Mais crimes, mais candidatos policiais?


Em 2020, bairros com mais criminalidade não deram mais votos a vereadores ligados à segurança pública
POR JOÃO GADO F. COSTA E FRANCISCO RICCI • 18/03/2021

Uma teoria comum para explicar o sucesso eleitoral de candidatos das forças de segurança pública, como policiais e membros das Forças Armadas, é a de que as populações impactadas pela criminalidade escolhem esses candidatos como uma resposta à ausência de segurança em suas comunidades.

No entanto, não é o que mostram os números. Cruzando dados de criminalidade com resultados de votação para vereador nas eleições de 2020 em 4 capitais, o Pindograma procurou saber se havia uma relação direta entre viver em áreas violentas e votar em candidatos fardados.

Nos casos das cidades de São Paulo, Fortaleza, Salvador e Rio de Janeiro, não encontramos uma associação entre o voto em candidatos de segurança pública e a criminalidade ao redor dos locais de votação.

O mapa à esquerda, por exemplo, mostra o desempenho eleitoral de todos os militares ou policiais que se candidataram a vereador em Salvador. Comparado com o mapa de homicídio doloso à direita, fica claro que bairros com altos índices de crimes violentos não puxaram os votos dos candidatos:

O mesmo padrão se repete para crimes como roubo, furto, estupro e uso de drogas. Em Fortaleza, a situação é parecida com a de Salvador.

Em São Paulo, o terceiro vereador com o maior número de votos foi o Delegado Mario Palumbo (MDB). O Instagram do delegado conta com vídeos de ações policiais e denúncias à criminalidade. Na hora do voto, porém, não houve correlação entre altos índices de crime e seus votos, ou os de seus colegas:

Somente no Rio de Janeiro houve uma associação maior entre certos crimes e a votação em candidatos de segurança pública. No entanto, quando levamos em conta as diferenças de renda entre as regiões da cidade, essas associações passam a ser baixíssimas ou estatisticamente insignificantes. Como um todo, a renda média dos bairros explica essas diferenças melhor do que os índices de criminalidade:

Afinal, o que mais parece guiar o voto em candidatos de segurança pública no Rio é o corporativismo: os próprios policiais, militares e suas famílias são as pessoas que mais votam em colegas de profissão. Tanto que os locais da cidade onde esses candidatos mais obtiveram votos foram Marechal Hermes – onde fica a Vila Militar – e São Cristóvão – onde fica o bairro do Caju.

Como sugere o nome, a Vila Militar reúne diversas instituições ligadas às Forças Armadas e, por isso, o bairro tem um contingente grande de militares eleitores. É, inclusive, onde vota o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O caso do Caju é parecido: o bairro é sede do Arsenal de Guerra do Rio e de uma guarnição da Força Aérea Brasileira.

O candidato da segurança pública mais bem-sucedido na cidade foi o youtuber e ex-policial militar Gabriel Monteiro (PSD), de apenas 26 anos. Apesar da passagem breve pela polícia, o jovem é um grande apoiador das forças de segurança. Suas redes sociais contam com várias fotos de policiais e com vídeos de suspeitos de crimes sendo humilhados. A principal pauta do vereador é o armamento da Guarda Municipal. Antes mesmo de ser eleito já figurou em manchetes por agredir um homem que protestava contra a violência policial no dia do enterro de Ágatha Felix, menina de 8 anos morta por policiais na Zona Norte do Rio.

Tudo isso indica que os candidatos de segurança pública não são a prioridade de eleitores em zonas de alta criminalidade – seja em Salvador, Fortaleza, São Paulo ou no Rio. Muito provavelmente, a popularidade desses candidatos é maior entre a população que já concorda com o discurso de “pegar pesado com o crime”, independente de onde moram na cidade.


Dados utilizados na matéria: Estatísticas de Segurança Pública (SSP-BA, SSP-SP, SSPDS-CE, ISP-RJ); Resultados das Eleições (Tribunal Superior Eleitoral); Renda Média dos Setores Censitários (Censo 2010/IBGE); Localização das Seções Eleitorais (Pindograma).

Contribuiu com Dados: Daniel Ferreira.

Créditos da imagem: Afonso Braga; André Moura/Rede Câmara.

Para reproduzir os números e dados dessa matéria, os dados podem ser encontrados aqui.

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João Gado F. Costa é repórter do Pindograma.

Francisco Ricci é fundador e repórter do Pindograma.

Mais crimes, mais candidatos policiais?

Em 2020, bairros com mais criminalidade não deram mais votos a vereadores ligados à segurança pública

Uma teoria comum para explicar o sucesso eleitoral de candidatos das forças de segurança pública, como policiais e membros das Forças Armadas, é a de que as populações impactadas pela criminalidade escolhem esses candidatos como uma resposta à ausência de segurança em suas comunidades.

No entanto, não é o que mostram os números. Cruzando dados de criminalidade com resultados de votação para vereador nas eleições de 2020 em 4 capitais, o Pindograma procurou saber se havia uma relação direta entre viver em áreas violentas e votar em candidatos fardados.

Nos casos das cidades de São Paulo, Fortaleza, Salvador e Rio de Janeiro, não encontramos uma associação entre o voto em candidatos de segurança pública e a criminalidade ao redor dos locais de votação.

O mapa à esquerda, por exemplo, mostra o desempenho eleitoral de todos os militares ou policiais que se candidataram a vereador em Salvador. Comparado com o mapa de homicídio doloso à direita, fica claro que bairros com altos índices de crimes violentos não puxaram os votos dos candidatos:

O mesmo padrão se repete para crimes como roubo, furto, estupro e uso de drogas. Em Fortaleza, a situação é parecida com a de Salvador.

Em São Paulo, o terceiro vereador com o maior número de votos foi o Delegado Mario Palumbo (MDB). O Instagram do delegado conta com vídeos de ações policiais e denúncias à criminalidade. Na hora do voto, porém, não houve correlação entre altos índices de crime e seus votos, ou os de seus colegas:

Somente no Rio de Janeiro houve uma associação maior entre certos crimes e a votação em candidatos de segurança pública. No entanto, quando levamos em conta as diferenças de renda entre as regiões da cidade, essas associações passam a ser baixíssimas ou estatisticamente insignificantes. Como um todo, a renda média dos bairros explica essas diferenças melhor do que os índices de criminalidade:

Afinal, o que mais parece guiar o voto em candidatos de segurança pública no Rio é o corporativismo: os próprios policiais, militares e suas famílias são as pessoas que mais votam em colegas de profissão. Tanto que os locais da cidade onde esses candidatos mais obtiveram votos foram Marechal Hermes – onde fica a Vila Militar – e São Cristóvão – onde fica o bairro do Caju.

Como sugere o nome, a Vila Militar reúne diversas instituições ligadas às Forças Armadas e, por isso, o bairro tem um contingente grande de militares eleitores. É, inclusive, onde vota o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O caso do Caju é parecido: o bairro é sede do Arsenal de Guerra do Rio e de uma guarnição da Força Aérea Brasileira.

O candidato da segurança pública mais bem-sucedido na cidade foi o youtuber e ex-policial militar Gabriel Monteiro (PSD), de apenas 26 anos. Apesar da passagem breve pela polícia, o jovem é um grande apoiador das forças de segurança. Suas redes sociais contam com várias fotos de policiais e com vídeos de suspeitos de crimes sendo humilhados. A principal pauta do vereador é o armamento da Guarda Municipal. Antes mesmo de ser eleito já figurou em manchetes por agredir um homem que protestava contra a violência policial no dia do enterro de Ágatha Felix, menina de 8 anos morta por policiais na Zona Norte do Rio.

Tudo isso indica que os candidatos de segurança pública não são a prioridade de eleitores em zonas de alta criminalidade – seja em Salvador, Fortaleza, São Paulo ou no Rio. Muito provavelmente, a popularidade desses candidatos é maior entre a população que já concorda com o discurso de “pegar pesado com o crime”, independente de onde moram na cidade.


Dados utilizados na matéria: Estatísticas de Segurança Pública (SSP-BA, SSP-SP, SSPDS-CE, ISP-RJ); Resultados das Eleições (Tribunal Superior Eleitoral); Renda Média dos Setores Censitários (Censo 2010/IBGE); Localização das Seções Eleitorais (Pindograma).

Contribuiu com Dados: Daniel Ferreira.

Créditos da imagem: Afonso Braga; André Moura/Rede Câmara.

Para reproduzir os números e dados dessa matéria, os dados podem ser encontrados aqui.

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João Gado F. Costa

é repórter do Pindograma.

Francisco Ricci

é fundador e repórter do Pindograma.

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