua implementação:

I

Uma das principais medidas do Plano Diretor foi estabelecer novos limites para o tamanho dos imóveis.

O coeficiente de aproveitamento (CA) é um número que reflete o quanto de um terreno está sendo aproveitado pelo edifício que o ocupa. Por exemplo, se você compra um terreno de 500 m² e constrói 250 m² de área utilizável, o CA é de 0,5. Se houver 500 m² de área construída, o CA é de 1,0. Se houver 1.000 m² de área construída, o CA é de 2,0, e assim por diante.

Desde antes do Plano Diretor de 2014, já havia três limites para o CA de cada imóvel: o coeficiente de aproveitamento mínimo, o coeficiente de aproveitamento básico e o coeficiente de aproveitamento máximo.

Em São Paulo, nenhum imóvel pode ser construído com um CA menor que o mínimo, ou maior que o máximo. Imóveis com CA entre o mínimo e o básico podem ser construídos sem contrapartidas ao Estado. Já os imóveis com o CA entre o básico e o máximo só podem ser construídos se pagarem a Outorga Onerosa do Direito de Construir.

O Plano prevê que todos os recursos arrecadados por pagamentos de outorga onerosa sejam direcionados ao Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb), que existe desde 2002. O Fundurb é orientado por lei a investir seus recursos em melhorias urbanas, como habitações de interesse social e melhorias de transporte público. Ele também se propõe a ter um caráter redistributivo, pois a maioria dos edifícios que pagam a outorga onerosa são concentrados nas áreas mais infraestruturadas da cidade, enquanto os investimentos deveriam ser majoritariamente direcionados a áreas periféricas e com menos infraestrutura.

O Plano Diretor de 2014 definiu um CA básico de 1,0 e um CA máximo de 2,0 como o padrão da cidade de São Paulo. Ou seja, em grande parte da cidade, o limite de construção é de apenas 2 vezes a área do terreno. O objetivo da medida é uniformizar a ocupação do solo em diferentes áreas da cidade e limitar o crescimento vertical na maioria das áreas do município.

No entanto, a Lei de Zoneamento de 2016 especificou um território de transformação na cidade. Ele engloba praticamente toda a região das margens do Tietê e do Pinheiros. Também inclui as regiões no entorno das linhas de trem e metrô, indo da Vila Madalena, bairro de renda alta, até Guaianases, bairro periférico paulistano. O plano busca concentrar a expansão urbana e a verticalização no território de transformação. Por isso, definiu o CA máximo dele como 4,0, permitindo edifícios maiores.

Território de transformação (Prefeitura de São Paulo)

Segundo dados da Secretaria de Urbanismo e Licenciamento, o plano e a nova lei de zoneamento tiveram um impacto real na distribuição de novos edifícios na cidade. Em 2014, apenas 10% dos novos empreendimentos se encontravam no território de transformação. Em 2018, essa cifra subiu para 33%.

No entanto, ainda há certa desigualdade na distribuição desses empreendimentos: os bairros mais ricos e centrais do território de transformação têm recebido mais edifícios novos que os bairros periféricos. Por exemplo, há muito mais lançamentos no território na Vila Mariana, bairro de renda alta perto do Centro, do que em Itaquera, no coração da Zona Leste.

Quanto à outorga onerosa — pelo menos em termos de trazer dinheiro para a Prefeitura, o instrumento parece estar dando frutos. Quando foi instituído, em 2004, o Fundurb arrecadou apenas alguns milhões. Nos anos seguintes, a quantia arrecadada aumentou muito e chegou perto de R$ 200 milhões por ano entre 2014 e 2017. A partir de 2018, a outorga onerosa trouxe uma arrecadação ainda maior à Prefeitura, de cerca de R$ 330 milhões.

II

Para lutar contra o déficit habitacional, o PDE prevê três instrumentos principais. O Fundurb é o primeiro deles: por lei, o fundo reserva 30% dos seus recursos para investimentos em habitação.

O segundo instrumento são as cinco Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) definidas pela cidade. Elas são áreas prioritárias para a produção de Habitações de Interesse Social. Por exemplo, o distrito de Brasilândia, marcado por favelas e loteamentos irregulares, teve grande parte de seu território incluído na ZEIS 1.

A cota de solidariedade é o terceiro instrumento. Ela se aplica a empreendimentos imobiliários a partir de 20 mil metros quadrados. A legislação estabelecida no PDE exige que esses empreendimentos construam habitações de interesse social que representem pelo menos 10% de suas áreas, ou que repassem recursos equivalentes para o Fundurb. Nas ZEIS essa cota é maior, subindo para 60% da área total do empreendimento, com o objetivo de priorizar a construção de habitação acessível a pessoas de baixa renda.

Além disso, o Plano prevê a criação de Projetos de Intervenção Urbana (PIU) com foco no território de transformação, buscando promover desenvolvimento econômico e construção de mais moradia nessas áreas. Um exemplo é o PIU do Arco do Tamanduateí.

Segundo o relatório sobre a implementação do Plano Diretor, publicado pela prefeitura em 2020, R$ 620 milhões oriundos do Fundurb foram investidos na construção de habitações de interesse social nos últimos anos. Também foram construídas nas ZEIS cerca de 180 mil unidades de habitação de interesse social ou de mercado popular nesse período, financiadas em parte pelos recursos do Fundurb.

Por outro lado, os últimos anos têm demonstrado dificuldades na implementação dos Projetos de Intervenção Urbana (PIUs). Desde 2014, apenas 4 PIUs foram aprovados e 17 propostos, de acordo com a prefeitura. Porém, é difícil acompanhar a implementação deles. Na página de gestão urbanística da prefeitura, só é possível ver informações de 2018. Enquanto isso, há 3 PIUs tramitando na Câmara Municipal. O PIU do Arco do Tietê, que foi arquivado pelo então prefeito João Dória, está sendo revisado faz quase 4 anos.

O déficit habitacional da cidade continua crescendo e atingiu o número de 474 mil moradias em 2019.

Um dos maiores obstáculos para a implementação completa do PDE é que o Plano Municipal de Habitação (PMH) ainda não foi aprovado pela Câmara Municipal, onde tramita desde 2016.

O PMH tem como objetivo regularizar imóveis de interesse social, guiar a urbanização de áreas precárias, implementar medidas de transparência e criar instrumentos para mediar conflitos de interesse entre poder público, proprietários privados e os sem-teto. Além disso, o PMH deveria definir a destinação dos recursos do Fundurb, a aplicação da Cota de Solidariedade em contextos específicos, a participação dos conselhos deliberativos das ZEIS e como essas mudanças deveriam ser articuladas em cada área do PDE.

Na falta de um plano unificado para viabilizar a implementação de uma estratégia detalhada para toda São Paulo, a Secretaria Municipal de Habitação tem, por ora, a responsabilidade de “gerir e executar”, discricionariamente, a política de habitação social na cidade.

III

O Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios (PEUC) e o IPTU Progressivo são outras ferramentas do Plano para aumentar a oferta de moradia na cidade. Eles foram planejados para combater a ociosidade de imóveis e a especulação imobiliária.

Resumidamente, imóveis não podem ficar parados: eles precisam cumprir uma “função social”. Para isso, o plano exige que um edifício ou terreno subutilizado apresente um projeto de como pretende aumentar o aproveitamento de seu espaço. Caso contrário, pode ser aplicado o IPTU progressivo, com impostos aumentando a cada ano até que o proprietário apresente um plano de utilização. Se ele não apresentar um plano, o imóvel pode ser desapropriado.

Imóvel abandonado em São Paulo (Douglas Nascimento)

Em um relatório da prefeitura publicado em 2020, é mencionado que o PEUC está sendo “aplicado” na cidade. Segundo os números, 1.425 imóveis foram notificados por ociosidade desde 2014. No entanto, apenas 8% dessas notificações ocorreram desde 2017, quando João Doria (PSDB) assumiu a prefeitura. O relatório também mostra que apenas 3 imóveis estão com processos de desapropriação tramitando. A coordenadora de urbanismo do instituto Pólis, Margareth Uemura, afirmou em entrevista ao Pindograma que a falta de celeridade nesses processos não é suficiente e a prefeitura indica “falta de vontade política”.

Também não foi implementado o Consórcio Imobiliário. O consórcio seria um acordo entre o dono do imóvel e a prefeitura, no qual o cidadão cede a propriedade ociosa para a prefeitura rapidamente para que a sociedade possa usufruir do imóvel. Em contrapartida, o dono receberia lotes ou apartamentos no imóvel renovado. Essa ideia não saiu do papel.

IV

A questão ambiental, notoriamente maltratada em São Paulo, também entrou no Plano. Parte do município foi demarcada como zona rural com áreas para a proteção ambiental específicas, o que não ocorria antes. Nesses locais há muito mais limitações de construção, na intenção de proteger a mata nativa e os mananciais da cidade. Eles estão principalmente no extremo sul e extremo norte do município, áreas onde a Mata Atlântica ainda remanesce e que são parte do Cinturão Verde da Região Metropolitana.

Cinturão verde de São Paulo (Instituto Auá)

Buscando promover a preservação ambiental, também foi criado o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), através do qual proprietários de imóveis que preservem ou restaurem áreas de importância ambiental podem receber uma compensação financeira por isso. Por fim, planejou-se a criação de quase 200 parques e a criação de um Fundo Municipal de Parques, para financiar a sua construção.

No entanto, diferente do que foi previsto no PDE, não houve a criação do Fundo Municipal de Parques, nem foi planejado como ocorreria o Pagamento por Serviços Ambientais.

Ainda assim, alguns projetos de parques lineares e outros parques, como o Parque da Augusta, vêm avançando. Além disso, foi aprovado o Plano Municipal da Mata Atlântica, que incentiva a recuperação de áreas desmatadas no município, acompanhado por um aumento da área de zonas ambientais.

V

O Plano busca também salvaguardar as regiões denominadas como “miolos” de bairros, para “qualificar a vida urbana”. Nesses locais há mais limitações para construção do que em outras áreas da cidade, embora haja incentivos para a extensão de serviços públicos e atividades culturais. A prioridade do Plano é o uso misto desses espaços, ou seja, ter empreendimentos que sejam residenciais e comerciais ao mesmo tempo, para que as áreas sejam núcleos de vida econômica e social.

Os miolos tiveram números de construção menores após a aprovação do plano em 2014. As restrições de construção nos miolos foi um dos pontos mais questionados durante a votação do plano e também nos últimos anos.

VI

Além disso, o Plano coloca a participação e engajamento popular como essenciais para o desenvolvimento da cidade.

Nesse sentido, foi previsto o fortalecimento dos planos de bairro, que são como planos diretores para cada bairro da cidade, criados pelos próprios moradores. Aumentar a autonomia dos bairros era vista como uma maneira de aumentar a participação popular e trazer os moradores do bairro para as discussões de políticas públicas da cidade.

A participação popular também ocorre em outras instâncias, como o Conselho Deliberativo do Fundurb e o Conselho Municipal de Política Urbana (CMPU).

Por fim, o PDE também coloca o Sistema de Monitoramento do plano à disposição dos cidadãos, como ferramenta importante de transparência para a sociedade.

Na prática, o CMPU foi formado de acordo com o planejado, servindo como uma maneira de cobrar as ações da prefeitura. A eleição para o biênio 2019-2021 foi realizada em setembro de 2019 e definiu os membros do conselho atual.

Já em relação ao monitoramento da implementação do plano, a condição dos dados de acompanhamento do PDE disponíveis não facilita o balanço das mudanças dos últimos 7 anos. Por mais que a cidade de São Paulo se destaque positivamente por ter ótimas plataformas de acesso a dados, como o Geosampa e o Observa Sampa, não há plataformas simples para o acompanhamento da implementação do PDE. A Secretaria de Urbanismo e Licenciamento disponibiliza uma página de monitoramento, porém ela é complexa e não parece ser feita com acessibilidade a pessoas leigas em mente.

Até 2019, apenas um plano de bairro havia sido aprovado, cumprindo todas as exigências do PDE. Moradores do Jardim Lapenna, na Zona Leste, foram responsáveis pela criação de um plano que incluiria 32 ações urbanísticas para melhorar a condição de um bairro de 12 mil habitantes. A falta de outros planos é outra evidência de que o aumento da participação popular não está se consolidando como o que era previsto. Assim, a política na cidade continua sendo mais centralizada do que localizada.

VII

Para tornar a cidade menos centrada no automóvel, o PDE determina a priorização do transporte coletivo e a priorização do pedestre. Aí estão incluídas propostas de aumentar corredores de ônibus e a rede ferroviária da cidade. Outros sistemas, como o hidroviário e o de logística e cargas, também são incluídos na estratégia, para aumentar a sua eficiência e diminuir seu impacto ambiental.

O plano também determina que 30% do Fundurb deve ser direcionado para investimentos relacionados à mobilidade, garantindo uma fonte de financiamento para essas melhorias.

Priorizando meios de transporte ativo, como caminhadas e bicicletas, o Plano de Mobilidade Urbana (PMU) aprovado em 2015 estipulou objetivos ambiciosos para a expansão de ciclovias e calçadas. Um dos objetivos era implantar 400 km de ciclovias até 2016, o que foi cumprido. Iniciada durante a gestão Haddad e continuada depois, houve uma expansão considerável da malha de ciclovias na cidade e, segundo a prefeitura, houve uma diminuição de 13% no tempo médio de deslocamento da casa ao trabalho.

Ciclovia em São Paulo (Fernando Pereira/Secom/PMSP)

Algumas partes do PMU, no entanto, ainda não foram implementadas. Por exemplo, o plano previa a implementação de 300 km de corredores de ônibus até 2020, mas apenas 50 km foram construídos. Essa falha na aplicação do PMU se soma aos diversos atrasos nas construções de novas linhas de trem e metrô na região metropolitana de São Paulo, que estão a cargo do governo estadual.

Já o Fundurb destinou R$ 430 milhões em investimentos ao sistema coletivo de transporte público da cidade. Os investimentos parecem ter rendido frutos, com um aumento na taxa de pessoas que usam transporte público, segundo a pesquisa Origem e Destino de 2017. Ainda não é possível, porém, visualizar os efeitos dos últimos 4 anos em detalhe, especialmente considerando o impacto do distanciamento social no número de pessoas que usa transporte público diariamente.

Em 2019, ocorreu uma mudança polêmica ao texto da lei do Fundurb, incluindo a permissão para gastos com melhorias das vias estruturais. Em um seminário sobre o assunto, a professora do Insper Bianca Tavolari, pesquisadora de cidades e Direito, criticou a mudança. Ela acredita que a medida se distancia dos princípios do Plano Diretor, que incluem tornar a cidade menos dependente do carro e induzir um investimento maior no transporte público.

Outra medida que se mostrou eficaz nos últimos anos foram as limitações no número de garagens. O PDE institui o objetivo de criar uma cidade menos dependente do automóvel e para isso estabelece a necessidade de outorga onerosa para construir vagas de garagem, caso um empreendimento tenha mais do que uma vaga de garagem por 70 m². Isso teve um efeito claro na construção de novos empreendimentos. De acordo com um levantamento da Embraesp divulgado pela prefeitura, a maioria dos novos empreendimentos vêm sendo construídos sem vagas de estacionamento.

A revisão do plano diretor em 2021

Um dos pontos do Plano aprovado em 2014 era a previsão de uma revisão em 2021. Diferente de planos anteriores, a premissa era de garantir a continuidade do plano como um projeto da cidade e não de uma gestão específica.

Porém, o PDE não tinha como prever a pandemia causada pelo coronavírus e as dificuldades que ela traz para o processo de participação popular. Hoje, há uma série de questionamentos sobre manter sua revisão para este ano. O secretário de Urbanismo e Licenciamento da cidade César Azevedo tem sido ativo em diversos seminários promovidos sobre o assunto. Ele tem comunicado que a revisão será feita de maneira híbrida, contando tanto com consultas físicas como debates virtuais.

A Secretaria reforça que a revisão “busca ser pontual” e tem apenas o objetivo de “aperfeiçoar os instrumentos do plano”. Quando questionado sobre quais pontos concretamente devem ser mudados, o órgão afirmou ao Pindograma em nota oficial que um “diagnóstico elaborado por uma equipe técnica multidisciplinar composta por professores da USP” complementará as “providências técnicas que já vem sendo adotadas” para fazer “uma calibragem dos pontos que precisam ser ajustados”. Ou seja, ainda não parece haver transparência acerca das propostas de revisão do plano.

Essa falta de posicionamento tem sido criticada por instituições da sociedade civil, como o Instituto Pólis, que se posiciona de maneira contrária à revisão em 2021. A urbanista do Pólis Margareth Uemura explicou ao Pindograma que “quando dizemos ‘adia a revisão’, é porque não temos nem conteúdo e nem condições sanitárias para ela. A gente tem muitos motivos para que o processo não precise ser esse afogadilho que está sendo promovido pela prefeitura de São Paulo”.

Uemura questiona por que “há uma pressa, por parte da prefeitura pra aprovar o plano diretor, mas não há pressa pra aprovar o Plano Municipal de Habitação (PMH)”, que está tramitando na Câmara Municipal desde 2016 e era uma das previsões do PDE.

Agentes da sociedade civil como o Pólis temem que a janela da pandemia vai favorecer o lobby de empresas imobiliárias em detrimento dos interesses da população mais vulnerável. Será praticamente impossível atingir o mesmo grau de participação popular atingido em 2014, quando houve mais de 100 audiências públicas e intenso debate com a sociedade sobre o plano, em um ano de pandemia.

Contudo, a revisão parece seguir a todo vapor, e um ponto de contestação importante durante as discussões deste ano devem ser as diretrizes relacionadas à proteção dos miolos de bairro. No PDE, há uma série de limitações para construções nessas regiões, entre as quais um CA máximo de 2,0 e um limite de 8 andares para todos os novos empreendimentos nos miolos, que torna a construção de prédios grandes impossível.

Exemplo de prédio de uso misto (Imagem Perspectiva/Mar Incorporações)

Ainda em 2019, a prefeitura apresentou uma minuta que buscava aumentar os limites de construção nas áreas de uso misto nos miolos de bairro. As discussões sobre a medida foram premonitórias para a revisão em 2021, porque o assunto segue como um dos mais relevantes nas discussões sobre a revisão do plano.

As limitações de construções em miolos de bairros continuam polêmicas 7 anos depois. Em nota oficial, Basilio Jafet, presidente do SECOVI-SP, afirmou que “em quase toda a cidade há limites de altura dos prédios (apenas oito andares), encarecendo o preço final das habitações. As caras outorgas onerosas e tantas outras exigências conduzem o setor a empreender nos arrabaldes”.

Segundo Jafet, o PDE tem intenções louváveis mas acaba por dificultar as atividades e produção de habitações. Ele pede que a revisão desse ano seja feita “sem viés ideológico” e afirma que o verdadeiro inimigo da cidade não é a “voracidade do mercado” mas o déficit habitacional, “verdadeiro vampiro da qualidade de vida”.

Se a revisão seguir, o que parece ser o caso, resta ver como serão implementadas as consultas públicas e quais serão os esforços para incentivar a participação dos paulistanos. Finalizadas as consultas e discussões, a revisão seguirá para a Câmara Municipal para o crivo dos vereadores da cidade. Nessa etapa, é possível que a proposta seja rejeitada e o texto original do plano seja mantido.


Créditos da imagem: Rodrigo Soldon/Flickr.

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foto do autor

Pedro Siemsen

é repórter do Pindograma.

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