As eleições municipais de 2020 tiveram um recorde de candidaturas femininas. Este ano, elas compõem 33,2% do total: 182.818 candidatas disputam vereanças e prefeituras pelo país. Em 2016, elas representavam 32,79% do total.
No entanto, esses números não indicam, necessariamente, que mais mulheres serão eleitas em 2020. Neste ano, por exemplo, mulheres representam apenas 13,38% dos candidatos a prefeito, um modesto aumento desde 2016, quando elas eram 13% do total. É basicamente um retorno à proporção de 2012: 13,43%.
Considerar apenas a proporção de mulheres entre os candidatos a prefeito pode não refletir o que está ocorrendo em 2020. Por isso, decidimos investigar quantas mulheres chegaram perto de vencer a disputa em anos anteriores, e quantas estão no caminho certo nas eleições neste ano. Apesar de haver mais candidatas este ano, as mulheres não parecem ter uma vantagem maior do que em anos anteriores, e a pandemia de coronavírus trouxe novos desafios para essa corrida eleitoral.
Como se mede uma candidatura competitiva?
O Pindograma analisou a disputa eleitoral até o momento e comparou-a com ciclos eleitorais de anos anteriores utilizando dados do agregador de pesquisas, que reúne mais de 6.000 pesquisas eleitorais feitas no Brasil desde 2012. O agregador indica como as candidatas do sexo feminino estão indo nos pleitos e possbilita a comparação de seu desempenho em relação aos rivais do sexo masculino.
Unimos dois critérios para medir a competitividade de uma candidatura. Primeiro, consideramos candidaturas que atingiram pelo menos 10% da intenção de voto a partir de setembro do ano da eleição. Segundo, consideramos os candidatos que apareceram entre os três primeiros colocados na disputa pela prefeitura, também a partir de setembro. Caso um candidato atinja qualquer um desses critérios, consideramos sua candidatura competitiva.
Aqui, é importante fazer duas ressalvas. Primeiro, pesquisas podem errar. Segundo, nem todas as cidades do país têm pesquisas publicadas.
Dos 5.570 municípios brasileiros, foram analisados 460 em 2012, 532 em 2016 e 572 em 2020. A amostra tem uma leve tendência a sobrerrepresentar candidaturas femininas, já que cidades mais populosas, onde pesquisas eleitorais são mais comuns, também têm mais mulheres concorrendo.
O desempenho das candidatas e dos candidatos
Dos candidatos com chances reais de eleição em 2012, somente 13,8% eram mulheres. No ciclo eleitoral seguinte, o número aumentou para 14,3%. Em 2020, as proporções não sofreram grandes alterações: das candidaturas competitivas, 15,6% eram femininas.
A proporção de candidatos competitivos em relação ao total de cada sexo é parecida, com uma leve vantagem para as mulheres: em torno de 74% das candidaturas femininas eram competitivas em 2012 contra 68% das masculinas, diferença que diminuiu mas permaneceu presente em 2016.
Porém, nos dois anos elas acabaram sendo eleitas em menor proporção. Em 2016, por exemplo, 28% dos homens que estavam concorrendo venceram a eleição, comparado a 20% das candidaturas femininas.
2020 é o primeiro ano em que, de acordo com nossos critérios, as candidaturas masculinas são proporcionalmente mais competitivas: 43% contra 41% entre as mulheres. Resta ver se eles mantém o melhor desempenho nas eleições.
No gráfico acima, percebe-se um aumento no número total de candidatas à prefeitura, principalmente em 2020 — lembrando que há mais pessoas concorrendo de ambos os sexos. Talvez por conta desse aumento geral, a quantidade de candidaturas femininas competitivas não tenha acompanhado o crescimento de candidatas. Houve até um pequeno decréscimo de 181 para 177 aspirantes à prefeitas com chances reais neste ano.
Dificuldades e 2020
Noemí Araujo, articuladora política voluntária da ONG Elas no Poder, explica que as dificuldades para a participação política das mulheres começam dentro de casa. Mulheres costumam ser responsáveis pelo trabalho doméstico e cuidado com os filhos em maior frequência do que homens, o que deixa menos tempo disponível para se dedicar a uma campanha política.
Em 2020, a pandemia do coronavírus tende a agravar essa situação. Apesar da falta de dados sobre o tema, Araujo diz que o risco de saúde pública é algo que afeta as candidatas com quem a ONG interage no dia-a-dia. “Se ela é uma líder no seu lar e responsável pela gestão da sua família, ela vai pensar 2 ou 3 vezes antes de se expor e contaminar sua família”. Em eleições municipais, o contato corpo-a-corpo é mais importante do que em outros pleitos, explica Araujo.
Além de questões sociais e de saúde pública, o financiamento também é chave para campanhas políticas. Desde 2018, a legislação eleitoral obriga que 30% da verba do fundo eleitoral e do fundo partidário sejam dedicadas a candidaturas de mulheres. No entanto, a menos de um mês das eleições deste ano, 22 dos 33 partidos brasileiros, ou 2 a cada 3 das agremiações, ainda não haviam repassado a verba mínima a candidatas mulheres exigida por lei.
Segundo Araújo, a ausência dessa verba aumenta a disparidade financeira nas campanhas, e aquelas que contam com menos recursos se tornam menos competitivas.
“As mulheres já entram nessa disputa eleitoral sem apoio financeiro, que é um dos principais pontos de impulsionamento da sua campanha”. Apesar de poderem contar com trabalho de voluntários, na maior parte dos casos isso não é suficiente para produzir uma campanha bem-sucedida.
Além disso, em 2020 o STF determinou que partidos devem dividir o dinheiro público de campanha de forma proporcional ao número de candidatos negros, regra que também está sendo descumprida. Ou seja, mulheres negras podem acabar em dupla desvantagem financeira.
Eleitas
Por todo o país, 654 prefeitas foram eleitas em 2012 e 640 em 2016. Apesar de mais campanhas de conscientização sobre os efeitos positivos de representatividade, as eleições de 2020 não parecem ser muito diferentes de anos anteriores em relação ao seu potencial de aumentar a presença de grupos diversos em prefeituras pelo país.
Dados usados na matéria: Resultados de Eleições (Tribunal Superior Eleitoral/Cepespdata); Candidatos Eleições 2020 (TSE); Resultados de Pesquisas Eleitorais (Pindograma).
Contribuíram com dados: Antonio Piltcher, Daniel Ferreira e Pedro Fonseca.
Créditos da imagem: Agência Brasil.
Para reproduzir os números da matéria, o código pode ser encontrado aqui.
[Gostou do nosso conteúdo? Siga-nos no Twitter, no Facebook e no Instagram.]