O que o jeito de falar diz sobre os candidatos em São Paulo


Covas muda tom de voz ao falar de seu vice; Boulos fala mais devagar ao explicar seu histórico de militância
POR NICOLAS FIGUEIREDO E GUILI MINKOVICIUS • 29/11/2020

O ciclo de debates nas eleições para prefeito de São Paulo terminaria nesta sexta-feira, dia 27, com um debate na Rede Globo. No entanto, o candidato Guilherme Boulos (PSOL) foi diagnosticado com COVID-19 e o evento com seu rival Bruno Covas (PSDB) foi cancelado. Já que não houve tempo para mais um debate, o Pindograma trouxe uma análise aprofundada dos debates anteriores para entender o que o jeito de falar de cada candidato diz sobre eles.

Durante a corrida, houve 5 debates e uma sabatina no Roda Viva que contaram com a presença dos dois candidatos. Com as gravações de áudio destas transmissões, fizemos uma análise do ritmo de fala, pausas, tom e volume de voz de cada candidato. Com isso, caracterizamos o jeito de falar dos candidatos e perceber como isso pode ser influenciado por assuntos específicos.

O levantamento indica que Covas tende à cautela ao falar de seu vice, mas parece mais à vontade quando trata de gestão pública. Já Boulos aparenta ter falas mais enérgicas quando critica serviços terceirizados pela gestão atual, mas parece assumir um tom mais sério e cuidadoso quando discute sua atuação como militante.


Quadro geral das falas

Ouvindo as falas como um todo, os dados revelam que Boulos apresenta um ritmo mais rápido de fala, tom de voz mais agudo e maior variação no tom de voz. Isso faz com que a fala do psolista fique mais “cantada” e menos monotônica, como a de seu rival, Bruno Covas. A fala do tucano varia menos, tem um tom geralmente mais baixo e é mais devagar:

Uma surpresa, talvez, esteja no volume das vozes. Ainda que bastante equiparáveis, as falas de Covas apresentam um volume médio maior do que as de Boulos. Esse dado vai contra a fama dos discursos inflamados do psolista e indica uma mudança bastante comentada em sua postura, que teria assumido um tom mais moderado nessas eleições.

Mas o jeito de falar dos candidatos não é único, e varia conforme o tema.

A fala de Bruno Covas

Quando ouvimos as falas do atual prefeito, dois temas chamam a atenção. Em suas quatro falas sobre seu vice, Ricardo Nunes (MDB), Covas teve uma constância de ritmo de voz incomum. Além disso, o ritmo de Covas ao falar de seu vice foi mais rápido que a média de suas falas:

Ao falar de Nunes, Covas também assumiu um tom de voz mais grave. Entre todas as falas analisadas do candidato nos 6 debates, seu tom mais grave foi justamente em uma fala de 40 segundos tratando do boletim de ocorrência registrado pela esposa de Ricardo Nunes em um caso de violência doméstica. Esse tom mais grave e ritmo constante pode indicar uma maior cautela do tucano ao falar do assunto, assim como pode conferir-lhe mais seriedade:

Por outro lado, Covas atingiu seus tons mais agudos e ritmos mais brandos quando tocou no assunto da terceirização de serviços públicos, situação em que se contrapõe energicamente à posição de seu oponente. Enquanto Covas aparenta mais cautela e nervosismo ao falar de seu vice, ele tem uma postura propositiva e confiante ao tratar de temas como terceirização e responsabilidade fiscal.

A fala de Guilherme Boulos

Assim como Covas, Boulos também apresenta seus momentos de cautela. Para se defender contra ataques, que geralmente são sobre sua inexperiência ou acusações de ter um passado extremista, sua fala fica com tons de voz mais graves e com ritmo mais devagar.

Por exemplo, a sua fala de menor ritmo entre todas as analisadas foi no Roda Viva, quando respondeu ao jornalista Eduardo Kattah sobre a sua atuação “radical” com a seguinte frase: “Eu luto, Eduardo, há vinte anos para que as pessoas tenham um teto… Isso é radicalismo?”. Este ritmo mais lento quando relata sua atuação política lhe dá um tom mais apelativo e dramático. O candidato também prioriza falas mais articuladas nestes casos.

Boulos assume uma estratégia diferente ao falar do tema da terceirização do serviço público — também bastante usado como ponto de ataque contra ele e de diferenciação entre ele e seu rival. Nestes casos, a fala se destaca pelo tom mais agudo:

Para justificar sua posição, Boulos geralmente denuncia irregularidades em alguns contratos de Organizações Sociais, o que poderia explicar seu tom mais elevado.

Outro ponto que analisamos foi a diferença no discurso adotado por Boulos nos debates da campanha presidencial de 2018 e nos da campanha municipal de 2020, para avaliar se o candidato realmente assumiu um tom mais brando e moderado nas eleições deste ano:

Até certo ponto, os gráficos parecem confirmar a intuição de que Boulos abrandou suas falas inflamadas de 2018. As principais diferenças estão na duração média de cada pausa, substancialmente maior em 2020, e no tom de voz, agora bastante abaixo do seu tom de 2018.

O tom de voz mais grave aliado a um discurso mais pausado pode ser interpretado como uma postura mais moderada do candidato em sua fala. Porém, a velocidade do discurso de Boulos parece ter crescido com relação a 2018, o que pode indicar que, apesar do tom mais brando, o candidato mantém uma postura propositiva nos debates.

Os temas nos debates

Para uma análise mais detalhada do que foi discutido nos debates, rotulamos cada fala com seu tema correspondente, o que possibilita elencar os temas em destaque nessa corrida eleitoral:

Algumas omissões notáveis neste top 10 são: Meio Ambiente (31º de 35 temas com 56 segundos), Cultura (25º de 35 temas com 2 minutos), Renda Emergencial (menos de 3 minutos dedicados) e Racismo/Minorias (em 11º com 9 minutos). Mas por candidato, essa distribuição é um pouco diferente:

Como era esperado, o tema da pandemia dominou os debates. O prefeito Bruno Covas passou o dobro de tempo falando deste assunto do que seu segundo tema mais abordado: a economia. Covas, além de falar mais sobre o enfrentamento da pandemia que o rival, priorizou o tema da responsabilidade fiscal, assunto que usa para desacreditar seu adversário.

Já Boulos focou mais em diminuir sua pecha de “radical”, além de trazer mais à tona a questão da moradia e atacar o candidato a vice-prefeito do rival, Ricardo Nunes (MDB). Por fim, enfatizou o tema da terceirização e do serviço público, questão divisora entre os candidatos.

Metodologia

Foram analisados 6 debates dos candidatos à prefeitura de São Paulo: três do primeiro turno (promovidos pela Band, TV Cultura e Folha) e três do segundo turno (promovidos pela CNN Brasil, Band e a sabatina no Roda Viva). Em cada debate, recortamos todas as falas (perguntas, respostas, réplicas e tréplicas) dos candidatos e analisamos as seguintes características acústicas para cada fala:

  • número de pausas;
  • tempo de fonação (tempo de resposta menos o tempo gasto em pausas);
  • número aproximado de sílabas;
  • ritmo de fala (número de sílabas por tempo de resposta);
  • características de intensidade e de frequência fundamental (tom ou “pitch” da voz).

Além disso, anotamos também o tema de cada fala.

Para a análise das falas de Guilherme Boulos em 2018, analisamos os debates na RedeTV (17.8.2018), TV Gazeta (9.9.2018), SBT (26.9.2018) e Record (30.9.2018) — feita em um estudo prévio seguindo os mesmos moldes do levantamento feito para 2020.


Contribuiu com gráficos: Daniel Ferreira.

Créditos da imagem: Kelly Queiroz/CNN Brasil/Divulgação.

Para reproduzir os números da matéria, o código e os dados podem ser acessados aqui.

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foto do autor

Nicolas Figueiredo é contribuidor do Pindograma.

Guili Minkovicius é contribuidor do Pindograma.

O que o jeito de falar diz sobre os candidatos em São Paulo

Covas muda tom de voz ao falar de seu vice; Boulos fala mais devagar ao explicar seu histórico de militância

O ciclo de debates nas eleições para prefeito de São Paulo terminaria nesta sexta-feira, dia 27, com um debate na Rede Globo. No entanto, o candidato Guilherme Boulos (PSOL) foi diagnosticado com COVID-19 e o evento com seu rival Bruno Covas (PSDB) foi cancelado. Já que não houve tempo para mais um debate, o Pindograma trouxe uma análise aprofundada dos debates anteriores para entender o que o jeito de falar de cada candidato diz sobre eles.

Durante a corrida, houve 5 debates e uma sabatina no Roda Viva que contaram com a presença dos dois candidatos. Com as gravações de áudio destas transmissões, fizemos uma análise do ritmo de fala, pausas, tom e volume de voz de cada candidato. Com isso, caracterizamos o jeito de falar dos candidatos e perceber como isso pode ser influenciado por assuntos específicos.

O levantamento indica que Covas tende à cautela ao falar de seu vice, mas parece mais à vontade quando trata de gestão pública. Já Boulos aparenta ter falas mais enérgicas quando critica serviços terceirizados pela gestão atual, mas parece assumir um tom mais sério e cuidadoso quando discute sua atuação como militante.


Quadro geral das falas

Ouvindo as falas como um todo, os dados revelam que Boulos apresenta um ritmo mais rápido de fala, tom de voz mais agudo e maior variação no tom de voz. Isso faz com que a fala do psolista fique mais “cantada” e menos monotônica, como a de seu rival, Bruno Covas. A fala do tucano varia menos, tem um tom geralmente mais baixo e é mais devagar:

Uma surpresa, talvez, esteja no volume das vozes. Ainda que bastante equiparáveis, as falas de Covas apresentam um volume médio maior do que as de Boulos. Esse dado vai contra a fama dos discursos inflamados do psolista e indica uma mudança bastante comentada em sua postura, que teria assumido um tom mais moderado nessas eleições.

Mas o jeito de falar dos candidatos não é único, e varia conforme o tema.

A fala de Bruno Covas

Quando ouvimos as falas do atual prefeito, dois temas chamam a atenção. Em suas quatro falas sobre seu vice, Ricardo Nunes (MDB), Covas teve uma constância de ritmo de voz incomum. Além disso, o ritmo de Covas ao falar de seu vice foi mais rápido que a média de suas falas:

Ao falar de Nunes, Covas também assumiu um tom de voz mais grave. Entre todas as falas analisadas do candidato nos 6 debates, seu tom mais grave foi justamente em uma fala de 40 segundos tratando do boletim de ocorrência registrado pela esposa de Ricardo Nunes em um caso de violência doméstica. Esse tom mais grave e ritmo constante pode indicar uma maior cautela do tucano ao falar do assunto, assim como pode conferir-lhe mais seriedade:

Por outro lado, Covas atingiu seus tons mais agudos e ritmos mais brandos quando tocou no assunto da terceirização de serviços públicos, situação em que se contrapõe energicamente à posição de seu oponente. Enquanto Covas aparenta mais cautela e nervosismo ao falar de seu vice, ele tem uma postura propositiva e confiante ao tratar de temas como terceirização e responsabilidade fiscal.

A fala de Guilherme Boulos

Assim como Covas, Boulos também apresenta seus momentos de cautela. Para se defender contra ataques, que geralmente são sobre sua inexperiência ou acusações de ter um passado extremista, sua fala fica com tons de voz mais graves e com ritmo mais devagar.

Por exemplo, a sua fala de menor ritmo entre todas as analisadas foi no Roda Viva, quando respondeu ao jornalista Eduardo Kattah sobre a sua atuação “radical” com a seguinte frase: “Eu luto, Eduardo, há vinte anos para que as pessoas tenham um teto… Isso é radicalismo?”. Este ritmo mais lento quando relata sua atuação política lhe dá um tom mais apelativo e dramático. O candidato também prioriza falas mais articuladas nestes casos.

Boulos assume uma estratégia diferente ao falar do tema da terceirização do serviço público — também bastante usado como ponto de ataque contra ele e de diferenciação entre ele e seu rival. Nestes casos, a fala se destaca pelo tom mais agudo:

Para justificar sua posição, Boulos geralmente denuncia irregularidades em alguns contratos de Organizações Sociais, o que poderia explicar seu tom mais elevado.

Outro ponto que analisamos foi a diferença no discurso adotado por Boulos nos debates da campanha presidencial de 2018 e nos da campanha municipal de 2020, para avaliar se o candidato realmente assumiu um tom mais brando e moderado nas eleições deste ano:

Até certo ponto, os gráficos parecem confirmar a intuição de que Boulos abrandou suas falas inflamadas de 2018. As principais diferenças estão na duração média de cada pausa, substancialmente maior em 2020, e no tom de voz, agora bastante abaixo do seu tom de 2018.

O tom de voz mais grave aliado a um discurso mais pausado pode ser interpretado como uma postura mais moderada do candidato em sua fala. Porém, a velocidade do discurso de Boulos parece ter crescido com relação a 2018, o que pode indicar que, apesar do tom mais brando, o candidato mantém uma postura propositiva nos debates.

Os temas nos debates

Para uma análise mais detalhada do que foi discutido nos debates, rotulamos cada fala com seu tema correspondente, o que possibilita elencar os temas em destaque nessa corrida eleitoral:

Algumas omissões notáveis neste top 10 são: Meio Ambiente (31º de 35 temas com 56 segundos), Cultura (25º de 35 temas com 2 minutos), Renda Emergencial (menos de 3 minutos dedicados) e Racismo/Minorias (em 11º com 9 minutos). Mas por candidato, essa distribuição é um pouco diferente:

Como era esperado, o tema da pandemia dominou os debates. O prefeito Bruno Covas passou o dobro de tempo falando deste assunto do que seu segundo tema mais abordado: a economia. Covas, além de falar mais sobre o enfrentamento da pandemia que o rival, priorizou o tema da responsabilidade fiscal, assunto que usa para desacreditar seu adversário.

Já Boulos focou mais em diminuir sua pecha de “radical”, além de trazer mais à tona a questão da moradia e atacar o candidato a vice-prefeito do rival, Ricardo Nunes (MDB). Por fim, enfatizou o tema da terceirização e do serviço público, questão divisora entre os candidatos.

Metodologia

Foram analisados 6 debates dos candidatos à prefeitura de São Paulo: três do primeiro turno (promovidos pela Band, TV Cultura e Folha) e três do segundo turno (promovidos pela CNN Brasil, Band e a sabatina no Roda Viva). Em cada debate, recortamos todas as falas (perguntas, respostas, réplicas e tréplicas) dos candidatos e analisamos as seguintes características acústicas para cada fala:

  • número de pausas;
  • tempo de fonação (tempo de resposta menos o tempo gasto em pausas);
  • número aproximado de sílabas;
  • ritmo de fala (número de sílabas por tempo de resposta);
  • características de intensidade e de frequência fundamental (tom ou “pitch” da voz).

Além disso, anotamos também o tema de cada fala.

Para a análise das falas de Guilherme Boulos em 2018, analisamos os debates na RedeTV (17.8.2018), TV Gazeta (9.9.2018), SBT (26.9.2018) e Record (30.9.2018) — feita em um estudo prévio seguindo os mesmos moldes do levantamento feito para 2020.


Contribuiu com gráficos: Daniel Ferreira.

Créditos da imagem: Kelly Queiroz/CNN Brasil/Divulgação.

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