O novo capítulo da reforma tributária, explicado


Entenda o que muda com o relatório do deputado Aguinaldo Ribeiro
POR FRANCISCO RICCI E DANIEL FERREIRA • 05/05/2021

O mais novo capítulo na saga da reforma tributária foi escrito ontem no Congresso Nacional. O relator das três propostas que tramitavam até então no Legislativo, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), apresentou seu parecer sobre as medidas.

O relatório, no entanto, não foi bem recebido pelo governo nem pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). O ministro Paulo Guedes e o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), defendem que a reforma tributária seja aprovada em quatro etapas, com foco nos impostos federais. Já Aguinaldo Ribeiro defende a aprovação de uma reforma mais ampla, que reformule de uma vez só os impostos a nível municipal, estadual e federal.

Alinhado com o governo e irritado com a proposta de Ribeiro, Lira chegou a anular a validade do relatório escrito pelo colega. Em resposta, o deputado Hildo Rocha (MDB-MA), vice-presidente da comissão da reforma tributária, declarou que o trabalho de Aguinaldo Ribeiro “não pode ser destruído, jogado fora” e “tem que ser aproveitado”.

O Pindograma já tratou dos problemas do sistema tributário e das propostas para reformá-lo em outra reportagem. Para te ajudar a entender o que muda com o relatório de Ribeiro, voltamos ao tema.

O relatório de Aguinaldo Ribeiro

Assim como os outros projetos de reforma tributária que tramitam no Congresso, a proposta afeta apenas os impostos sobre o consumo. O relatório não acolheu as demandas da direita, que havia pressionado por uma diminuição nos impostos de renda sobre empresas (IRPJ e CSLL); nem da esquerda, que havia pressionado pela criação de um imposto sobre grandes fortunas.

A principal mudança contida na proposta de Ribeiro é a unificação dos cinco impostos brasileiros sobre o consumo, proibindo alíquotas diferentes sobre bens diferentes. O PIS, a Cofins, o IPI (federais), o ICMS (estadual) e o ISS (municipal) passariam a ser um único imposto, o Imposto sobre Bens e Serviços, ou IBS.

Ele funcionaria da seguinte forma: imagine uma venda de qualquer produto em Maringá. Se Maringá tivesse um IBS de 2%, o estado do Paraná de 12% e o governo federal de 10%, então o IBS pago na cidade seria a soma dessas alíquotas: 24%. Mas se o produto fosse comprado em outra cidade paranaense com um IBS de 3%, o total lá pago seria de 25%. O estado do Paraná poderia, também, aumentar sua alíquota do IBS, aplicada a todas as compras no estado. Como regra geral, os entes federados podem definir a alíquota do IBS, mas essa alíquota deve se aplicar igualmente para todos os bens e serviços. O Paraná não poderia, por exemplo, aplicar uma alíquota menor aos carros do que às geladeiras.

No entanto, o substitutivo de Aguinaldo Ribeiro permite várias exceções a esta regra. Ele permite ao governo estabelecer alíquotas menores para saúde, educação, transporte público coletivo, transporte rodoviário de cargas e atividades de assistência social. Também permite um regime de tributação diferenciado para serviços financeiros, bens imóveis, combustíveis, compras do governo e para a Zona Franca de Manaus. Essas exceções tornam a proposta de Aguinaldo mais politicamente palatável do que o texto inicial da reforma tributária na Câmara.

O relatório também elimina a cumulatividade dos impostos sobre consumo através de um sistema de créditos tributários — medida que explicamos mais detalhadamente em nossa última matéria sobre o assunto.

Além disso, o relatório de Aguinaldo propõe uma nova regra de transição do modelo atual para o novo. Nos primeiros dois anos, os impostos federais PIS, Cofins e IPI seriam substituídos pelo IBS. A mudança é um aceno a Paulo Guedes, que propôs começar a reforma com o PIS e a Cofins. Do terceiro ao sexto ano da transição, seria a vez do ICMS e o ISS serem incorporados ao IBS. Cada ano, o IBS cresceria para cobrir um quarto da receita do ICMS e ISS, até absorvê-los por completo em quatro anos. Decorridos seis anos da aprovação da reforma, os impostos antigos teriam sido completamente substituídos pelo IBS. É um prazo bem menor do que os 15 anos originalmente propostos pela PEC 110, ou os 50 anos do texto original da PEC 45.

Por fim, Ribeiro propôs que fosse permitido, em algumas circunstâncias, o recolhimento do imposto sobre consumo no momento da compra — o que poderia facilitar em muito a arrecadação.

As críticas

O Pindograma já tratou das críticas feitas às propostas iniciais de reforma tributária, que detalhamos melhor na nossa primeira reportagem sobre o tema.

Algumas críticas foram abordadas por Ribeiro. Uma delas, por exemplo, vinha de alguns setores econômicos que temiam ser prejudicados com o fim das desonerações. Muitas dessas críticas foram acatadas: como vimos, Ribeiro delineou vários setores que continuarão se beneficiando de alíquotas reduzidas.

Outra crítica se referia à oneração da cesta básica. Hoje, produtos essenciais como farinha e arroz recebem benefícios fiscais de muitos governos locais, a fim de barateá-los aos brasileiros de menor renda. São, contudo, benefícios que o relatório de Ribeiro pretende extinguir. Os deputados Marcelo Freixo (PSOL-RJ) e Talíria Petrone (PSOL-RJ) já haviam pontuado, em 2019, que a eliminação de benefícios fiscais para produtos da cesta básica pode ser extremamente prejudicial aos mais pobres. Para os psolistas, o fim dessa desoneração precisa ser acompanhado de uma compensação justa a esses brasileiros.

O relatório de Aguinaldo diz que uma lei futura criará um sistema para corrigir esse problema. A ideia é que cada pessoa receberia um benefício do governo com base no valor gasto em bens essenciais. Por exemplo, se João gastasse R$500 em comida por mês, e o IBS na cidade fosse de 15%, ele receberia do governo uma transferência de R$75 para ressarci-lo pelos impostos pagos.

Mas em entrevista ao jornal Valor Econômico no ano passado, o economista Márcio Holland, professor da FGV, argumenta que transferências de renda atreladas às compras de alimentos seriam ineficientes. Em vez de basear o benefício no consumo, que nem sempre é contabilizado, ele sugere a desoneração da cesta básica e a implementação de um “imposto negativo”: um valor pago diretamente a todos os brasileiros que recebem menos de uma renda mínima.

Outra preocupação era com o tempo de pagamento dos créditos do IBS. Para evitar a cumulatividade do imposto, todos os passos da linha de produção, exceto o consumidor final, teriam o IBS ressarcido. Por exemplo, um fornecedor de pequeno porte que venda leite para um queijeiro teria o seu IBS reembolsado, e o imposto só incidiria na venda do queijo para quem for comê-lo.

O nosso queijeiro, que espera um reembolso do IBS que pagou no leite, precisa desse reembolso a tempo de pagar salários aos seus funcionários e seguir investindo no seu negócio. Por isso, a segurança da restituição é extremamente importante para as empresas. Ribeiro reconheceu essa preocupação em seu relatório, mas não incluiu na proposta um prazo para o crédito, deixando a resolução para uma lei futura.

Já outras críticas simplesmente não foram abordadas pelo relatório:

  • A reforma tributária se restringe aos impostos sobre o consumo, sem abordar a folha de pagamento, os impostos de renda sobre pessoa jurídica, os impostos sobre dividendos, ou impostos sobre patrimônio;
  • Prefeitos de grandes cidades reclamam do fim do ISS municipal, já que preveem maior receita desse imposto para seus cofres no médio prazo;
  • Alguns juristas acreditam que tirar dos estados e municípios o poder de aplicar alíquotas diferentes sobre produtos diferentes viola o princípio do federalismo na Constituição Federal;
  • Não temos estudos robustos sobre as consequências da reforma, o que torna seus efeitos imprevisíveis.
E agora?

Sem o apoio do governo ou de Arthur Lira, será difícil o avanço do relatório de Ribeiro. Lira declarou em suas redes sociais que deve incorporar “alguns pontos” do relatório de Aguinaldo, mas não esclareceu quais serão. Segundo Lira, a tramitação da reforma será reiniciada agora com uma nova comissão.

Ao que tudo indica, Lira apoia o plano do ministro Paulo Guedes de aprovar uma reforma tributária em quatro etapas. Segundo apurou o site Poder360, a primeira etapa seria a junção do PIS e da Cofins em um imposto único. Na segunda etapa, seriam revogadas algumas isenções ao IPI. Na terceira, o imposto de renda de empresas seria reduzido, o que seria coberto por uma taxação de dividendos. Por fim, haveria uma nova repatriação do dinheiro de brasileiros no exterior.

Até agora, porém, Paulo Guedes não apresentou ao Congresso projetos de lei que implementam as últimas 3 fases. No momento, o relatório de Aguinaldo Ribeiro ainda é a proposta de reforma tributária mais adiantada no parlamento.

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Francisco Ricci é fundador e repórter do Pindograma.

Daniel Ferreira é editor do Pindograma.

O novo capítulo da reforma tributária, explicado

Entenda o que muda com o relatório do deputado Aguinaldo Ribeiro

POR FRANCISCO RICCI E DANIEL FERREIRA

05/05/2021

O mais novo capítulo na saga da reforma tributária foi escrito ontem no Congresso Nacional. O relator das três propostas que tramitavam até então no Legislativo, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), apresentou seu parecer sobre as medidas.

O relatório, no entanto, não foi bem recebido pelo governo nem pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). O ministro Paulo Guedes e o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), defendem que a reforma tributária seja aprovada em quatro etapas, com foco nos impostos federais. Já Aguinaldo Ribeiro defende a aprovação de uma reforma mais ampla, que reformule de uma vez só os impostos a nível municipal, estadual e federal.

Alinhado com o governo e irritado com a proposta de Ribeiro, Lira chegou a anular a validade do relatório escrito pelo colega. Em resposta, o deputado Hildo Rocha (MDB-MA), vice-presidente da comissão da reforma tributária, declarou que o trabalho de Aguinaldo Ribeiro “não pode ser destruído, jogado fora” e “tem que ser aproveitado”.

O Pindograma já tratou dos problemas do sistema tributário e das propostas para reformá-lo em outra reportagem. Para te ajudar a entender o que muda com o relatório de Ribeiro, voltamos ao tema.

O relatório de Aguinaldo Ribeiro

Assim como os outros projetos de reforma tributária que tramitam no Congresso, a proposta afeta apenas os impostos sobre o consumo. O relatório não acolheu as demandas da direita, que havia pressionado por uma diminuição nos impostos de renda sobre empresas (IRPJ e CSLL); nem da esquerda, que havia pressionado pela criação de um imposto sobre grandes fortunas.

A principal mudança contida na proposta de Ribeiro é a unificação dos cinco impostos brasileiros sobre o consumo, proibindo alíquotas diferentes sobre bens diferentes. O PIS, a Cofins, o IPI (federais), o ICMS (estadual) e o ISS (municipal) passariam a ser um único imposto, o Imposto sobre Bens e Serviços, ou IBS.

Ele funcionaria da seguinte forma: imagine uma venda de qualquer produto em Maringá. Se Maringá tivesse um IBS de 2%, o estado do Paraná de 12% e o governo federal de 10%, então o IBS pago na cidade seria a soma dessas alíquotas: 24%. Mas se o produto fosse comprado em outra cidade paranaense com um IBS de 3%, o total lá pago seria de 25%. O estado do Paraná poderia, também, aumentar sua alíquota do IBS, aplicada a todas as compras no estado. Como regra geral, os entes federados podem definir a alíquota do IBS, mas essa alíquota deve se aplicar igualmente para todos os bens e serviços. O Paraná não poderia, por exemplo, aplicar uma alíquota menor aos carros do que às geladeiras.

No entanto, o substitutivo de Aguinaldo Ribeiro permite várias exceções a esta regra. Ele permite ao governo estabelecer alíquotas menores para saúde, educação, transporte público coletivo, transporte rodoviário de cargas e atividades de assistência social. Também permite um regime de tributação diferenciado para serviços financeiros, bens imóveis, combustíveis, compras do governo e para a Zona Franca de Manaus. Essas exceções tornam a proposta de Aguinaldo mais politicamente palatável do que o texto inicial da reforma tributária na Câmara.

O relatório também elimina a cumulatividade dos impostos sobre consumo através de um sistema de créditos tributários — medida que explicamos mais detalhadamente em nossa última matéria sobre o assunto.

Além disso, o relatório de Aguinaldo propõe uma nova regra de transição do modelo atual para o novo. Nos primeiros dois anos, os impostos federais PIS, Cofins e IPI seriam substituídos pelo IBS. A mudança é um aceno a Paulo Guedes, que propôs começar a reforma com o PIS e a Cofins. Do terceiro ao sexto ano da transição, seria a vez do ICMS e o ISS serem incorporados ao IBS. Cada ano, o IBS cresceria para cobrir um quarto da receita do ICMS e ISS, até absorvê-los por completo em quatro anos. Decorridos seis anos da aprovação da reforma, os impostos antigos teriam sido completamente substituídos pelo IBS. É um prazo bem menor do que os 15 anos originalmente propostos pela PEC 110, ou os 50 anos do texto original da PEC 45.

Por fim, Ribeiro propôs que fosse permitido, em algumas circunstâncias, o recolhimento do imposto sobre consumo no momento da compra — o que poderia facilitar em muito a arrecadação.

As críticas

O Pindograma já tratou das críticas feitas às propostas iniciais de reforma tributária, que detalhamos melhor na nossa primeira reportagem sobre o tema.

Algumas críticas foram abordadas por Ribeiro. Uma delas, por exemplo, vinha de alguns setores econômicos que temiam ser prejudicados com o fim das desonerações. Muitas dessas críticas foram acatadas: como vimos, Ribeiro delineou vários setores que continuarão se beneficiando de alíquotas reduzidas.

Outra crítica se referia à oneração da cesta básica. Hoje, produtos essenciais como farinha e arroz recebem benefícios fiscais de muitos governos locais, a fim de barateá-los aos brasileiros de menor renda. São, contudo, benefícios que o relatório de Ribeiro pretende extinguir. Os deputados Marcelo Freixo (PSOL-RJ) e Talíria Petrone (PSOL-RJ) já haviam pontuado, em 2019, que a eliminação de benefícios fiscais para produtos da cesta básica pode ser extremamente prejudicial aos mais pobres. Para os psolistas, o fim dessa desoneração precisa ser acompanhado de uma compensação justa a esses brasileiros.

O relatório de Aguinaldo diz que uma lei futura criará um sistema para corrigir esse problema. A ideia é que cada pessoa receberia um benefício do governo com base no valor gasto em bens essenciais. Por exemplo, se João gastasse R$500 em comida por mês, e o IBS na cidade fosse de 15%, ele receberia do governo uma transferência de R$75 para ressarci-lo pelos impostos pagos.

Mas em entrevista ao jornal Valor Econômico no ano passado, o economista Márcio Holland, professor da FGV, argumenta que transferências de renda atreladas às compras de alimentos seriam ineficientes. Em vez de basear o benefício no consumo, que nem sempre é contabilizado, ele sugere a desoneração da cesta básica e a implementação de um “imposto negativo”: um valor pago diretamente a todos os brasileiros que recebem menos de uma renda mínima.

Outra preocupação era com o tempo de pagamento dos créditos do IBS. Para evitar a cumulatividade do imposto, todos os passos da linha de produção, exceto o consumidor final, teriam o IBS ressarcido. Por exemplo, um fornecedor de pequeno porte que venda leite para um queijeiro teria o seu IBS reembolsado, e o imposto só incidiria na venda do queijo para quem for comê-lo.

O nosso queijeiro, que espera um reembolso do IBS que pagou no leite, precisa desse reembolso a tempo de pagar salários aos seus funcionários e seguir investindo no seu negócio. Por isso, a segurança da restituição é extremamente importante para as empresas. Ribeiro reconheceu essa preocupação em seu relatório, mas não incluiu na proposta um prazo para o crédito, deixando a resolução para uma lei futura.

Já outras críticas simplesmente não foram abordadas pelo relatório:

  • A reforma tributária se restringe aos impostos sobre o consumo, sem abordar a folha de pagamento, os impostos de renda sobre pessoa jurídica, os impostos sobre dividendos, ou impostos sobre patrimônio;
  • Prefeitos de grandes cidades reclamam do fim do ISS municipal, já que preveem maior receita desse imposto para seus cofres no médio prazo;
  • Alguns juristas acreditam que tirar dos estados e municípios o poder de aplicar alíquotas diferentes sobre produtos diferentes viola o princípio do federalismo na Constituição Federal;
  • Não temos estudos robustos sobre as consequências da reforma, o que torna seus efeitos imprevisíveis.
E agora?

Sem o apoio do governo ou de Arthur Lira, será difícil o avanço do relatório de Ribeiro. Lira declarou em suas redes sociais que deve incorporar “alguns pontos” do relatório de Aguinaldo, mas não esclareceu quais serão. Segundo Lira, a tramitação da reforma será reiniciada agora com uma nova comissão.

Ao que tudo indica, Lira apoia o plano do ministro Paulo Guedes de aprovar uma reforma tributária em quatro etapas. Segundo apurou o site Poder360, a primeira etapa seria a junção do PIS e da Cofins em um imposto único. Na segunda etapa, seriam revogadas algumas isenções ao IPI. Na terceira, o imposto de renda de empresas seria reduzido, o que seria coberto por uma taxação de dividendos. Por fim, haveria uma nova repatriação do dinheiro de brasileiros no exterior.

Até agora, porém, Paulo Guedes não apresentou ao Congresso projetos de lei que implementam as últimas 3 fases. No momento, o relatório de Aguinaldo Ribeiro ainda é a proposta de reforma tributária mais adiantada no parlamento.

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