Como não ser enganado por uma pesquisa eleitoral


Entenda por que algumas pesquisas acertam mais do que outras, e como saber em quais confiar
POR DANIEL FERREIRA • 07/09/2020

É óbvio, para quase todo mundo, que algumas pesquisas eleitorais acertam mais do que outras. Menos óbvio é saber em quais pesquisas confiar. É justamente essa pergunta que o Pindograma vem buscando responder desde a sua concepção – e aqui, trazemos o que você precisa saber para identificar o que torna algumas pesquisas mais distantes da realidade do que outras.

Erros são esperados

Antes de tudo, é importante entender que toda pesquisa eleitoral erra quando comparamos seus percentuais com o resultado das eleições. Isso é natural. Afinal, o eleitor sempre pode mudar de ideia entre o dia da pesquisa e a hora de digitar o voto. Também existe a chance de um instituto ter entrevistado, por puro azar, um grupo de pessoas que não representa o eleitorado (a maioria dos estatísticos assume que há uma chance de 5% disso acontecer em toda pesquisa).

Por isso, a pergunta certa a se fazer sobre uma pesquisa eleitoral não é se ela erra, mas quanto ela erra. Pesquisas mais próximas da eleição tendem a ser mais exatas que pesquisas feitas muito antes do pleito, dado que a incerteza do eleitor é menor. Da mesma forma, quanto maior o número de pessoas entrevistadas aleatoriamente, menor a chance da pesquisa selecionar um grupo que não representa o eleitorado.

Além disso, certos pleitos são mais incertos do que outros: eleições para prefeito, por exemplo, são mais incertas do que eleições para governador. E dado que as pesquisas não conseguem prever reviravoltas eleitorais, elas tendem a errar mais nos pleitos municipais.

No entanto, apenas esses fatores não explicam por que algumas pesquisas acertam mais do que outras. Embora todas as empresas de pesquisa estejam sujeitas à incerteza e ao azar, ainda há uma diferença grande entre os desempenhos de cada instituto:

A razão dessa discrepância está em razões pouco discutidas no Brasil: amostras mal feitas; entrevistas sem supervisão; e resultados divulgados com erros por quem contratou a pesquisa.

Há também muitas pesquisas de qualidade que nunca chegam ao eleitor no Brasil. Políticos podem divulgar seletivamente as pesquisas contratadas por suas campanhas, e lançar mão de processos judiciais para impedir que pesquisas inconvenientes circulem. Tudo indica que essa prática aumenta o erro médio das pesquisas no Brasil.

Para esclarecer como esses fenômenos afetam a qualidade das sondagens eleitorais – e como você deve pesá-los ao ler uma pesquisa –, é necessário entender como é confeccionada uma pesquisa eleitoral no Brasil, da contratação à publicação.

I) A Contratação

Toda pesquisa eleitoral começa quando um cliente pede a um instituto que faça uma pesquisa.

O primeiro passo é escolher entre uma pesquisa para divulgação e uma pesquisa para uso interno. A diferença é simples: pesquisas para divulgação podem ser publicadas, mas exigem o cumprimento de vários entraves burocráticos impostos pela Justiça Eleitoral. Já as pesquisas para uso interno não são regulamentadas pelo governo, mas quem divulgá-las pode ter de pagar entre cinquenta e cem mil reais de multa. Dado que pesquisas para uso interno não aparecem na imprensa, trataremos apenas das pesquisas para divulgação.

Do lado da demanda, quem mais movimenta o mercado de pesquisas para divulgação são as campanhas políticas, com pelo menos 3.000 pesquisas nas últimas quatro eleições. Em segundo lugar, vem a imprensa, com aproximadamente 1.000 pesquisas encomendadas – um terço das quais pela Rede Globo ou suas afiliadas. Finalmente, algumas dezenas de pesquisas são encomendadas por entidades como a XP Investimentos e a Confederação Nacional do Transporte (CNT).

Já do lado da oferta, cerca de 121 empresas conduziram pesquisas para divulgação em 2018. Destas, somente 16 fizeram pesquisas para presidente que abrangeram todo o território brasileiro; e apenas dois institutos – Ibope e Veritá – conduziram pesquisas para governador em todos os estados. Quase todas as outras empresas de pesquisa brasileiras têm escopo regional. Só no Maranhão, por exemplo, competem entre si os institutos Escutec, Data M, Datailha, MBO, Econométrica, e Exata – embora esses nomes possam parecer completamente estranhos para quem não mora no estado.

Uma vantagem dos institutos locais é que eles são mais baratos. Em 2018, a pesquisa média do Ibope em Goiás teve 812 participantes e custou em média R$ 68.277; já a Serpes cobrou em média R$ 42.800 para entrevistar 801 pessoas no mesmo estado. Em 2016, o Datafolha cobrou em média R$ 105.144 por uma pesquisa para prefeito em Belo Horizonte, enquanto a CP2 Pesquisa cobrou apenas um décimo do valor: R$ 11.702.

Mas preços menores não implicam em pesquisas necessariamente piores: o Ranking de Empresas de Pesquisa do Pindograma mostra que dezenas de institutos menos conhecidos têm performance similar às do Ibope ou Datafolha. Até o lançamento do Pindograma, não havia nenhuma medição objetiva e independente da qualidade dos institutos de pesquisa, fazendo com que o prestígio vinculado a um nome conhecido valesse mais no mercado do que a qualidade das pesquisas da empresa.

II) A Amostra

Feita a contratação, a empresa de pesquisas parte para a amostragem – a definição de quais pessoas serão entrevistadas, para garantir que elas sejam representativas da população como um todo. Se a amostragem for boa, é possível presumir como votariam 150 milhões de brasileiros com somente 2.000 entrevistas; mas se a amostragem for ruim, o erro pode ser imenso. Basta pensar nos seguintes cenários:

  • Imagine que uma pesquisadora quer saber como pretendem votar os eleitores de São Paulo. Para isso, ela vai à Avenida Faria Lima e tenta entrevistar todos que passam por lá, até completar 500 entrevistas. Mas a amostra dela não representa o que pensa a cidade como um todo: afinal, é muito mais fácil encontrar pessoas de alta renda caminhando pela Faria Lima do que pessoas da periferia.

  • A pesquisadora decide, então, distribuir as 500 entrevistas por bairros diferentes da cidade – balanceando bairros ricos e bairros pobres. Dessa forma, ela evita o excesso de pessoas de alta renda na amostra dela. Mas ainda restam complicações: muito provavelmente, quem vai parar para responder o questionário dela serão pessoas sem pressa – como idosos que foram ao Centro fazer compras, ou pessoas que não trabalham e saíram para caminhar. Quem está no caminho ao trabalho provavelmente vai ignorar a pesquisadora, gerando outra amostra distorcida.

  • A pesquisadora decide, por fim, fazer as suas perguntas por telefone. Ela escolhe 500 números aleatórios na cidade de São Paulo e liga para todos eles – só para descobrir que a amostra ainda tem problemas. Nos domicílios mais ricos, quem atende é a trabalhadora doméstica; e nos domicílios mais pobres, quem atende são as crianças ou os mais velhos, que não saíram para trabalhar.

O trabalho de cada instituto é superar esse tipo de dificuldade e produzir amostras que representem a população em geral. E invariavelmente, alguns institutos são melhores nisso do que outros – seja pela qualidade de seus profissionais, seja pelo uso de alguma metodologia de amostragem mais sofisticada. O meio de coletar entrevistas – a domicílio, em ponto de fluxo, ou por telefone – pouco afeta a performance dos institutos, a despeito das discussões que a questão vem causando nos últimos anos.

III) As Entrevistas

Feita a amostra, os institutos partem para as entrevistas. Na teoria, as empresas contratam funcionários temporários; treinam esses funcionários para abordar pessoas; e os distribuem para aplicar questionários de acordo com o plano amostral.

No entanto, conduzir entrevistas é mais difícil do que parece. O comportamento dos entrevistadores pode afetar a resposta dos entrevistados – e para evitar esse problema, quem aplica questionários tem que ser bem treinado. Mesmo o perfil de uma entrevistadora pode fazer a diferença: pessoas tendem a dar respostas mais honestas para alguém que pareça mais com elas – seja em termos de classe, escolaridade, ou raça. Por isso, mesmo a seleção dos entrevistadores pode afetar a qualidade de uma pesquisa.

Muitos institutos são negligentes com essa etapa. Fontes ligadas ao mercado de pesquisas afirmam que algumas empresas fazem um plano amostral somente para cumprir os requisitos legais; na realidade, conduzem entrevistas sem muito critério. Há também instâncias de entrevistadores que, sem o devido controle do instituto, acabam se desviando do roteiro da pesquisa. Nesse sentido, o Pindograma ouviu relatos criticando entrevistadores que aplicavam questionários em rodoviárias, embora a pesquisa em questão previsse entrevistas em domicílios.

IV) A Justiça Eleitoral

Enquanto ocorrem as entrevistas, os institutos também têm que se preocupar com processos vindos de campanhas eleitorais. Isso ocorre porque partidos políticos podem denunciar irregularidades em pesquisas à Justiça Eleitoral. Caso o juiz aceite a denúncia, a pesquisa pode ser impedida de circular. O Tribunal Superior Eleitoral chama essa censura prévia de “impugnação de pesquisa”.

A Justiça Eleitoral tem boas intenções por trás das impugnações – afinal, quem não é a favor de impedir pesquisas fraudulentas de circularem? O problema é que as impugnações são frequentemente abusadas por advogados de partidos, que buscam impedir que pesquisas desfavoráveis a seus candidatos sejam publicadas.

O caso mais simbólico dessa prática aconteceu nas eleições de 2010, no Paraná. O então candidato a governador Beto Richa (PSDB) conseguiu impugnar dez pesquisas de seis institutos distintos – inclusive Ibope e Datafolha – alegando que todas elas apresentavam irregularidades no plano amostral. Dessa forma, Richa evitou a publicação de pesquisas que supostamente apontavam sua queda nas intenções de voto, deixando os eleitores do Paraná sem acesso a informações sobre a corrida eleitoral por quinze dias inteiros.

As táticas de Richa chamaram a atenção da imprensa por conta da escala dos institutos censurados – mas não é incomum que pesquisas eleitorais sejam impugnadas injustamente pelo Brasil inteiro. Com uma advogada competente, sempre há a possibilidade de uma campanha conseguir silenciar pesquisas inconvenientes para ela – ainda mais se a campanha tiver dinheiro para bancar esses processos. E as pesquisas que sobram tendem a ser mais imprecisas que as da média do mercado.

V) A Divulgação

Quando um instituto conclui as entrevistas – e se a pesquisa não é impugnada pela Justiça Eleitoral – os resultados estão finalmente prontos para serem divulgados. Entretanto, nem toda pesquisa que pode ser divulgada é efetivamente publicada.

É incomum que institutos no Brasil divulguem suas próprias pesquisas. Quase sempre, a pesquisa é simplesmente remetida ao contratante, que pode fazer o que quiser com o relatório – seja divulgá-lo ou não.

A imprensa geralmente divulga as pesquisas que contrata, mas quando o contratante é uma campanha política, pesquisas inconvenientes para o candidato raramente são publicadas. E essa dinâmica faz toda a diferença quando uma eleitora analisa uma pesquisa: pouco importa que uma pesquisa venha de um instituto confiável, se o cliente pré-seleciona quais pesquisas divulgar ou não.

Uma candidata pode, por exemplo, publicar uma única pesquisa excepcional que sugira sua vitória sobre os concorrentes, e deixar de divulgar uma dezena de pesquisas que apontem exatamente o contrário. Isso gera um viés de seleção que pode aumentar o erro médio das pesquisas que chegam ao público.

Outro problema é a falta de transparência dos institutos com os relatórios de pesquisa. A maioria deles não publica os documentos originais nos quais saíram os resultados. E não adianta pedir – dos aproximadamente 150 institutos que o Pindograma contatou, apenas dois enviaram as informações requisitadas.

A impossibilidade de conseguir os relatórios “direto da fonte” força o leitor a confiar no meio de comunicação que veiculou a pesquisa – o que não é um problema quando os dados são publicados pela imprensa independente. No entanto, não faltam pesquisas que só são encontradas em jornais partidários, blogs que dependem de anúncios do Poder Público, ou mesmo em comunicados de imprensa de candidatos – o que adiciona mais uma possibilidade de distorção à pesquisa.


Há, portanto, algumas perguntas que todos deveriam se fazer ao ver uma pesquisa que acabou de ser divulgada:

Quanto o instituto acertou no passado? O desempenho de um instituto no passado é um indicador melhor de seu desempenho no futuro do que o seu tamanho, prestígio, ou metodologia declarada ao TSE.

Quem contratou a pesquisa foi um político ou a imprensa independente? Caso a pesquisa tenha sido paga por um candidato, partido ou campanha, pense duas vezes antes de comprar o resultado – principalmente se esse resultado divergir das intenções de voto reportadas por pesquisas independentes. É possível que o candidato tenha acesso a outras pesquisas que não lhe sejam convenientes; e que ele esteja divulgando uma pesquisa que, excepcionalmente, tenha dado um bom resultado para sua campanha.

Para cada pesquisa publicada, quantas não foram? Caso haja muito mais pesquisas registradas que publicadas, é possível que algumas delas estejam sendo omitidas – seja por campanhas políticas, seja por censura da Justiça Eleitoral. Isso pode indicar que as pesquisas disponíveis têm um viés para certo candidato.

A pesquisa é excepcional? Sempre vai haver uma ou outra pesquisa que diverge muito dos levantamentos imediatamente anteriores. Em alguns casos, isso indica de fato uma mudança na intenção de votos; mas em outros casos, a pesquisa pode simplesmente ter errado por azar ou por algum problema na amostragem. Como regra geral, o melhor a se fazer é interpretar pesquisas excepcionais com parcimônia, e esperar outros resultados que confirmem ou sobrepujem os resultados excepcionais.

O Pindograma espera lhe ajudar a responder essas perguntas com o seu Ranking de Institutos de Pesquisa e o seu Agregador de Pesquisas Eleitorais. Com essas ferramentas, você pode analisar corridas eleitorais pelo Brasil todo, sabendo quais pesquisas merecem mais confiança.


Dados usados na matéria: Registro de Pesquisas Eleitorais (Tribunal Superior Eleitoral); Resultados de Pesquisas Eleitorais (Pindograma); Resultados de Pesquisas Eleitorais (Poder360).

Contribuíram com Dados: Pedro Fonseca, Maricélia Antonieto, Maria Clara Rodrigues, Raquel Fernandes, Natália Costard, Rodrigo Adinolfi, Fabrício Donnangelo, Yasmin Bom.

Para reproduzir os números citados, o código pode ser consultado aqui.

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Daniel Ferreira é editor do Pindograma.

Como não ser enganado por uma pesquisa eleitoral

Entenda por que algumas pesquisas acertam mais do que outras, e como saber em quais confiar

POR DANIEL FERREIRA

07/09/2020

É óbvio, para quase todo mundo, que algumas pesquisas eleitorais acertam mais do que outras. Menos óbvio é saber em quais pesquisas confiar. É justamente essa pergunta que o Pindograma vem buscando responder desde a sua concepção – e aqui, trazemos o que você precisa saber para identificar o que torna algumas pesquisas mais distantes da realidade do que outras.

Erros são esperados

Antes de tudo, é importante entender que toda pesquisa eleitoral erra quando comparamos seus percentuais com o resultado das eleições. Isso é natural. Afinal, o eleitor sempre pode mudar de ideia entre o dia da pesquisa e a hora de digitar o voto. Também existe a chance de um instituto ter entrevistado, por puro azar, um grupo de pessoas que não representa o eleitorado (a maioria dos estatísticos assume que há uma chance de 5% disso acontecer em toda pesquisa).

Por isso, a pergunta certa a se fazer sobre uma pesquisa eleitoral não é se ela erra, mas quanto ela erra. Pesquisas mais próximas da eleição tendem a ser mais exatas que pesquisas feitas muito antes do pleito, dado que a incerteza do eleitor é menor. Da mesma forma, quanto maior o número de pessoas entrevistadas aleatoriamente, menor a chance da pesquisa selecionar um grupo que não representa o eleitorado.

Além disso, certos pleitos são mais incertos do que outros: eleições para prefeito, por exemplo, são mais incertas do que eleições para governador. E dado que as pesquisas não conseguem prever reviravoltas eleitorais, elas tendem a errar mais nos pleitos municipais.

No entanto, apenas esses fatores não explicam por que algumas pesquisas acertam mais do que outras. Embora todas as empresas de pesquisa estejam sujeitas à incerteza e ao azar, ainda há uma diferença grande entre os desempenhos de cada instituto:

A razão dessa discrepância está em razões pouco discutidas no Brasil: amostras mal feitas; entrevistas sem supervisão; e resultados divulgados com erros por quem contratou a pesquisa.

Há também muitas pesquisas de qualidade que nunca chegam ao eleitor no Brasil. Políticos podem divulgar seletivamente as pesquisas contratadas por suas campanhas, e lançar mão de processos judiciais para impedir que pesquisas inconvenientes circulem. Tudo indica que essa prática aumenta o erro médio das pesquisas no Brasil.

Para esclarecer como esses fenômenos afetam a qualidade das sondagens eleitorais – e como você deve pesá-los ao ler uma pesquisa –, é necessário entender como é confeccionada uma pesquisa eleitoral no Brasil, da contratação à publicação.

I) A Contratação

Toda pesquisa eleitoral começa quando um cliente pede a um instituto que faça uma pesquisa.

O primeiro passo é escolher entre uma pesquisa para divulgação e uma pesquisa para uso interno. A diferença é simples: pesquisas para divulgação podem ser publicadas, mas exigem o cumprimento de vários entraves burocráticos impostos pela Justiça Eleitoral. Já as pesquisas para uso interno não são regulamentadas pelo governo, mas quem divulgá-las pode ter de pagar entre cinquenta e cem mil reais de multa. Dado que pesquisas para uso interno não aparecem na imprensa, trataremos apenas das pesquisas para divulgação.

Do lado da demanda, quem mais movimenta o mercado de pesquisas para divulgação são as campanhas políticas, com pelo menos 3.000 pesquisas nas últimas quatro eleições. Em segundo lugar, vem a imprensa, com aproximadamente 1.000 pesquisas encomendadas – um terço das quais pela Rede Globo ou suas afiliadas. Finalmente, algumas dezenas de pesquisas são encomendadas por entidades como a XP Investimentos e a Confederação Nacional do Transporte (CNT).

Já do lado da oferta, cerca de 121 empresas conduziram pesquisas para divulgação em 2018. Destas, somente 16 fizeram pesquisas para presidente que abrangeram todo o território brasileiro; e apenas dois institutos – Ibope e Veritá – conduziram pesquisas para governador em todos os estados. Quase todas as outras empresas de pesquisa brasileiras têm escopo regional. Só no Maranhão, por exemplo, competem entre si os institutos Escutec, Data M, Datailha, MBO, Econométrica, e Exata – embora esses nomes possam parecer completamente estranhos para quem não mora no estado.

Uma vantagem dos institutos locais é que eles são mais baratos. Em 2018, a pesquisa média do Ibope em Goiás teve 812 participantes e custou em média R$ 68.277; já a Serpes cobrou em média R$ 42.800 para entrevistar 801 pessoas no mesmo estado. Em 2016, o Datafolha cobrou em média R$ 105.144 por uma pesquisa para prefeito em Belo Horizonte, enquanto a CP2 Pesquisa cobrou apenas um décimo do valor: R$ 11.702.

Mas preços menores não implicam em pesquisas necessariamente piores: o Ranking de Empresas de Pesquisa do Pindograma mostra que dezenas de institutos menos conhecidos têm performance similar às do Ibope ou Datafolha. Até o lançamento do Pindograma, não havia nenhuma medição objetiva e independente da qualidade dos institutos de pesquisa, fazendo com que o prestígio vinculado a um nome conhecido valesse mais no mercado do que a qualidade das pesquisas da empresa.

II) A Amostra

Feita a contratação, a empresa de pesquisas parte para a amostragem – a definição de quais pessoas serão entrevistadas, para garantir que elas sejam representativas da população como um todo. Se a amostragem for boa, é possível presumir como votariam 150 milhões de brasileiros com somente 2.000 entrevistas; mas se a amostragem for ruim, o erro pode ser imenso. Basta pensar nos seguintes cenários:

  • Imagine que uma pesquisadora quer saber como pretendem votar os eleitores de São Paulo. Para isso, ela vai à Avenida Faria Lima e tenta entrevistar todos que passam por lá, até completar 500 entrevistas. Mas a amostra dela não representa o que pensa a cidade como um todo: afinal, é muito mais fácil encontrar pessoas de alta renda caminhando pela Faria Lima do que pessoas da periferia.

  • A pesquisadora decide, então, distribuir as 500 entrevistas por bairros diferentes da cidade – balanceando bairros ricos e bairros pobres. Dessa forma, ela evita o excesso de pessoas de alta renda na amostra dela. Mas ainda restam complicações: muito provavelmente, quem vai parar para responder o questionário dela serão pessoas sem pressa – como idosos que foram ao Centro fazer compras, ou pessoas que não trabalham e saíram para caminhar. Quem está no caminho ao trabalho provavelmente vai ignorar a pesquisadora, gerando outra amostra distorcida.

  • A pesquisadora decide, por fim, fazer as suas perguntas por telefone. Ela escolhe 500 números aleatórios na cidade de São Paulo e liga para todos eles – só para descobrir que a amostra ainda tem problemas. Nos domicílios mais ricos, quem atende é a trabalhadora doméstica; e nos domicílios mais pobres, quem atende são as crianças ou os mais velhos, que não saíram para trabalhar.

O trabalho de cada instituto é superar esse tipo de dificuldade e produzir amostras que representem a população em geral. E invariavelmente, alguns institutos são melhores nisso do que outros – seja pela qualidade de seus profissionais, seja pelo uso de alguma metodologia de amostragem mais sofisticada. O meio de coletar entrevistas – a domicílio, em ponto de fluxo, ou por telefone – pouco afeta a performance dos institutos, a despeito das discussões que a questão vem causando nos últimos anos.

III) As Entrevistas

Feita a amostra, os institutos partem para as entrevistas. Na teoria, as empresas contratam funcionários temporários; treinam esses funcionários para abordar pessoas; e os distribuem para aplicar questionários de acordo com o plano amostral.

No entanto, conduzir entrevistas é mais difícil do que parece. O comportamento dos entrevistadores pode afetar a resposta dos entrevistados – e para evitar esse problema, quem aplica questionários tem que ser bem treinado. Mesmo o perfil de uma entrevistadora pode fazer a diferença: pessoas tendem a dar respostas mais honestas para alguém que pareça mais com elas – seja em termos de classe, escolaridade, ou raça. Por isso, mesmo a seleção dos entrevistadores pode afetar a qualidade de uma pesquisa.

Muitos institutos são negligentes com essa etapa. Fontes ligadas ao mercado de pesquisas afirmam que algumas empresas fazem um plano amostral somente para cumprir os requisitos legais; na realidade, conduzem entrevistas sem muito critério. Há também instâncias de entrevistadores que, sem o devido controle do instituto, acabam se desviando do roteiro da pesquisa. Nesse sentido, o Pindograma ouviu relatos criticando entrevistadores que aplicavam questionários em rodoviárias, embora a pesquisa em questão previsse entrevistas em domicílios.

IV) A Justiça Eleitoral

Enquanto ocorrem as entrevistas, os institutos também têm que se preocupar com processos vindos de campanhas eleitorais. Isso ocorre porque partidos políticos podem denunciar irregularidades em pesquisas à Justiça Eleitoral. Caso o juiz aceite a denúncia, a pesquisa pode ser impedida de circular. O Tribunal Superior Eleitoral chama essa censura prévia de “impugnação de pesquisa”.

A Justiça Eleitoral tem boas intenções por trás das impugnações – afinal, quem não é a favor de impedir pesquisas fraudulentas de circularem? O problema é que as impugnações são frequentemente abusadas por advogados de partidos, que buscam impedir que pesquisas desfavoráveis a seus candidatos sejam publicadas.

O caso mais simbólico dessa prática aconteceu nas eleições de 2010, no Paraná. O então candidato a governador Beto Richa (PSDB) conseguiu impugnar dez pesquisas de seis institutos distintos – inclusive Ibope e Datafolha – alegando que todas elas apresentavam irregularidades no plano amostral. Dessa forma, Richa evitou a publicação de pesquisas que supostamente apontavam sua queda nas intenções de voto, deixando os eleitores do Paraná sem acesso a informações sobre a corrida eleitoral por quinze dias inteiros.

As táticas de Richa chamaram a atenção da imprensa por conta da escala dos institutos censurados – mas não é incomum que pesquisas eleitorais sejam impugnadas injustamente pelo Brasil inteiro. Com uma advogada competente, sempre há a possibilidade de uma campanha conseguir silenciar pesquisas inconvenientes para ela – ainda mais se a campanha tiver dinheiro para bancar esses processos. E as pesquisas que sobram tendem a ser mais imprecisas que as da média do mercado.

V) A Divulgação

Quando um instituto conclui as entrevistas – e se a pesquisa não é impugnada pela Justiça Eleitoral – os resultados estão finalmente prontos para serem divulgados. Entretanto, nem toda pesquisa que pode ser divulgada é efetivamente publicada.

É incomum que institutos no Brasil divulguem suas próprias pesquisas. Quase sempre, a pesquisa é simplesmente remetida ao contratante, que pode fazer o que quiser com o relatório – seja divulgá-lo ou não.

A imprensa geralmente divulga as pesquisas que contrata, mas quando o contratante é uma campanha política, pesquisas inconvenientes para o candidato raramente são publicadas. E essa dinâmica faz toda a diferença quando uma eleitora analisa uma pesquisa: pouco importa que uma pesquisa venha de um instituto confiável, se o cliente pré-seleciona quais pesquisas divulgar ou não.

Uma candidata pode, por exemplo, publicar uma única pesquisa excepcional que sugira sua vitória sobre os concorrentes, e deixar de divulgar uma dezena de pesquisas que apontem exatamente o contrário. Isso gera um viés de seleção que pode aumentar o erro médio das pesquisas que chegam ao público.

Outro problema é a falta de transparência dos institutos com os relatórios de pesquisa. A maioria deles não publica os documentos originais nos quais saíram os resultados. E não adianta pedir – dos aproximadamente 150 institutos que o Pindograma contatou, apenas dois enviaram as informações requisitadas.

A impossibilidade de conseguir os relatórios “direto da fonte” força o leitor a confiar no meio de comunicação que veiculou a pesquisa – o que não é um problema quando os dados são publicados pela imprensa independente. No entanto, não faltam pesquisas que só são encontradas em jornais partidários, blogs que dependem de anúncios do Poder Público, ou mesmo em comunicados de imprensa de candidatos – o que adiciona mais uma possibilidade de distorção à pesquisa.


Há, portanto, algumas perguntas que todos deveriam se fazer ao ver uma pesquisa que acabou de ser divulgada:

Quanto o instituto acertou no passado? O desempenho de um instituto no passado é um indicador melhor de seu desempenho no futuro do que o seu tamanho, prestígio, ou metodologia declarada ao TSE.

Quem contratou a pesquisa foi um político ou a imprensa independente? Caso a pesquisa tenha sido paga por um candidato, partido ou campanha, pense duas vezes antes de comprar o resultado – principalmente se esse resultado divergir das intenções de voto reportadas por pesquisas independentes. É possível que o candidato tenha acesso a outras pesquisas que não lhe sejam convenientes; e que ele esteja divulgando uma pesquisa que, excepcionalmente, tenha dado um bom resultado para sua campanha.

Para cada pesquisa publicada, quantas não foram? Caso haja muito mais pesquisas registradas que publicadas, é possível que algumas delas estejam sendo omitidas – seja por campanhas políticas, seja por censura da Justiça Eleitoral. Isso pode indicar que as pesquisas disponíveis têm um viés para certo candidato.

A pesquisa é excepcional? Sempre vai haver uma ou outra pesquisa que diverge muito dos levantamentos imediatamente anteriores. Em alguns casos, isso indica de fato uma mudança na intenção de votos; mas em outros casos, a pesquisa pode simplesmente ter errado por azar ou por algum problema na amostragem. Como regra geral, o melhor a se fazer é interpretar pesquisas excepcionais com parcimônia, e esperar outros resultados que confirmem ou sobrepujem os resultados excepcionais.

O Pindograma espera lhe ajudar a responder essas perguntas com o seu Ranking de Institutos de Pesquisa e o seu Agregador de Pesquisas Eleitorais. Com essas ferramentas, você pode analisar corridas eleitorais pelo Brasil todo, sabendo quais pesquisas merecem mais confiança.


Dados usados na matéria: Registro de Pesquisas Eleitorais (Tribunal Superior Eleitoral); Resultados de Pesquisas Eleitorais (Pindograma); Resultados de Pesquisas Eleitorais (Poder360).

Contribuíram com Dados: Pedro Fonseca, Maricélia Antonieto, Maria Clara Rodrigues, Raquel Fernandes, Natália Costard, Rodrigo Adinolfi, Fabrício Donnangelo, Yasmin Bom.

Para reproduzir os números citados, o código pode ser consultado aqui.

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Daniel Ferreira

é editor do Pindograma.

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