Em 2020, uma pesquisa do Ibope mostrou que 11% dos usuários de ônibus na cidade de São Paulo consideravam o risco de furto e assalto como o principal problema da rede. A presença da criminalidade nos trajetos diários de milhões de paulistanos é confirmado pela distribuição dos crimes pela cidade — dados que o Pindograma analisou.
O mapa abaixo mostra a distribuição geográfica desses crimes em 2019:
Os furtos ocorrem na cidade toda, seguindo o padrão de densidade urbana. Já os roubos são praticamente inexistentes em bairros nobres como Jardins, Pinheiros e Morumbi, embora sejam comuns em bairros do Centro, como a Sé, e em regiões mais distantes dele, como Santo Amaro, Itaquera e São Miguel Paulista.
O mapa também revela a concentração de ocorrências de furto em grandes avenidas centrais, como a Paulista, Faria Lima, Brigadeiro Luís Antônio e a Rua da Consolação:
Os roubos, por outro lado, foram recorrentes em vias como a Radial Leste. Na Zona Sul, também foram comuns ocorrências na Ponte do Socorro e na Avenida João Dias:
Além de diferenças nos padrões geográficos de roubos e furtos em transporte coletivo, há uma diferença significativa nos horários em que esses crimes ocorrem. Carteiras e celulares são majoritariamente furtados entre 6h e 9h e entre 17h e 19h, horários de pico na cidade. A distribuição não é nada surpreendente, uma vez que está diretamente ligada ao maior número de passageiros. O furto é favorecido por ônibus cheios, onde o criminoso pode puxar uma carteira de uma bolsa sem ser percebido e rapidamente retornar ao anonimato no meio da turba.
Os roubos, por outro lado, não seguem os padrões de aumento do número de passageiros. Eles se concentram principalmente entre as 20h e 22h, nas linhas da periferia e do Centro, e são mais frequentes em ônibus vazios, se aproximando do final da linha, para que os bandidos possam fugir rapidamente sem serem pegos.
Os números de crimes em ônibus coletivos vinham aumentando até o início da pandemia e as medidas de isolamento social. O sociólogo Gabriel Feltran, professor da Universidade Federal de São Carlos, explica que esses crimes normalmente são cometidos por um tipo específico de criminoso: “Quem rouba no ônibus geralmente não é nada respeitado no mundo criminal, nem nas suas próprias comunidades; são em geral usuários de drogas em estágio avançado, ou pessoas sem controle da própria ação”. A alta concentração de roubos e crimes em volta da estação da Luz faz sentido na sua perspectiva, considerando que o local é próximo da Cracolândia, onde há muitos usuários de drogas.
Com a pandemia, os crimes no transporte coletivo diminuíram, uma vez que o número médio de passageiros caiu pela metade. Contudo, enquanto pessoas que moram na periferia tiverem que percorrer trajetos absurdamente longos e o policiamento se mantiver esparso, roubos em transporte público têm grande probabilidade de continuar ocorrendo.
A SPTrans, empresa responsável pelos ônibus na cidade de São Paulo, afirmou ao Pindograma que “demandas envolvendo roubos e furtos no interior dos veículos são encaminhadas diretamente à Secretaria de Segurança Pública de São Paulo”. Além disso, o órgão envia “uma planilha contendo todos os dados disponíveis [sobre esses crimes]… para que a Polícia Militar possa nortear suas ações preventivas”.
Antes da pandemia, 3,3 milhões de pessoas usavam ônibus todo dia útil na cidade de São Paulo. Mesmo no auge da pandemia, esse número continuou significativo: em julho de 2020, 1,5 milhões de pessoas utilizaram o serviço em dias úteis. Pessoas de todas as faixas de renda e todos os bairros estão incluídas nesse número, porém algumas precisam percorrer trajetos consideravelmente mais longos e que as colocam sob mais riscos do que outras. É o caso dos moradores das periferias.
A recorrência de crimes em ônibus e o medo sentido pela população são, em parte, resultado de como o policiamento é feito na cidade de São Paulo. Um estudo realizado em 2003 com moradores de todas as regiões da cidade mostrou que grande parte dos moradores das periferias sentia medo de serem roubados em transportes públicos, uma vez que ladrões e traficantes de drogas transitavam livremente nesses ambientes. Essa percepção era exacerbada pelo mau policiamento: os moradores não se sentiam protegidos pela polícia e não acreditavam que os atores de roubos seriam punidos pelos seus atos.
O medo generalizado na sociedade também pode ter consequências políticas. Para o sociólogo Gabriel Feltran, “a recorrência desses crimes também pode legitimar o populismo penal”. Políticos podem instrumentalizar o medo da população em seu favor, prejudicando debates mais produtivos sobre políticas públicas para a segurança.
Dados utilizados na matéria: Ocorrências de furtos e roubos de celular (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo).
Para reproduzir os números e gráficos da matéria, o código pode ser encontrado aqui.
Créditos da imagem: Renato Lombardero/Flickr.
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