Eleger prefeitas aumenta voto em mulheres nos pleitos seguintes


No entanto, efeito apenas é observado quando prefeitas têm ensino superior
POR FRANCISCO RICCI • 16/09/2020

As eleições municipais de 2020 podem ser importantes, não apenas para eleger mais mulheres, mas também para aumentar as chances de outras candidatas em eleições futuras. Quando uma cidade com até 200 mil habitantes elege uma prefeita que cursou ensino superior, futuras candidatas à Câmara dos Deputados passam a ter maiores chances de receberem votos naquela cidade. É o que indica o artigo “Futuros impactos eleitorais de ter uma prefeita”, publicado em 2017 na Brazilian Political Science Review.

O Pindograma conversou com Renan Pieri, professor da FGV e um dos autores do artigo. Ele explica como é difícil analisar, isoladamente, o efeito que a eleição de uma prefeita tem sobre outras candidaturas femininas em pleitos futuros. Em uma cidade onde há muitas mulheres no mercado de trabalho, uma parcela considerável dos eleitores com ensino superior completo e uma mulher na prefeitura, a probabilidade de deputadas se elegerem é maior. Mas pode ser difícil saber se o aumento no voto para deputadas esteve relacionado à presença de uma mulher na Prefeitura, ou se esse aumento foi apenas outro sintoma das condições que já haviam levado à eleição da prefeita.

Como superar essa dificuldade? Segundo Pieri, “para avaliar o efeito que uma prefeita mulher pode ter, independente das diferenças culturais de cidade a cidade, nós estudamos eleições [para prefeito] com margens pequenas — ou seja, onde uma mulher venceu ou perdeu por poucos votos”. Ele explica que municípios onde mulheres venceram por poucos votos são parecidos com aqueles onde elas perderam por poucos. A semelhança socioeconômica entre as cidades neutraliza outros eventuais fatores que possam ter influenciado o voto em candidaturas femininas, e permite estudar isoladamente as consequências da eleição de uma mulher para a prefeitura.

Um dos municípios analisados por Pieri é Altamira do Paraná, cidade de 4.306 habitantes, segundo o Censo de 2010. Lá, a prefeita Elza Aparecida da Silva Aguiar (PSB) venceu a eleição de 2012 por apenas 2% dos votos válidos. Dois anos depois, a parcela do voto para deputadas estaduais na cidade cresceu de 11% para 13%; e em 2016, a parcela de votos para vereadoras aumentou de 19% para 25%. Pelo que indica a pesquisa de Pieri, é possível que a eleição de Elza tenha contribuído para esses números.

A prefeita era uma diretora de escola bem avaliada pelos moradores e diz que enfrentou muitas dificuldades assim que aceitou o convite do PSB para ser candidata. “Tinha gente que dizia que não queria votar no Evaldo, meu adversário, por isso, por isso e aquilo, muitos motivos, mas não quero votar na Elza porque ela é mulher, tinha esse peso”. A prefeita entende que sua administração serviu para desmistificar a visão de muitos sobre o lugar da mulher na sociedade. “Eu trabalhei muito, e mulheres precisam trabalhar mais para mostrar que tem a mesma competência que os homens”.

Segundo Elza, “em cidade pequena é assim: conhece sempre todo mundo. Antes de entrar pra política, eu já conhecia todos os vereadores, e todo mundo passou a me conhecer quando eu fui eleita prefeita”. Esse contato direto, para a prefeita, é essencial para mudar a visão das pessoas sobre a presença de mulheres na política. “Depois eu devo ter governado bem, porque minha aprovação era alta e fui reeleita sem oposição”.

Para a cientista política Karin Vervuurt, as impressões de Elza são confirmadas pelas ciências sociais. Vervuurt entende que a forma com que eleitores visualizam mulheres no poder é crucial para o voto. “O fato de homens sempre terem ocupado o poder torna mais fácil de enxergarmos homens sempre nessas posições. Pesquisas da psicologia social mostram que as características associadas à boa liderança política — como a racionalidade e a habilidade de negociação — são vistas como características masculinas”. Por exemplo, a pesquisa “Perfil da Mulher na Política”, conduzida por Vervuurt com o time do projeto MeFareiOuvir, apontou que “não ter o perfil” é o maior motivo listado por mulheres para não concorrerem a um cargo público.

Para Vervuurt, o efeito das prefeitas sobre o voto para deputadas pode ser explicado em parte por prefeitas servirem de contraexemplo direto a preconceitos sobre as habilidades de mulheres no poder. “Quando você tem uma mulher que chega a uma posição de poder com bastante visibilidade, outras mulheres nessas comunidades passam a se enxergar lá também. Um estudo mostra que, nos distritos eleitorais da Índia com uma representante feminina, as meninas das escolas têm sonhos mais ambiciosos. Outro estudo mostra que, por termos poucas mulheres no poder, há um sentimento de que deve existir uma diferença de competência que explique essa desigualdade; mulheres devem ser menos competentes. O único jeito de quebrar esse ciclo é mostrando a competência de mulheres eleitas”.

Renan Pieri e seus coautores demonstram que realmente há, em média, um aumento no voto para deputadas federais em cidades pequenas causado pela exposição a lideranças femininas. No entanto, esse aumento não foi observado em municípios no geral. Ele foi observado somente nas cidades com prefeitas que tinham ensino superior completo. Os pesquisadores pressupõem que líderes com maior educação governam melhor como um todo, o que explicaria o aumento no voto para deputadas depender da educação da prefeita eleita. Além de serem eleitas, prefeitas precisam ser vistas como governantes acima da média para quebrar o estereótipo de gênero em sua comunidade.

Segundo Vervuurt, a instituição de cotas para candidaturas femininas em cada partido tem surtido efeito para aumentar a representatividade feminina no Congresso, embora o ideal fosse ter cotas para cadeiras no legislativo também. Mas enquanto essa proposta fica na teoria, ativistas estão fundando iniciativas dedicadas ao apoio de candidaturas femininas e à formação política para mulheres que querem ser candidatas, como o #ElasNoPoder – fundada por Vervuurt – e o Vamos Juntas. Com centenas de membros, iniciativas como essas buscam criar as condições que Pieri e seus colegas observaram já haver aumentado a presença de mulheres na política.


Dados utilizados na matéria: Candidatos e Votos nas Eleições Brasileiras (Tribunal Superior Eleitoral).

Contribuiu com Dados: Daniel Ferreira.

Para reproduzir os números citados, o código pode ser consultado aqui.

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Francisco Ricci é fundador e repórter do Pindograma.

Eleger prefeitas aumenta voto em mulheres nos pleitos seguintes

No entanto, efeito apenas é observado quando prefeitas têm ensino superior

POR FRANCISCO RICCI

16/09/2020

As eleições municipais de 2020 podem ser importantes, não apenas para eleger mais mulheres, mas também para aumentar as chances de outras candidatas em eleições futuras. Quando uma cidade com até 200 mil habitantes elege uma prefeita que cursou ensino superior, futuras candidatas à Câmara dos Deputados passam a ter maiores chances de receberem votos naquela cidade. É o que indica o artigo “Futuros impactos eleitorais de ter uma prefeita”, publicado em 2017 na Brazilian Political Science Review.

O Pindograma conversou com Renan Pieri, professor da FGV e um dos autores do artigo. Ele explica como é difícil analisar, isoladamente, o efeito que a eleição de uma prefeita tem sobre outras candidaturas femininas em pleitos futuros. Em uma cidade onde há muitas mulheres no mercado de trabalho, uma parcela considerável dos eleitores com ensino superior completo e uma mulher na prefeitura, a probabilidade de deputadas se elegerem é maior. Mas pode ser difícil saber se o aumento no voto para deputadas esteve relacionado à presença de uma mulher na Prefeitura, ou se esse aumento foi apenas outro sintoma das condições que já haviam levado à eleição da prefeita.

Como superar essa dificuldade? Segundo Pieri, “para avaliar o efeito que uma prefeita mulher pode ter, independente das diferenças culturais de cidade a cidade, nós estudamos eleições [para prefeito] com margens pequenas — ou seja, onde uma mulher venceu ou perdeu por poucos votos”. Ele explica que municípios onde mulheres venceram por poucos votos são parecidos com aqueles onde elas perderam por poucos. A semelhança socioeconômica entre as cidades neutraliza outros eventuais fatores que possam ter influenciado o voto em candidaturas femininas, e permite estudar isoladamente as consequências da eleição de uma mulher para a prefeitura.

Um dos municípios analisados por Pieri é Altamira do Paraná, cidade de 4.306 habitantes, segundo o Censo de 2010. Lá, a prefeita Elza Aparecida da Silva Aguiar (PSB) venceu a eleição de 2012 por apenas 2% dos votos válidos. Dois anos depois, a parcela do voto para deputadas estaduais na cidade cresceu de 11% para 13%; e em 2016, a parcela de votos para vereadoras aumentou de 19% para 25%. Pelo que indica a pesquisa de Pieri, é possível que a eleição de Elza tenha contribuído para esses números.

A prefeita era uma diretora de escola bem avaliada pelos moradores e diz que enfrentou muitas dificuldades assim que aceitou o convite do PSB para ser candidata. “Tinha gente que dizia que não queria votar no Evaldo, meu adversário, por isso, por isso e aquilo, muitos motivos, mas não quero votar na Elza porque ela é mulher, tinha esse peso”. A prefeita entende que sua administração serviu para desmistificar a visão de muitos sobre o lugar da mulher na sociedade. “Eu trabalhei muito, e mulheres precisam trabalhar mais para mostrar que tem a mesma competência que os homens”.

Segundo Elza, “em cidade pequena é assim: conhece sempre todo mundo. Antes de entrar pra política, eu já conhecia todos os vereadores, e todo mundo passou a me conhecer quando eu fui eleita prefeita”. Esse contato direto, para a prefeita, é essencial para mudar a visão das pessoas sobre a presença de mulheres na política. “Depois eu devo ter governado bem, porque minha aprovação era alta e fui reeleita sem oposição”.

Para a cientista política Karin Vervuurt, as impressões de Elza são confirmadas pelas ciências sociais. Vervuurt entende que a forma com que eleitores visualizam mulheres no poder é crucial para o voto. “O fato de homens sempre terem ocupado o poder torna mais fácil de enxergarmos homens sempre nessas posições. Pesquisas da psicologia social mostram que as características associadas à boa liderança política — como a racionalidade e a habilidade de negociação — são vistas como características masculinas”. Por exemplo, a pesquisa “Perfil da Mulher na Política”, conduzida por Vervuurt com o time do projeto MeFareiOuvir, apontou que “não ter o perfil” é o maior motivo listado por mulheres para não concorrerem a um cargo público.

Para Vervuurt, o efeito das prefeitas sobre o voto para deputadas pode ser explicado em parte por prefeitas servirem de contraexemplo direto a preconceitos sobre as habilidades de mulheres no poder. “Quando você tem uma mulher que chega a uma posição de poder com bastante visibilidade, outras mulheres nessas comunidades passam a se enxergar lá também. Um estudo mostra que, nos distritos eleitorais da Índia com uma representante feminina, as meninas das escolas têm sonhos mais ambiciosos. Outro estudo mostra que, por termos poucas mulheres no poder, há um sentimento de que deve existir uma diferença de competência que explique essa desigualdade; mulheres devem ser menos competentes. O único jeito de quebrar esse ciclo é mostrando a competência de mulheres eleitas”.

Renan Pieri e seus coautores demonstram que realmente há, em média, um aumento no voto para deputadas federais em cidades pequenas causado pela exposição a lideranças femininas. No entanto, esse aumento não foi observado em municípios no geral. Ele foi observado somente nas cidades com prefeitas que tinham ensino superior completo. Os pesquisadores pressupõem que líderes com maior educação governam melhor como um todo, o que explicaria o aumento no voto para deputadas depender da educação da prefeita eleita. Além de serem eleitas, prefeitas precisam ser vistas como governantes acima da média para quebrar o estereótipo de gênero em sua comunidade.

Segundo Vervuurt, a instituição de cotas para candidaturas femininas em cada partido tem surtido efeito para aumentar a representatividade feminina no Congresso, embora o ideal fosse ter cotas para cadeiras no legislativo também. Mas enquanto essa proposta fica na teoria, ativistas estão fundando iniciativas dedicadas ao apoio de candidaturas femininas e à formação política para mulheres que querem ser candidatas, como o #ElasNoPoder – fundada por Vervuurt – e o Vamos Juntas. Com centenas de membros, iniciativas como essas buscam criar as condições que Pieri e seus colegas observaram já haver aumentado a presença de mulheres na política.


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Contribuiu com Dados: Daniel Ferreira.

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é fundador e repórter do Pindograma.

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