Incursões policiais não diminuem criminalidade no Rio


Intervenções podem, inclusive, piorar a capacidade da polícia de apurar crimes
POR FRANCISCO RICCI • 19/02/2021

O Rio de Janeiro é notório pelos altos índices de criminalidade, associados à atividade de milicianos e traficantes. As cenas de confrontos entre policiais e criminosos são frequentes; os mortos se amontoam, mas os confrontos não param.

Políticos e membros da sociedade civil propõem soluções diferentes para essa situação, e uma das ideias mais divulgadas é a de que incursões policiais seriam efetivas na redução de crimes. Para o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), por exemplo, é preciso "ir com tudo para cima deles [bandidos] e dar para o policial e agentes da segurança pública o excludente de ilicitude. Ele entra, resolve o problema. Se matar dez, 15 ou 20, com dez ou 30 tiros cada um, ele tem que ser condecorado e não processado".

Porém, em um artigo de dezembro de 2020, Joana Monteiro, Eduardo Fagundes e Julia Guerra, pesquisadores da FGV e do Centro de Pesquisas do MP do Rio de Janeiro, mostraram com dados que essa opinião é infundada. Incursões policiais não estão associadas à redução da criminalidade local.

Utilizando dados do período de 2003 a 2019, os pesquisadores empregaram o número de mortes causadas por policiais como um número indicativo das incursões de policiais numa certa área, já que grande parte dessas mortes ocorrem durante incursões.

Os autores analisaram se o aumento de mortes por policiais em determinado mês no entorno de uma delegacia é ou não seguido por quedas nos indicadores criminais no próximo mês na mesma área. Para medir o número de crimes, os pesquisadores usaram os números de homicídios dolosos, apreensões de armas e drogas, prisões, e roubos.

A análise foi pensada especificamente para descontar efeitos da sazonalidade, como por exemplo o pico de crimes durante o Carnaval. O estudo também leva em conta as diferenças no histórico de criminalidade de diferentes distritos policiais: algumas áreas, por exemplo, têm mais criminalidade e, portanto, mais incursões policiais que outras. O estudo isola esses efeitos e analisa se mortes decorrentes de intervenções policiais, por si só, estão associadas a mudanças na criminalidade do mês seguinte.

Os pesquisadores descobriram que a cada morte adicional provocada por policiais, há aumento de 1,6% dos homicídios dolosos no mês subsequente. O mesmo é observado para outros crimes: há um aumento de 1,4% nos roubos de rua, de 2,9% nos roubos de veículos e de 2% nos roubos de carga para cada morte provocada por um policial no mês anterior. Ou seja, não há nada que indique uma associação entre incursões policiais e a diminuição na criminalidade.

Por outro lado, cada morte adicional provocada por policiais está associada, em média, a um aumento de 1,7% de registros de apreensão de drogas, de 8,2% no número de apreensão de armas e de 14,3% no de fuzis. Em outras palavras, incursões policiais aumentam levemente o número de apreensões de drogas e de armas, mas não diminuem a ocorrência de crimes, como homicídios e roubos.

A própria efetividade policial parece ser prejudicada pelo aumento de incursões policiais. Estudos de criminologia sugerem que a legitimidade das forças policiais é importante para o combate efetivo da criminalidade, e a morte de inocentes prejudica a imagem que indivíduos têm em relação à ação das polícias.

Por ano, a polícia no estado do Rio de Janeiro mata o dobro de todas as polícias dos Estados Unidos, país que tem 19 vezes a população do estado. No meio desses dados, estão histórias de inúmeras crianças, majoritariamente negras, que são mortas pelo Estado. Enquanto as incursões continuarem como são praticadas hoje, mais policiais e civis vão morrer, sem nenhum efeito na criminalidade.


Créditos da imagem: Marino Azevedo/Wikimedia Commons.

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Francisco Ricci é fundador e repórter do Pindograma.

Incursões policiais não diminuem criminalidade no Rio

Intervenções podem, inclusive, piorar a capacidade da polícia de apurar crimes

POR FRANCISCO RICCI

19/02/2021

O Rio de Janeiro é notório pelos altos índices de criminalidade, associados à atividade de milicianos e traficantes. As cenas de confrontos entre policiais e criminosos são frequentes; os mortos se amontoam, mas os confrontos não param.

Políticos e membros da sociedade civil propõem soluções diferentes para essa situação, e uma das ideias mais divulgadas é a de que incursões policiais seriam efetivas na redução de crimes. Para o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), por exemplo, é preciso "ir com tudo para cima deles [bandidos] e dar para o policial e agentes da segurança pública o excludente de ilicitude. Ele entra, resolve o problema. Se matar dez, 15 ou 20, com dez ou 30 tiros cada um, ele tem que ser condecorado e não processado".

Porém, em um artigo de dezembro de 2020, Joana Monteiro, Eduardo Fagundes e Julia Guerra, pesquisadores da FGV e do Centro de Pesquisas do MP do Rio de Janeiro, mostraram com dados que essa opinião é infundada. Incursões policiais não estão associadas à redução da criminalidade local.

Utilizando dados do período de 2003 a 2019, os pesquisadores empregaram o número de mortes causadas por policiais como um número indicativo das incursões de policiais numa certa área, já que grande parte dessas mortes ocorrem durante incursões.

Os autores analisaram se o aumento de mortes por policiais em determinado mês no entorno de uma delegacia é ou não seguido por quedas nos indicadores criminais no próximo mês na mesma área. Para medir o número de crimes, os pesquisadores usaram os números de homicídios dolosos, apreensões de armas e drogas, prisões, e roubos.

A análise foi pensada especificamente para descontar efeitos da sazonalidade, como por exemplo o pico de crimes durante o Carnaval. O estudo também leva em conta as diferenças no histórico de criminalidade de diferentes distritos policiais: algumas áreas, por exemplo, têm mais criminalidade e, portanto, mais incursões policiais que outras. O estudo isola esses efeitos e analisa se mortes decorrentes de intervenções policiais, por si só, estão associadas a mudanças na criminalidade do mês seguinte.

Os pesquisadores descobriram que a cada morte adicional provocada por policiais, há aumento de 1,6% dos homicídios dolosos no mês subsequente. O mesmo é observado para outros crimes: há um aumento de 1,4% nos roubos de rua, de 2,9% nos roubos de veículos e de 2% nos roubos de carga para cada morte provocada por um policial no mês anterior. Ou seja, não há nada que indique uma associação entre incursões policiais e a diminuição na criminalidade.

Por outro lado, cada morte adicional provocada por policiais está associada, em média, a um aumento de 1,7% de registros de apreensão de drogas, de 8,2% no número de apreensão de armas e de 14,3% no de fuzis. Em outras palavras, incursões policiais aumentam levemente o número de apreensões de drogas e de armas, mas não diminuem a ocorrência de crimes, como homicídios e roubos.

A própria efetividade policial parece ser prejudicada pelo aumento de incursões policiais. Estudos de criminologia sugerem que a legitimidade das forças policiais é importante para o combate efetivo da criminalidade, e a morte de inocentes prejudica a imagem que indivíduos têm em relação à ação das polícias.

Por ano, a polícia no estado do Rio de Janeiro mata o dobro de todas as polícias dos Estados Unidos, país que tem 19 vezes a população do estado. No meio desses dados, estão histórias de inúmeras crianças, majoritariamente negras, que são mortas pelo Estado. Enquanto as incursões continuarem como são praticadas hoje, mais policiais e civis vão morrer, sem nenhum efeito na criminalidade.


Créditos da imagem: Marino Azevedo/Wikimedia Commons.

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