Como não ser enganado por um indicador de gastos em educação


Investimento percentual do PIB em educação não é correlacionado com melhor desempenho de alunos
POR ANTONIO PILTCHER • 09/10/2020

Quando são publicados resultados de exames de educação, é comum ouvir que o desempenho do Brasil deixa a desejar frente ao “alto” percentual do PIB investido em educação no país. Seja em matérias de veículos tradicionais, tuítes do Presidente da República ou até nas sugestões do mecanismo de busca do Google, a narrativa do gasto excessivo no setor da educação é predominante.

Busca feita em guia anônima

Porém, analisando resultados de todas as edições do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), fica claro que o gasto em educação como proporção do PIB de países participantes não é um bom indicador de desempenho na prova. Nosso levantamento mostra que não há correlação entre essa medida de investimento e notas no teste.

Por outro lado, outra métrica importante –– o gasto médio por aluno –– demonstrou uma correlação positiva com resultados no exame. E o Brasil é um dos países que menos investe sob essa ótica.

Talvez por soar mais impressionante e contribuir com a narrativa de incompetência na gestão pública, a primeira métrica –– baseada no PIB –– tomou a dianteira no discurso público brasileiro dos últimos anos. O Pindograma mostra, no entanto, por que deveríamos pensar duas vezes ao usar esse indicador.


Em âmbito internacional, o PISA é a principal referência de desempenho dos países em educação. Os resultados do teste são fruto das respostas de alunos de 15 anos em todo o mundo a um questionário padronizado que inclui perguntas de proficiência em leitura, ciência e matemática, bem como questões sobre o contexto social e relação dos alunos com a educação. O desempenho do Brasil no exame costuma ter cobertura ampla na mídia e virou até tema de proposta nas eleições presidenciais de 2018. Geraldo Alckmin (PSDB) chegou a prometer que aumentaria a nota do país em 50 pontos no PISA em oito anos.

Mas como aumentar a nota do Brasil no PISA? O investimento em educação parece ser a maneira mais óbvia de atacar o problema. Acontece que há mais de um jeito de medir esse investimento, e cada uma dessas medidas conta uma história diferente sobre a educação brasileira.

Entre as principais medidas de investimento de um país em educação, estão o gasto médio por aluno e o gasto percentual do PIB em educação. Situando o Brasil entre os países que reportaram seus investimentos em educação em 2015, vemos o contraste entre a posição do país nos dois indicadores (valores em dólar corrigido pelo poder de compra, ou dólar PPC):

Embora muitos afirmem que o Brasil tem um alto gasto percentual do PIB em educação, nosso investimento esteve próximo à média do gasto dos outros países –– seja considerando os gastos públicos e privados no setor (como no gráfico), seja considerando apenas os investimentos públicos. Já no gasto por aluno, amargamos um penúltimo lugar entre os países que reportaram dados em 2015, a frente apenas da Indonésia.

Manchetes como “Brasil gasta 6% do PIB, mas desempenho escolar é ruim” pressupõem que um maior gasto percentual do PIB em educação deveria levar a um desempenho maior no PISA. Entretanto, nosso levantamento revela que essa suposição não se sustenta:

O gráfico indica que não há uma correlação consistente entre as medidas: não é possível identificar uma tendência de aumento nos resultados conforme os gastos proporcionais aumentam. A Irlanda, por exemplo, gasta menos em educação proporcionalmente a seu PIB do que a Nova Zelândia e apresenta resultados melhores. O que dá pra identificar, em contrapartida, é que países subdesenvolvidos estão todos na parte inferior do gráfico, enquanto países mais ricos estão na parte superior. Dentro de cada grupo, os gastos variam por todo o espectro.

Compare o gráfico anterior com o gráfico a seguir, que traça o mesmo tipo de correlação, dessa vez comparando os resultados do PISA com o gasto médio por aluno. Note que os pontos da Irlanda e da Nova Zelândia estão muito mais próximos, assim como os pontos do Brasil e os de outros países com desempenho similar:

Dentre os países analisados, é possível identificar que maiores níveis de gasto por aluno estão ligados a melhores desempenhos no PISA. O fato de a correlação desacelerar na parte direita do gráfico está em linha com a teoria de retornos marginais decrescentes: em um país que possui um baixo nível de gastos por aluno como o México, um pequeno aumento no investimento gera uma grande melhora no desempenho desse país no PISA. Já em países com gastos altos por aluno como a Noruega, o mesmo valor investido por aluno melhorará o desempenho, mas em uma menor proporção.

Os gráficos sugerem que o gasto por aluno é uma métrica mais confiável do que o gasto proporcional ao PIB para entender o desempenho de um país no PISA. O Brasil, por exemplo, destinou 5,7% do PIB à educação em 2015, enquanto a Irlanda destinou apenas 3,5% no mesmo ano e obteve uma nota melhor. No entanto, cada aluno irlandês recebeu, em média, 9.332 dólares PPC de investimento, aproximadamente três vezes mais do que um aluno brasileiro.

Para equiparar o gasto brasileiro por aluno ao irlandês, teríamos que gastar quase 17% do PIB com educação. Vale ressaltar, porém, que isso não garantiria, necessariamente, um melhor desempenho no PISA. Outros fatores influenciam estes resultados e os maiores investimentos na educação podem demorar anos para terem efeitos perceptíveis. Uma comparação mais completa com a Irlanda teria que envolver uma análise do histórico de investimentos na educação e da qualidade de formação da geração atual de professores irlandeses, por exemplo.

No Pindograma, gostamos de pautar o debate público com base em dados. No entanto, eles podem ser usados para dar tom científico a narrativas questionáveis, como a de que não faltam recursos na educação brasileira. Por isso, na divulgação dos próximos resultados do PISA ou de outras avaliações, pense bem na qualidade de cada indicador e a qual propósito ele está servindo.


Dados utilizados na matéria: Indicadores de investimento em educação (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico); Histórico de resultados do PISA (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Para reproduzir os números citados, os dados podem ser encontrados aqui.

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Antonio Piltcher é cientista de dados do Pindograma.

Como não ser enganado por um indicador de gastos em educação

Investimento percentual do PIB em educação não é correlacionado com melhor desempenho de alunos

POR ANTONIO PILTCHER

09/10/2020

Quando são publicados resultados de exames de educação, é comum ouvir que o desempenho do Brasil deixa a desejar frente ao “alto” percentual do PIB investido em educação no país. Seja em matérias de veículos tradicionais, tuítes do Presidente da República ou até nas sugestões do mecanismo de busca do Google, a narrativa do gasto excessivo no setor da educação é predominante.

Busca feita em guia anônima

Porém, analisando resultados de todas as edições do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), fica claro que o gasto em educação como proporção do PIB de países participantes não é um bom indicador de desempenho na prova. Nosso levantamento mostra que não há correlação entre essa medida de investimento e notas no teste.

Por outro lado, outra métrica importante –– o gasto médio por aluno –– demonstrou uma correlação positiva com resultados no exame. E o Brasil é um dos países que menos investe sob essa ótica.

Talvez por soar mais impressionante e contribuir com a narrativa de incompetência na gestão pública, a primeira métrica –– baseada no PIB –– tomou a dianteira no discurso público brasileiro dos últimos anos. O Pindograma mostra, no entanto, por que deveríamos pensar duas vezes ao usar esse indicador.


Em âmbito internacional, o PISA é a principal referência de desempenho dos países em educação. Os resultados do teste são fruto das respostas de alunos de 15 anos em todo o mundo a um questionário padronizado que inclui perguntas de proficiência em leitura, ciência e matemática, bem como questões sobre o contexto social e relação dos alunos com a educação. O desempenho do Brasil no exame costuma ter cobertura ampla na mídia e virou até tema de proposta nas eleições presidenciais de 2018. Geraldo Alckmin (PSDB) chegou a prometer que aumentaria a nota do país em 50 pontos no PISA em oito anos.

Mas como aumentar a nota do Brasil no PISA? O investimento em educação parece ser a maneira mais óbvia de atacar o problema. Acontece que há mais de um jeito de medir esse investimento, e cada uma dessas medidas conta uma história diferente sobre a educação brasileira.

Entre as principais medidas de investimento de um país em educação, estão o gasto médio por aluno e o gasto percentual do PIB em educação. Situando o Brasil entre os países que reportaram seus investimentos em educação em 2015, vemos o contraste entre a posição do país nos dois indicadores (valores em dólar corrigido pelo poder de compra, ou dólar PPC):

Embora muitos afirmem que o Brasil tem um alto gasto percentual do PIB em educação, nosso investimento esteve próximo à média do gasto dos outros países –– seja considerando os gastos públicos e privados no setor (como no gráfico), seja considerando apenas os investimentos públicos. Já no gasto por aluno, amargamos um penúltimo lugar entre os países que reportaram dados em 2015, a frente apenas da Indonésia.

Manchetes como “Brasil gasta 6% do PIB, mas desempenho escolar é ruim” pressupõem que um maior gasto percentual do PIB em educação deveria levar a um desempenho maior no PISA. Entretanto, nosso levantamento revela que essa suposição não se sustenta:

O gráfico indica que não há uma correlação consistente entre as medidas: não é possível identificar uma tendência de aumento nos resultados conforme os gastos proporcionais aumentam. A Irlanda, por exemplo, gasta menos em educação proporcionalmente a seu PIB do que a Nova Zelândia e apresenta resultados melhores. O que dá pra identificar, em contrapartida, é que países subdesenvolvidos estão todos na parte inferior do gráfico, enquanto países mais ricos estão na parte superior. Dentro de cada grupo, os gastos variam por todo o espectro.

Compare o gráfico anterior com o gráfico a seguir, que traça o mesmo tipo de correlação, dessa vez comparando os resultados do PISA com o gasto médio por aluno. Note que os pontos da Irlanda e da Nova Zelândia estão muito mais próximos, assim como os pontos do Brasil e os de outros países com desempenho similar:

Dentre os países analisados, é possível identificar que maiores níveis de gasto por aluno estão ligados a melhores desempenhos no PISA. O fato de a correlação desacelerar na parte direita do gráfico está em linha com a teoria de retornos marginais decrescentes: em um país que possui um baixo nível de gastos por aluno como o México, um pequeno aumento no investimento gera uma grande melhora no desempenho desse país no PISA. Já em países com gastos altos por aluno como a Noruega, o mesmo valor investido por aluno melhorará o desempenho, mas em uma menor proporção.

Os gráficos sugerem que o gasto por aluno é uma métrica mais confiável do que o gasto proporcional ao PIB para entender o desempenho de um país no PISA. O Brasil, por exemplo, destinou 5,7% do PIB à educação em 2015, enquanto a Irlanda destinou apenas 3,5% no mesmo ano e obteve uma nota melhor. No entanto, cada aluno irlandês recebeu, em média, 9.332 dólares PPC de investimento, aproximadamente três vezes mais do que um aluno brasileiro.

Para equiparar o gasto brasileiro por aluno ao irlandês, teríamos que gastar quase 17% do PIB com educação. Vale ressaltar, porém, que isso não garantiria, necessariamente, um melhor desempenho no PISA. Outros fatores influenciam estes resultados e os maiores investimentos na educação podem demorar anos para terem efeitos perceptíveis. Uma comparação mais completa com a Irlanda teria que envolver uma análise do histórico de investimentos na educação e da qualidade de formação da geração atual de professores irlandeses, por exemplo.

No Pindograma, gostamos de pautar o debate público com base em dados. No entanto, eles podem ser usados para dar tom científico a narrativas questionáveis, como a de que não faltam recursos na educação brasileira. Por isso, na divulgação dos próximos resultados do PISA ou de outras avaliações, pense bem na qualidade de cada indicador e a qual propósito ele está servindo.


Dados utilizados na matéria: Indicadores de investimento em educação (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico); Histórico de resultados do PISA (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Para reproduzir os números citados, os dados podem ser encontrados aqui.

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Antonio Piltcher

é cientista de dados do Pindograma.

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