Uma conversa com o melhor colocado no Ranking de Institutos do Pindograma


"Infelizmente, o que sobra hoje para a opinião pública é o instrumento arcaico"
POR OSCAR NETO E DANIEL FERREIRA • 07/09/2020

De acordo com o Ranking dos Institutos de Pesquisa do Pindograma, a empresa com melhor desempenho entre 2012 e 2018 foi o Instituto Opinião, de São Paulo. Por isso, nossa equipe conversou com Nilton Tristão – sócio fundador do instituto e cientista político com uma visão vanguardista sobre o ramo de pesquisas no país.

Em entrevista ao Pindograma, Nilton afirmou que pesquisas eleitorais estão cada vez menos capazes de indicar qual será o resultado das eleições; e alertou que a opinião pública tem pouco acesso a pesquisas de qualidade.

Nilton chama atenção, ainda, para como um instituto de pesquisa pode escolher em qual “nicho” atuar. Há um mercado para as empresas que retratam as intenções de voto da maneira mais fidedigna possível; e outro para aquelas cujo produto é um resultado favorável ao contratante.


Pindograma: O Instituto Opinião foi um dos melhores colocados no nosso Ranking de Institutos de Pesquisa. A que você atribui errar menos? Quais são os fatores que contribuem para o bom desempenho do seu instituto em relação a seus concorrentes?

Nilton: A nossa empresa não é vocacionada para publicar pesquisas. Nós publicamos pesquisa porque é uma contingência do momento, mas o nosso forte são pesquisas para consumo interno. Nós criamos vetores, variantes para que os candidatos saibam para onde as coisas estão indo.

Nós temos uma base de dados muito segura [que embasa tudo] aquilo que nós fazemos. Mas tem coisas que nós poderíamos colocar [nas pesquisas] que dariam ainda mais assertividade aos resultados, e que geralmente são barradas pela Justiça. Por quê? Porque se criou um modelo, todo mundo tem que seguir esse modelo, e nós ficamos presos a ele. É muito difícil. Então a quantidade de erros que hoje nós vemos em pesquisas muito se deve a esse comportamento. Hoje, nós temos um problema muito sério. As nossas pesquisas, que não são para serem publicadas, elas têm um nível de profundidade muito maior, com uma capacidade de leitura superior do que aquelas que estão sendo publicadas. Infelizmente, o que sobra hoje para a opinião pública é o instrumento arcaico.


Pindograma: Quais tipos de metodologia costumam ser barrados pela Justiça Eleitoral?

Nilton: “Se as eleições fossem hoje e esses fossem os candidatos, em qual deles você votaria?” Essa é a pergunta padrão que a Justiça Eleitoral gosta que você faça. Você está pedindo para a pessoa, dentro de um grupo de nomes, escolher um em detrimento dos demais.

Mas quem disse que esse é o processo de escolha do indivíduo moderno? Quando você faz isso com o entrevistado e o entrevistado responde, a única coisa que ele está fazendo é o seguinte: você está fazendo um pedido para ele e ele está atendendo o seu pedido. Mas isso não significa que esse processo de escolha que nós impusemos a esse sujeito é o mesmo que ele vai utilizar para escolher o candidato dele. É por isso que estamos vivendo em um período complicado. Nós somos obrigados a fazer uma abordagem que, no meu ponto de vista, já não reflete o que a sociedade se tornou. Quando a gente está fazendo as pesquisas de consumo interno, nós já levamos em consideração essas coisas. Quer dizer, a nossa empresa. A grande maioria ainda não.


Pindograma: Para esclarecer melhor, você poderia nos dar um exemplo de uma pergunta que você acredita ser mais efetiva, mas que hoje a Justiça Eleitoral não te deixaria fazer?

Nilton: Eu quero saber o que motiva e o que desmotiva determinado cidadão a fazer a sua escolha. Por quê? O cidadão num determinado momento pode escolher um nome ali dentre um leque de possibilidades. Mas quando você faz um levantamento de ideário, de quem é o “candidato ideal” dele, você vê que isso não bate [com o nome que ele escolheu]. Aí eu falo: esse voto aqui não vai se sustentar. Porque o cidadão está escolhendo uma pessoa que não representa o ideário dele — e ele vai descobrir isso mais na frente. Eu acredito que daqui quatro, cinco anos esse vai ser o modelo que vai ser utilizado [pelo mercado].


Pindograma: Então basicamente o que você está dizendo é que deveríamos usar um modelo, e não as pesquisas, como o preditor do comportamento eleitoral das pessoas.

Nilton: Até por uma questão de contingência de mercado, nós temos que fazer as perguntas clássicas. Porque você não pode impor um modelo novo que choque o cliente. Então você tem que trabalhar com um processo híbrido. O que estou dizendo é que estamos em um momento de transformação da sociedade. Esse modelo que nós utilizamos hoje, ele está, a cada dia que passa, mais em dissonância com a sociedade que vivemos. Porque se você pegar a última eleição, Vox Populi, Ibope e Datafolha previam a Dilma como senadora eleita por Minas Gerais. Ela ficou em quarto lugar. Ninguém apostava no Zema no segundo turno e esteve no segundo turno. Geraldo Alckmin perdeu para o Cabo Daciolo em oito estados. Nenhuma pesquisa dava isso. O indivíduo se tornou uma pessoa que esse método não consegue mais prever o que esse eleitor vai fazer.


Pindograma: Você está dizendo que hoje as pesquisas dizem muito menos sobre como eleitor votaria do que elas diziam no passado.

Nilton: Muito menos. Nós vivíamos num mundo mais simples. As possibilidades eram muito menores. O mundo era menos sofisticado. Sofisticado que eu digo na capacidade do indivíduo de informação… Quer dizer, hoje eu sofro fadiga por excesso de informação. Eu fico exausto com a quantidade de informação que eu tiro num dia. Isso não acontecia no passado.


Pindograma: Voltando para onde nós começamos: a razão de estarmos falando com você é porque o seu instituto tende a ser melhor que os outros, mesmo nesse modelo tradicional de coletar pesquisa eleitoral. A que você acha que isso se deve?

Nilton: É difícil falar porque parece que queremos menosprezar os concorrentes, mas tem que fazer o corte do que eu penso que o mercado é. Se você pegar a minha formação, a da minha sócia e de boa parte dos nossos funcionários, a formação de todos eles está ligada ao campo da pesquisa e da política. Ou seja, nós somos vocacionados. Eu não sou uma pessoa que faz apenas pesquisa. A minha empresa faz, estuda, pensa a pesquisa.

Quando você pega empresas onde o dono da empresa tem outra formação, publicitário, economista, ou de outras áreas, esse pessoal tende a entender a pesquisa somente como um negócio. E quando você pensa a pesquisa apenas sob a ótica do negócio, você tende a reproduzir o modelo padrão. Essas empresas negociam um modelo que é aquele que eu te disse. Não tem um processo de reflexão. Será que isso ainda funciona? Será que as informações que eu estou passando realmente reproduzem o que a sociedade significa? Então as coisas vão se repetindo e repetindo até que chega o momento em que algo novo surge. Aí esse pessoal vai tentar se adaptar a esse modelo novo.

Então eu me coloco, talvez até correndo o risco da soberba, eu vejo a gente como desbravadores. Quando eu olho meu negócio, eu sinto que é minha vida. E eu transformo isso no seguinte: nós temos que nos rever. Temos que nos reformular. O Nilton da década de 80 não é o Nilton que vai ser capaz de dar as respostas para quem está me contratando em 2020. Eu não posso ser o mesmo Nilton, porque senão talvez eu não vá conseguir atender o meu cliente no que ele está necessitando, que é um entendimento da sociedade.


Pindograma: Você lida com a metodologia das pesquisas de uma forma que os outros institutos não lidam?

Nilton: Eu acredito que sim. Eu vou contar como surgiu isso… Eu estava já muito angustiado com essa questão, que é o seguinte, quando você começa a colocar resultados na mão do cliente que você mesmo passa a duvidar deles. Não que eles estejam incorretos, porque você seguiu todos os procedimentos para que você chegasse naquele resultado. Mas e se o procedimento que está errado? Então eu estava pensando: “isso aqui não dá mais, isso aqui não dá mais”. E para relaxar eu peguei um livro que fala sobre a teoria das cordas e fui dormir. Dormindo percebi: “Claro, a solução está aí!”

A solução é que a gente não pode mais tratar as coisas como se fosse um processo de sim ou não. Nós não podemos mais tratar o indivíduo como alguém que aperta o botão azul ou o botão vermelho. Eu, particularmente no início, estava muito muito ansioso, com bastante medo de fazer uma coisa que fosse fruto da minha imaginação, de uma possível loucura. Mas quando a gente começou aplicar os testes de consistência nas informações, começaram a aparecer coisas magníficas. Matamos a charada, matamos a charada! Por isso que quando a gente fala de pesquisa daqui para a adiante, esse método tradicional, ele está fadado ao desaparecimento. Não sei precisar quando, mas está fadado ao desaparecimento, assim como outras coisas também desapareceram.

Me lembro que há um tempo a gente propunha para o candidato “precisamos usar as redes sociais: Facebook, Twitter, etc”. [O candidato respondia:] “Imagina esse negócio de Facebook, isso daí não vai dar em nada”. A gente ouvia isso até há 12 anos atrás: o candidato se negava a usar o Facebook porque ele achava que era uma grande bobagem. E hoje em dia quem fala isso? Nem o mais louco que consegue dizer isso.


Pindograma: Houve em 2018 uma grande discussão sobre a possibilidade de pesquisas eleitorais serem realizadas por telefone. Nessa época, o Ibope e o Datafolha questionaram muito esse tipo de abordagem e, atualmente, em razão da pandemia de COVID-19, vemos o próprio Datafolha fazendo pesquisa telefônica para falar da aprovação do Bolsonaro.

Nilton: Existe muito preconceito em relação ao telefone. E, diga-se de passagem, eu também já tive certo preconceito. O telefone sempre foi associado à ideia de enquete. Mas se você conseguir obedecer todos os critérios que dão as garantias metodológicas e científicas para pesquisa telefônica, ela tem absolutamente a mesma validade e não há diferença em relação ao cara-a-cara.

O grande problema é que 90% das empresas entenderam telefone como algo assim: “Estamos vivendo um momento excepcional e vamos fazer aqui umas pesquisas por telefone, até que as coisas voltem à normalidade”. Eu penso que devemos entender isso como algo que veio para ficar, uma tendência que tende a se perpetuar. Se você ver nos Estados Unidos, você não tem mais o face-to-face. Eu considero que a pesquisa por telefone, hoje, da forma como nós estruturamos, é melhor que a com pessoa na rua.


Pindograma: Segundo informações registradas junto ao TSE, o Instituto Opinião trabalha tanto para a imprensa quanto para partidos políticos. Quando você presta serviço a partidos políticos, não existe uma pressão para que você dê um resultado favorável a quem te contratou? Como lidar com essa questão?

Nilton: Tudo depende de como você se posiciona no mercado. Eu já tive muitos dissabores, mas eu sou conhecido e faço pesquisas há 30 anos, e tem uma coisa que eu falo: não me peça para mudar resultados. Então por exemplo, uma das coisas que tem no mercado é empresário que fala que não quer pesquisa “do Nilton”, porque eles sabem que eu bato o pé.

E aí não quero nem entrar no campo moral, mas você determina o quadrado que você vai jogar. Então, o quadrado que eu determinei para mim é o quadrado onde a gente não altera resultados sob hipótese alguma. Se isso já me deu problema? Diversos. Muitos. O pessoal precisa de um determinado resultado e não me chama. Eles vão procurar alguém que escolheu isso como um produto: “O meu produto é criar resultados que estejam em consonância com o que o contratante pede”. Então o mercado já ficou mais ou menos organizado em relação a isso. Claro, aí tem empresa que começa a se queimar, se queimar, se queimar e daqui a pouco ela aparece com outro nome.

Não estou falando isso com um viés moral, eu estou te falando isso como um negócio. Tem gente que entendeu que um nicho era negociar resultado, e a gente entendeu que o nosso nicho é fazer a pesquisa rigorosamente, dentro dos critérios e sem alterar uma vírgula. Então, quem nos procura, já nos procura por esse motivo. É uma opção de mercado.


Pindograma: No começo da entrevista, você comentou sobre a burocracia envolvida no processo de realização de pesquisas eleitorais voltadas à divulgação. Um outro exemplo que poderíamos usar para falar dessa burocratização é a exigência de um estatístico responsável por assinar cada pesquisa que é divulgada. O senhor acredita que essa exigência contribuiu para melhorar a qualidade das pesquisas publicadas no país?

Nilton: Nós temos estatísticos dentro do nosso corpo técnico. O que aconteceu foi que alguns estatísticos começaram a ganhar um dinheirinho a mais. A pessoa procura um estatístico e diz que vai pagar R$1.000 para assinar uma pesquisa. O estatístico assina.

Eu acho que hoje a legislação para a publicação de pesquisas eleitorais no Brasil é muito boa. Nos Estados Unidos, eu acho que não existe nem um décimo da obrigatoriedade que nós temos aqui para divulgar um resultado. Eu acho que lá a questão é mais de você perder a credibilidade. As pessoas vivem muito da credibilidade lá.

Essa questão da legislação começou por conta da pesquisa como um instrumento de marketing. “Precisamos de uma pesquisa que aponte o nosso candidato em primeiro lugar, então vamos arrumar uma pesquisa que nos coloque em primeiro lugar”. Aí o adversário dele fala, “Eu também preciso de uma pesquisa que me coloque em primeiro lugar”. Então daqui a pouco você tem cinco pesquisas publicadas em uma mesma cidade com resultados completamente diferentes. Isso é um desserviço para a opinião pública. Agora, como a gente lida com isso? Essa legislação veio tentar coibir um pouco disso, mas de uma certa forma, quem quiser continuar fazendo picaretagem, continua fazendo. Não é esse formato que está que vai impedir isso.

Agora, o que virou é que hoje você tem advogados que são especialistas em impugnar registros. É mais uma forma de procrastinação. Você pega o questionário, vai ao juiz e diz, “esse questionário induz ao erro”. Então o juiz, como não entende nada de pesquisa, suspende a pesquisa até a manifestação da empresa. Então a empresa se manifesta, vem o advogado e faz outro recurso. Manda o recurso da primeira para a segunda instância… Então isso virou mais um negócio, um negócio no campo do Direito. É coisa de Brasil.


Pindograma: Também há a necessidade de se informar à Justiça Eleitoral quem é o contratante da pesquisa. Mas na prática, quando se olha os registros, é possível encontrar muitas empresas em que 90%, às vezes 98% das pesquisas são declaradas como autocontratadas.

Nilton: É o faz de conta. Nós vivemos assim. Isso é, na verdade, um reflexo da sociedade em que a gente vive.


Pindograma: Além da terceirização do trabalho realizado pelos estatísticos, uma outra prática comum no ramo é a terceirização do trabalho de campo, dos pesquisadores. Como você vê essa prática, especificamente?

Nilton: Se há um objetivo a ser seguido, um método a ser cumprido, se a empresa que está te fornecendo a mão de obra executar o trabalho de maneira rigorosa, eu não vejo problema. O fato do pesquisador estar no seu quadro de funcionários ou estar no quadro de outra empresa, isso não importa. O que importa é se a coleta de dados está sendo feita de maneira satisfatória. Os padrões que nós impusemos estão sendo fiscalizados de maneira rígida? Se estiver acontecendo isso, não tem nenhum problema.


Pindograma: Você comentou há pouco que, dez anos atrás, alguns candidatos ainda relutavam em usar as redes sociais e que hoje isso é inconcebível. No entanto, o próprio Instituto Opinião não tem perfil nas redes sociais. Há algum motivo específico para isso? Como é feita a prospecção de clientes no ramo?

Nilton: Na verdade, eu sou um cinquentão. Então eu sou do mundo pré-internet. Hoje eu tive pedido de contratação de oito pesquisas. Nós estamos atolados de tanto trabalho. E eu fico pensando o seguinte, se eu começar a divulgar, o que vai ser de mim? Minha esposa já reclama que eu não consigo conversar com ela. No fundo, se você me perguntar como a gente faz, nem eu sei dizer exatamente. Só hoje entrou pedido do Rio de Janeiro, Ceará, Bahia, Goiás e mais quatro pedidos de São Paulo. Na semana, nós recebemos cerca de 30 pedidos, então quer dizer, estamos falando em 120 pedidos por mês. E nós estamos em agosto. As coisas vão aumentar daqui para frente. Então eu tenho até medo.

Por exemplo, nós temos uma empresa que fornece para nós pesquisadores [para fazer entrevistas]. É uma empresa que já está conosco há muito tempo. Eu estava perguntando para o dono da empresa como está o mercado, porque ela fornece para mim, para o Ibope, para o Datafolha, para outras empresas, e ela me disse que 80% do pessoal estava trabalhando para nós. Então 80% do trabalho dessa empresa hoje é gerado por nós.

O que eu faço é escrever para alguns jornais, e eu tenho no meu WhatsApp cerca de 2.500 nomes de deputados, senadores, prefeitos, ministros. Então costumo postar com alguma frequência alguns textos. Basicamente a nossa ação é nesse caminho. Se eu e minha sócia avançarmos nesse sentido, nós não vamos ter perna para atender. Porque uma coisa é você trabalhar com qualidade. Qualidade pressupõe critérios, pressupõe rigor. Então é impossível você ter uma quantidade de pesquisa na rua para a qual você precisaria ter um volume de recursos, de gente trabalhando, e um controle que não dá… Não dá para você fazer.


Pindograma: Nós verificamos que você fez uma pesquisa em 2016 com 400 entrevistados em São Carlos, e você cobrou R$ 5 mil. Mas em Mogi das Cruzes, você fez outra pesquisa com o mesmo número de entrevistados e cobrou R$ 25 mil. Quais fatores influenciam no valor de uma pesquisa eleitoral?

Nilton: Você precisa ver qual o seu custo para você conseguir fazer aquilo. Eu não tenho a obrigação de manter o mesmo preço. Naquele momento, fazer em São Carlos era mais vantajoso que em Mogi das Cruzes. Eu não tinha nenhum motivo para fazer [em Mogi]. Se quiser pesquisa minha em Mogi das Cruzes é R$ 25 mil. Em outras cidades eu tenho um processo de amortização que em determinado momento me interessa fazer e publicar uma pesquisa. E esse valor cobre a minha operação.


Contribuiu com a entrevista: Daniel Ferreira.

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Oscar Neto é fundador e contribuidor do Pindograma.

Daniel Ferreira é editor do Pindograma.

Uma conversa com o melhor colocado no Ranking de Institutos do Pindograma

"Infelizmente, o que sobra hoje para a opinião pública é o instrumento arcaico"

POR OSCAR NETO E DANIEL FERREIRA

07/09/2020

De acordo com o Ranking dos Institutos de Pesquisa do Pindograma, a empresa com melhor desempenho entre 2012 e 2018 foi o Instituto Opinião, de São Paulo. Por isso, nossa equipe conversou com Nilton Tristão – sócio fundador do instituto e cientista político com uma visão vanguardista sobre o ramo de pesquisas no país.

Em entrevista ao Pindograma, Nilton afirmou que pesquisas eleitorais estão cada vez menos capazes de indicar qual será o resultado das eleições; e alertou que a opinião pública tem pouco acesso a pesquisas de qualidade.

Nilton chama atenção, ainda, para como um instituto de pesquisa pode escolher em qual “nicho” atuar. Há um mercado para as empresas que retratam as intenções de voto da maneira mais fidedigna possível; e outro para aquelas cujo produto é um resultado favorável ao contratante.


Pindograma: O Instituto Opinião foi um dos melhores colocados no nosso Ranking de Institutos de Pesquisa. A que você atribui errar menos? Quais são os fatores que contribuem para o bom desempenho do seu instituto em relação a seus concorrentes?

Nilton: A nossa empresa não é vocacionada para publicar pesquisas. Nós publicamos pesquisa porque é uma contingência do momento, mas o nosso forte são pesquisas para consumo interno. Nós criamos vetores, variantes para que os candidatos saibam para onde as coisas estão indo.

Nós temos uma base de dados muito segura [que embasa tudo] aquilo que nós fazemos. Mas tem coisas que nós poderíamos colocar [nas pesquisas] que dariam ainda mais assertividade aos resultados, e que geralmente são barradas pela Justiça. Por quê? Porque se criou um modelo, todo mundo tem que seguir esse modelo, e nós ficamos presos a ele. É muito difícil. Então a quantidade de erros que hoje nós vemos em pesquisas muito se deve a esse comportamento. Hoje, nós temos um problema muito sério. As nossas pesquisas, que não são para serem publicadas, elas têm um nível de profundidade muito maior, com uma capacidade de leitura superior do que aquelas que estão sendo publicadas. Infelizmente, o que sobra hoje para a opinião pública é o instrumento arcaico.


Pindograma: Quais tipos de metodologia costumam ser barrados pela Justiça Eleitoral?

Nilton: “Se as eleições fossem hoje e esses fossem os candidatos, em qual deles você votaria?” Essa é a pergunta padrão que a Justiça Eleitoral gosta que você faça. Você está pedindo para a pessoa, dentro de um grupo de nomes, escolher um em detrimento dos demais.

Mas quem disse que esse é o processo de escolha do indivíduo moderno? Quando você faz isso com o entrevistado e o entrevistado responde, a única coisa que ele está fazendo é o seguinte: você está fazendo um pedido para ele e ele está atendendo o seu pedido. Mas isso não significa que esse processo de escolha que nós impusemos a esse sujeito é o mesmo que ele vai utilizar para escolher o candidato dele. É por isso que estamos vivendo em um período complicado. Nós somos obrigados a fazer uma abordagem que, no meu ponto de vista, já não reflete o que a sociedade se tornou. Quando a gente está fazendo as pesquisas de consumo interno, nós já levamos em consideração essas coisas. Quer dizer, a nossa empresa. A grande maioria ainda não.


Pindograma: Para esclarecer melhor, você poderia nos dar um exemplo de uma pergunta que você acredita ser mais efetiva, mas que hoje a Justiça Eleitoral não te deixaria fazer?

Nilton: Eu quero saber o que motiva e o que desmotiva determinado cidadão a fazer a sua escolha. Por quê? O cidadão num determinado momento pode escolher um nome ali dentre um leque de possibilidades. Mas quando você faz um levantamento de ideário, de quem é o “candidato ideal” dele, você vê que isso não bate [com o nome que ele escolheu]. Aí eu falo: esse voto aqui não vai se sustentar. Porque o cidadão está escolhendo uma pessoa que não representa o ideário dele — e ele vai descobrir isso mais na frente. Eu acredito que daqui quatro, cinco anos esse vai ser o modelo que vai ser utilizado [pelo mercado].


Pindograma: Então basicamente o que você está dizendo é que deveríamos usar um modelo, e não as pesquisas, como o preditor do comportamento eleitoral das pessoas.

Nilton: Até por uma questão de contingência de mercado, nós temos que fazer as perguntas clássicas. Porque você não pode impor um modelo novo que choque o cliente. Então você tem que trabalhar com um processo híbrido. O que estou dizendo é que estamos em um momento de transformação da sociedade. Esse modelo que nós utilizamos hoje, ele está, a cada dia que passa, mais em dissonância com a sociedade que vivemos. Porque se você pegar a última eleição, Vox Populi, Ibope e Datafolha previam a Dilma como senadora eleita por Minas Gerais. Ela ficou em quarto lugar. Ninguém apostava no Zema no segundo turno e esteve no segundo turno. Geraldo Alckmin perdeu para o Cabo Daciolo em oito estados. Nenhuma pesquisa dava isso. O indivíduo se tornou uma pessoa que esse método não consegue mais prever o que esse eleitor vai fazer.


Pindograma: Você está dizendo que hoje as pesquisas dizem muito menos sobre como eleitor votaria do que elas diziam no passado.

Nilton: Muito menos. Nós vivíamos num mundo mais simples. As possibilidades eram muito menores. O mundo era menos sofisticado. Sofisticado que eu digo na capacidade do indivíduo de informação… Quer dizer, hoje eu sofro fadiga por excesso de informação. Eu fico exausto com a quantidade de informação que eu tiro num dia. Isso não acontecia no passado.


Pindograma: Voltando para onde nós começamos: a razão de estarmos falando com você é porque o seu instituto tende a ser melhor que os outros, mesmo nesse modelo tradicional de coletar pesquisa eleitoral. A que você acha que isso se deve?

Nilton: É difícil falar porque parece que queremos menosprezar os concorrentes, mas tem que fazer o corte do que eu penso que o mercado é. Se você pegar a minha formação, a da minha sócia e de boa parte dos nossos funcionários, a formação de todos eles está ligada ao campo da pesquisa e da política. Ou seja, nós somos vocacionados. Eu não sou uma pessoa que faz apenas pesquisa. A minha empresa faz, estuda, pensa a pesquisa.

Quando você pega empresas onde o dono da empresa tem outra formação, publicitário, economista, ou de outras áreas, esse pessoal tende a entender a pesquisa somente como um negócio. E quando você pensa a pesquisa apenas sob a ótica do negócio, você tende a reproduzir o modelo padrão. Essas empresas negociam um modelo que é aquele que eu te disse. Não tem um processo de reflexão. Será que isso ainda funciona? Será que as informações que eu estou passando realmente reproduzem o que a sociedade significa? Então as coisas vão se repetindo e repetindo até que chega o momento em que algo novo surge. Aí esse pessoal vai tentar se adaptar a esse modelo novo.

Então eu me coloco, talvez até correndo o risco da soberba, eu vejo a gente como desbravadores. Quando eu olho meu negócio, eu sinto que é minha vida. E eu transformo isso no seguinte: nós temos que nos rever. Temos que nos reformular. O Nilton da década de 80 não é o Nilton que vai ser capaz de dar as respostas para quem está me contratando em 2020. Eu não posso ser o mesmo Nilton, porque senão talvez eu não vá conseguir atender o meu cliente no que ele está necessitando, que é um entendimento da sociedade.


Pindograma: Você lida com a metodologia das pesquisas de uma forma que os outros institutos não lidam?

Nilton: Eu acredito que sim. Eu vou contar como surgiu isso… Eu estava já muito angustiado com essa questão, que é o seguinte, quando você começa a colocar resultados na mão do cliente que você mesmo passa a duvidar deles. Não que eles estejam incorretos, porque você seguiu todos os procedimentos para que você chegasse naquele resultado. Mas e se o procedimento que está errado? Então eu estava pensando: “isso aqui não dá mais, isso aqui não dá mais”. E para relaxar eu peguei um livro que fala sobre a teoria das cordas e fui dormir. Dormindo percebi: “Claro, a solução está aí!”

A solução é que a gente não pode mais tratar as coisas como se fosse um processo de sim ou não. Nós não podemos mais tratar o indivíduo como alguém que aperta o botão azul ou o botão vermelho. Eu, particularmente no início, estava muito muito ansioso, com bastante medo de fazer uma coisa que fosse fruto da minha imaginação, de uma possível loucura. Mas quando a gente começou aplicar os testes de consistência nas informações, começaram a aparecer coisas magníficas. Matamos a charada, matamos a charada! Por isso que quando a gente fala de pesquisa daqui para a adiante, esse método tradicional, ele está fadado ao desaparecimento. Não sei precisar quando, mas está fadado ao desaparecimento, assim como outras coisas também desapareceram.

Me lembro que há um tempo a gente propunha para o candidato “precisamos usar as redes sociais: Facebook, Twitter, etc”. [O candidato respondia:] “Imagina esse negócio de Facebook, isso daí não vai dar em nada”. A gente ouvia isso até há 12 anos atrás: o candidato se negava a usar o Facebook porque ele achava que era uma grande bobagem. E hoje em dia quem fala isso? Nem o mais louco que consegue dizer isso.


Pindograma: Houve em 2018 uma grande discussão sobre a possibilidade de pesquisas eleitorais serem realizadas por telefone. Nessa época, o Ibope e o Datafolha questionaram muito esse tipo de abordagem e, atualmente, em razão da pandemia de COVID-19, vemos o próprio Datafolha fazendo pesquisa telefônica para falar da aprovação do Bolsonaro.

Nilton: Existe muito preconceito em relação ao telefone. E, diga-se de passagem, eu também já tive certo preconceito. O telefone sempre foi associado à ideia de enquete. Mas se você conseguir obedecer todos os critérios que dão as garantias metodológicas e científicas para pesquisa telefônica, ela tem absolutamente a mesma validade e não há diferença em relação ao cara-a-cara.

O grande problema é que 90% das empresas entenderam telefone como algo assim: “Estamos vivendo um momento excepcional e vamos fazer aqui umas pesquisas por telefone, até que as coisas voltem à normalidade”. Eu penso que devemos entender isso como algo que veio para ficar, uma tendência que tende a se perpetuar. Se você ver nos Estados Unidos, você não tem mais o face-to-face. Eu considero que a pesquisa por telefone, hoje, da forma como nós estruturamos, é melhor que a com pessoa na rua.


Pindograma: Segundo informações registradas junto ao TSE, o Instituto Opinião trabalha tanto para a imprensa quanto para partidos políticos. Quando você presta serviço a partidos políticos, não existe uma pressão para que você dê um resultado favorável a quem te contratou? Como lidar com essa questão?

Nilton: Tudo depende de como você se posiciona no mercado. Eu já tive muitos dissabores, mas eu sou conhecido e faço pesquisas há 30 anos, e tem uma coisa que eu falo: não me peça para mudar resultados. Então por exemplo, uma das coisas que tem no mercado é empresário que fala que não quer pesquisa “do Nilton”, porque eles sabem que eu bato o pé.

E aí não quero nem entrar no campo moral, mas você determina o quadrado que você vai jogar. Então, o quadrado que eu determinei para mim é o quadrado onde a gente não altera resultados sob hipótese alguma. Se isso já me deu problema? Diversos. Muitos. O pessoal precisa de um determinado resultado e não me chama. Eles vão procurar alguém que escolheu isso como um produto: “O meu produto é criar resultados que estejam em consonância com o que o contratante pede”. Então o mercado já ficou mais ou menos organizado em relação a isso. Claro, aí tem empresa que começa a se queimar, se queimar, se queimar e daqui a pouco ela aparece com outro nome.

Não estou falando isso com um viés moral, eu estou te falando isso como um negócio. Tem gente que entendeu que um nicho era negociar resultado, e a gente entendeu que o nosso nicho é fazer a pesquisa rigorosamente, dentro dos critérios e sem alterar uma vírgula. Então, quem nos procura, já nos procura por esse motivo. É uma opção de mercado.


Pindograma: No começo da entrevista, você comentou sobre a burocracia envolvida no processo de realização de pesquisas eleitorais voltadas à divulgação. Um outro exemplo que poderíamos usar para falar dessa burocratização é a exigência de um estatístico responsável por assinar cada pesquisa que é divulgada. O senhor acredita que essa exigência contribuiu para melhorar a qualidade das pesquisas publicadas no país?

Nilton: Nós temos estatísticos dentro do nosso corpo técnico. O que aconteceu foi que alguns estatísticos começaram a ganhar um dinheirinho a mais. A pessoa procura um estatístico e diz que vai pagar R$1.000 para assinar uma pesquisa. O estatístico assina.

Eu acho que hoje a legislação para a publicação de pesquisas eleitorais no Brasil é muito boa. Nos Estados Unidos, eu acho que não existe nem um décimo da obrigatoriedade que nós temos aqui para divulgar um resultado. Eu acho que lá a questão é mais de você perder a credibilidade. As pessoas vivem muito da credibilidade lá.

Essa questão da legislação começou por conta da pesquisa como um instrumento de marketing. “Precisamos de uma pesquisa que aponte o nosso candidato em primeiro lugar, então vamos arrumar uma pesquisa que nos coloque em primeiro lugar”. Aí o adversário dele fala, “Eu também preciso de uma pesquisa que me coloque em primeiro lugar”. Então daqui a pouco você tem cinco pesquisas publicadas em uma mesma cidade com resultados completamente diferentes. Isso é um desserviço para a opinião pública. Agora, como a gente lida com isso? Essa legislação veio tentar coibir um pouco disso, mas de uma certa forma, quem quiser continuar fazendo picaretagem, continua fazendo. Não é esse formato que está que vai impedir isso.

Agora, o que virou é que hoje você tem advogados que são especialistas em impugnar registros. É mais uma forma de procrastinação. Você pega o questionário, vai ao juiz e diz, “esse questionário induz ao erro”. Então o juiz, como não entende nada de pesquisa, suspende a pesquisa até a manifestação da empresa. Então a empresa se manifesta, vem o advogado e faz outro recurso. Manda o recurso da primeira para a segunda instância… Então isso virou mais um negócio, um negócio no campo do Direito. É coisa de Brasil.


Pindograma: Também há a necessidade de se informar à Justiça Eleitoral quem é o contratante da pesquisa. Mas na prática, quando se olha os registros, é possível encontrar muitas empresas em que 90%, às vezes 98% das pesquisas são declaradas como autocontratadas.

Nilton: É o faz de conta. Nós vivemos assim. Isso é, na verdade, um reflexo da sociedade em que a gente vive.


Pindograma: Além da terceirização do trabalho realizado pelos estatísticos, uma outra prática comum no ramo é a terceirização do trabalho de campo, dos pesquisadores. Como você vê essa prática, especificamente?

Nilton: Se há um objetivo a ser seguido, um método a ser cumprido, se a empresa que está te fornecendo a mão de obra executar o trabalho de maneira rigorosa, eu não vejo problema. O fato do pesquisador estar no seu quadro de funcionários ou estar no quadro de outra empresa, isso não importa. O que importa é se a coleta de dados está sendo feita de maneira satisfatória. Os padrões que nós impusemos estão sendo fiscalizados de maneira rígida? Se estiver acontecendo isso, não tem nenhum problema.


Pindograma: Você comentou há pouco que, dez anos atrás, alguns candidatos ainda relutavam em usar as redes sociais e que hoje isso é inconcebível. No entanto, o próprio Instituto Opinião não tem perfil nas redes sociais. Há algum motivo específico para isso? Como é feita a prospecção de clientes no ramo?

Nilton: Na verdade, eu sou um cinquentão. Então eu sou do mundo pré-internet. Hoje eu tive pedido de contratação de oito pesquisas. Nós estamos atolados de tanto trabalho. E eu fico pensando o seguinte, se eu começar a divulgar, o que vai ser de mim? Minha esposa já reclama que eu não consigo conversar com ela. No fundo, se você me perguntar como a gente faz, nem eu sei dizer exatamente. Só hoje entrou pedido do Rio de Janeiro, Ceará, Bahia, Goiás e mais quatro pedidos de São Paulo. Na semana, nós recebemos cerca de 30 pedidos, então quer dizer, estamos falando em 120 pedidos por mês. E nós estamos em agosto. As coisas vão aumentar daqui para frente. Então eu tenho até medo.

Por exemplo, nós temos uma empresa que fornece para nós pesquisadores [para fazer entrevistas]. É uma empresa que já está conosco há muito tempo. Eu estava perguntando para o dono da empresa como está o mercado, porque ela fornece para mim, para o Ibope, para o Datafolha, para outras empresas, e ela me disse que 80% do pessoal estava trabalhando para nós. Então 80% do trabalho dessa empresa hoje é gerado por nós.

O que eu faço é escrever para alguns jornais, e eu tenho no meu WhatsApp cerca de 2.500 nomes de deputados, senadores, prefeitos, ministros. Então costumo postar com alguma frequência alguns textos. Basicamente a nossa ação é nesse caminho. Se eu e minha sócia avançarmos nesse sentido, nós não vamos ter perna para atender. Porque uma coisa é você trabalhar com qualidade. Qualidade pressupõe critérios, pressupõe rigor. Então é impossível você ter uma quantidade de pesquisa na rua para a qual você precisaria ter um volume de recursos, de gente trabalhando, e um controle que não dá… Não dá para você fazer.


Pindograma: Nós verificamos que você fez uma pesquisa em 2016 com 400 entrevistados em São Carlos, e você cobrou R$ 5 mil. Mas em Mogi das Cruzes, você fez outra pesquisa com o mesmo número de entrevistados e cobrou R$ 25 mil. Quais fatores influenciam no valor de uma pesquisa eleitoral?

Nilton: Você precisa ver qual o seu custo para você conseguir fazer aquilo. Eu não tenho a obrigação de manter o mesmo preço. Naquele momento, fazer em São Carlos era mais vantajoso que em Mogi das Cruzes. Eu não tinha nenhum motivo para fazer [em Mogi]. Se quiser pesquisa minha em Mogi das Cruzes é R$ 25 mil. Em outras cidades eu tenho um processo de amortização que em determinado momento me interessa fazer e publicar uma pesquisa. E esse valor cobre a minha operação.


Contribuiu com a entrevista: Daniel Ferreira.

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Oscar Neto

é fundador e contribuidor do Pindograma.

Daniel Ferreira

é editor do Pindograma.

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